quarta-feira, 29 de junho de 2022

 Polarização e inquietude

Padre João Medeiros Filho

Atendendo a pedidos de leitores, retorno à temática de algumas semanas passadas. Vivem-se dias de inquietude e incerteza. Alta dos preços de produtos e serviços, tensão entre membros dos poderes constituídos e clima pré-eleitoral levam a vários tipos de manifestações nas redes sociais e mídia. O povo brasileiro está com os nervos à flor da pele. É preciso amainar essa onda de animosidade e ódio social. Diante de fundamentalismos ideológicos e religiosos, polêmicas jurídicas e políticas, importa meditar sobre as palavras de Cristo: “Deixo-vos a paz, dou-vos a minha paz, não como a dá o mundo” (Jo 14, 27).
Outrora, concebia-se a lídima política como a capacidade de saber dialogar, ponderar, transigir e negociar. Atualmente, considera-se bom político quem prima pelo radicalismo,
constrói narrativas, desferindo ataques, desaforos e atos vis. Pretende-se erigir o túmulo do diálogo. Muitos se arrogam o direito de dizer e fazer o que bem entendem, arrimados em suas distorções e equívocos. As divisões e intransigências levam a nossa sociedade à desintegração, a partir de conflitos. As polarizações fragilizam o povo, dificultando sua reação diante dos grandes desafios contemporâneos. Procura-se desviar a atenção do debate sobre problemas fundamentais e urgentes de nossa pátria. Talvez seja essa a intenção de falsos líderes.
Ao se debruçar sobre o atual cenário do país, chegar-se-á à conclusão de que há necessidade de recuperar os princípios éticos do bem comum, o altruísmo e o espírito público na busca de soluções para os graves problemas que afetam a nação. Predominam a falsa ideia, a afirmação equivocada e obsessiva de pretensos direitos individuais, bem como a insensibilidade diante do estado deplorável de grande parte da nossa população. Por vezes, priorizam-se açodadamente minorias em detrimento da maioria. A perda do referencial do bem coletivo leva a comportamentos reprováveis, que tendem ao triunfo da lei do mais forte, desprezando a razoabilidade e o senso de justiça. Isso acarretará indubitavelmente um retrocesso civilizatório. Segundo a doutrina cristã, estão entrelaçados o bem comum e a paz. E se esta não for fruto do desenvolvimento integral de todos, haverá sempre embates e diversas formas de violência.
Várias pessoas estão atônitas diante da situação nacional e da radicalização reinante entre
os brasileiros, jamais vista em nossa pátria. A preocupação de tantos, sobretudo de líderes religiosos, é como neutralizar esse ódio invasivo e contagiante. Uma sociedade que permite disseminar tal clima, destrói os laços mínimos de civilidade, sem os quais ela desmorona. Deve- se evitar as condições que tornem o caminho da agressividade e violência incontrolável ou até irreversível. O Brasil caracteriza-se ainda por viver antecipadamente o período eleitoral, contaminado pelos mesmos vícios. Deste modo, reduz-se a indispensável discussão política às ideias de pessoas que repetem esquemas inócuos e obsoletos, perpetuando-se dinastias de privilégios e erros. Os cidadãos esperam dos líderes e dignitários não uma briga medíocre, estéril e desprovida de qualquer sentimento republicano, inflando egos, mas uma ampla e legítima pauta dialogal civilizatória. Esta inclui essencialmente um linguajar sereno e construtivo, o manejo sábio das redes sociais e tecnologias contemporâneas.
É missão das igrejas indicar os caminhos da pacificação, passando necessariamente pelo entendimento e pela reconciliação. Têm a responsabilidade cívica, moral e espiritual de ensinar
como fomentar a fraternidade e a convivência harmoniosa entre todos. Segundo analistas, certos pensadores e líderes religiosos ajudaram infelizmente a acelerar o ônibus da intolerância e sabe Deus aonde chegará. Nos relatos dos evangelistas, ouve-se várias vezes a saudação do Mestre: “A paz esteja convosco. Não tenhais medo” (Jo 20, 19; 14, 27). Assim Ele cumprimentava os apóstolos,apósaRessurreição. Comtaispalavras,Jesusqueriaserenarosânimosdosdiscípulos, atordoados pelo temor de que algo pior lhes pudesse acontecer. O Ressuscitado devolveu-lhes a
paz, a alegria e a certeza de estar novamente com eles. Eis o desafio das entidades religiosas no Brasil, diante do atual contexto político e social! É necessário vivenciar verdadeiramente a oração atribuída a São Francisco de Assis: “Senhor, fazei de mim um instrumento de vossa paz. Onde houver ódio, que eu leve o amor!”

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