quinta-feira, 26 de setembro de 2024
Setembro, o mês da Bíblia
Padre João Medeiros Filho
No Brasil, é tradição da Igreja católica dedicar setembro à Sagrada Escritura, em
homenagem a São Jerônimo (347-420 d.C), cuja festa litúrgica é celebrada no dia trinta
desse mês. Ele foi o primeiro a traduzir a Bíblia dos textos originais (hebraico, aramaico
e grego) para a língua latina (predominante nas comunidades cristãs ocidentais da época
e idioma oficial da liturgia). A tradução passou a ser denominada Vulgata. O mês
temático tem um papel catequético e pedagógico: incentivar os católicos à leitura e
meditação dos textos sagrados: Pão da Palavra, na expressão de exegetas e hermeneutas.
Na história do catolicismo, a Bíblia nem sempre pôde estar nas mãos dos fiéis.
Após o Concílio de Trento (1545-1563) – a fim de evitar interpretações inidôneas ou
inexatas – era necessário obter autorização da autoridade diocesana para ler os Livros
Sagrados. Isso não ocorreu sem consequências. Assim, o conhecimento e o estudo da
Bíblia não se tornaram um hábito comum entre católicos. Hoje, essa realidade vem
mudando, graças a iniciativas, tais como os círculos bíblicos, a leitura orante dos
Livros Inspirados, a liturgia da Palavra na Eucaristia e administração dos sacramentos.
Há todo um trabalho para fortalecer a consciência de que a Sagrada Escritura “é
lâmpada para os [...] pés e luz para as [...] veredas” (Sl 119/118,105).
No Livro de Ezequiel, Deus ordena ao profeta: “Come o que tens diante de ti!
Come este rolo [pergaminho] e vai falar à casa de Israel... Eu o comi, e era doce como
mel em minha boca” (Ez 3,1.3). O episódio descrito faz parte do contexto da vocação
profética daquele hagiógrafo. O relato mostra-nos o poder de alimento da Palavra Divina.
Em várias passagens do Antigo Testamento há uma exortação expressa para que se
medite, dia e noite, a Lei do Senhor, como verdadeira orientação para uma vida digna
diante do Criador. O evangelho de Mateus (Mt 4, 4) relata Jesus citando o Deuteronômio:
“não só de pão vive o homem, mas de tudo o que sai da boca do Senhor” (cf. 8, 3). É
muito simbólica a postura de Ezequiel, ao comer o Texto da Lei (Torá). Explicita bem a
importância de se nutrir daquilo que Deus transmitiu e daí pautar nosso viver e agir.
Os escritos sagrados revelam-nos um infinito de experiências ricas do ponto de
vista espiritual, místico e cultural. A diversidade de gêneros e estilos literários,
linguagens e perspectivas teológicas faz desse Livro uma biblioteca. Alimentar-se de
tais escritos é enriquecer-se não só espiritual, mas também culturalmente. O
conhecimento da Bíblia leva os fiéis a mergulhar num universo tão vasto e precioso,
sendo impossível não se apaixonar por ela. O Concílio Vaticano II mostrou a
importância da Igreja da Palavra, que igualmente é Igreja da Eucaristia. Ambas são
sacrários de Cristo. Não se pode esquecer que, durante séculos, o Povo de Deus se nutria
fundamentalmente da Palavra. Não havia sacramentos. Ainda hoje, várias comunidades
(sem ministros ordenados) não dispõem dos gestos sacramentais. O grande alimento é
a Sagrada Escritura. Afinal, somos também a Igreja da Palavra. É salutar celebrá-la em
nossas residências meditando-a e permitindo que ela transforme todos, tornando-os cada
vez mais semelhantes a Cristo, Verbo de Deus que se “fez carne e habitou entre nós”
(Jo 1, 14). Jesus é o Salvador, consequentemente sua Palavra é Salvação.
O domingo e mês da Bíblia são uma excelente oportunidade para a mudança
de algumas práticas religiosas. É preciso crer plenamente que fortalecidos também
pela Palavra do Senhor somos edificados como Igreja. Portanto, celebrá-la tem um
valor inestimável. Por ela somos providos pelo Deus da Vida. “Ah, se hoje ouvísseis
a sua voz”, anseia o salmista (Sl 95/94, 8). Convém dedicar igualmente tempo para
beber das fontes divinas na liturgia cotidiana da igreja doméstica. Celebrar a Palavra
em casa, sobretudo no Dia do Senhor, com os familiares, é ter a certeza de que se fará
a experiência do Cristo Ressuscitado. Diante de tanta riqueza espiritual, a resposta de
Pedro – quando instado pelo Mestre se iria abandoná-Lo – foi contundente: “A quem
iremos, Senhor, só Tu tens palavras de vida eterna” (Jo 6, 68).
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