quarta-feira, 15 de janeiro de 2025
Cartas de Cotovelo – Verão de 2025 – 04
Por: Carlos Roberto de Miranda Gomes
Suspendi o veraneio para poder homenagear o amigo Padre Francisco Motta, da Matriz de São Pedro Apóstolo, nos seus 15 anos de sacerdócio.
A missa do dia 07 de janeiro, como era esperado, foi muito prestigiada pelos seus amigos e paroquianos, tendo ocorrido em seu ritual pleno de agradecimentos e homenagens.
O Padre Motta fez a sua homilia em estado emocional, sobretudo pela presença de sua genitora e outros parentes residentes na cidade de Patos, Estado da Paraíba, onde nasceu o referido sacerdote.
Desse período de ordenação, na Paraíba e em seguida em Pernambuco, passou em Natal os últimos dez anos, onde conquistou a confiança dos fiéis e realizou uma obra digna de restauração da Matriz de São Pedro – hoje uma das mais belas igrejas da cidade.
Seu trabalho não foi somente no aspecto físico, mas nas tarefas religiosas, ampliando em muito o comparecimento dos católicos às suas celebrações e festas comemorativas.
Até o ano de 2019 não o conhecia, mas com o internamento da minha THEREZINHA no Hospital da UNIMED, eis que recebo a visita do Padre Motta, precisamente no dia 16 de março, quando completava 54 anos de matrimônio, recebendo dele as bênçãos na renovação do amor do casal. Desse mês, no dia 31, O Criador levava de volta a minha companheira, que partiu confortada pelo amor da família e dos amigos que prestigiaram o seu velório e sepultamento.
Desse dia em diante aproximei-me do Padre Motta e passei a ser seu colaborador em atividades humanitárias e de resgate da história do bairro onde está inserida a Igreja.
Atualmente, um pouco afastado em virtude das dificuldades de locomoção e de esforço maior para superar as escadarias do templo.
Com fé, o que nunca me faltou, terei oportunidade de melhor colaborar com esse amigo paraibano que Deus colocou em meu caminho.
Cartas de Cotovelo – Verão de 2025 – 03
Por: Carlos Roberto de Miranda Gomes
Com pequeno atraso, volto a fazer as crônicas do nosso veraneio 2025 em Cotovelo, posto que não trouxe o computador para não desviar o aproveitamento do descanso.
No domingo 05, digo da minha alegria em procurar o caminho do mar e, à noite, fui à Missa na Igreja de São Francisco em Pirangi, com Carlinho e Carlos Neto, inteiramente lotada, a ponto de faltarem hóstias para os fiéis, com os pedidos de desculpas do Padre Sidnei.
O Dia dos Santos Reis, como já era esperado, foi rico em comemorações e a praia foi tomada em sua integralidade, num fuzuê daqueles.
Não gosto de ver Cotovelo com tantos frequentadores estranhos, tirando o nosso maior fazer – a privacidade, haja vista que não temos infraestrutura para tanta demanda, com ruas lotadas de veículos e o excesso de lixo, virando uma muvuca.
Em verdade, para nós moradores e veranistas, o fenômeno seria melhor a calmaria dos dias comuns. Contudo, o fenômeno não local, porquanto ocorre em todo o literal dos estados brasileiros.
Para ampliar o desencanto, corre notícia da breve transferência do Padre Sidnei, com o qual a Comunidade mantém estreita ligação, mercê do seu dedicado trabalho na região.
Fiquemos atentos para procurarmos minimizar esses percalços e fazermos voltar a tranquilidade em todos os sentidos, inclusive no religioso.
Cotovelo, pela proximidade, já pode ser considerada bairro de Natal – isso é inevitável. Por isso precisa ganhar uma estrutura de equipamentos públicos compatível. Nesse caminho esperamos que a PROMOVEC esteja alerta e, certamente, deverá tomar as suas cautelas.
A propósito, vem sendo muito badalada a questão da colocação de banheiros públicos em Cotovelo e as pessoas que compuseram a diretoria anterior não cansa de provocar as providências da Entidade.
Seria muito apropriado que fizéssemos um plebiscito com a comunidade, pois se não queremos essa intervenção na praia, temos que ponderar que é desconcertante ver pessoas fazendo necessidades pessoais ao relento. O assunto é sério e carece de verificar as sequelas que a falta de estrutura venha a reduzir a passagem de visitantes e, com isso, o desemprego e dificuldade financeira dos empreendedores locais.
Cartas de Cotovelo – Verão de 2025 – 02
Por: Carlos Roberto de Miranda Gomes
DIA DOS SANTOS REIS
Da tradição religiosa natalense, a data de 6 de janeiro é consagrada aos Santos Reis Magos – as testemunhas do nascimento do Redentor, em homenagem aos quais foi erguido o Forte dos Reis Magos, conservado até os dias presentes.
Foi nessa data, do ano de 1962, que vim da praia da Redinha, onde veraneava, para pedir em casamento a mão da minha amada THEREZINHA, com a promessa de núpcias para igual data do ano de 1963, não se concretizando pelo fato de ter sido o dia escolhido para o Plebiscito e eu, então, trabalhava no Tribunal Regional Eleitoral, ficando remarcado para 16 de março daquele ano, na cidade de Belém, capital do Estado do Pará, para onde foi transferida a família Rosso/Jones Nelson à qual ela pertencia. Após o casamento, pouco tempo depois, retorna para Natal, retomando a estrada profissional e familiar.
Assim sendo, 6 de janeiro sempre ficou marcado em minha vida, quando solidifiquei a minha história amorosa com a amada, iniciada em 1948, ao chegar em Natal, vindo de Macaíba, para morar na casa da rua Meira e Sá, 120, vizinho ao número 118 onde ela já residia.
Esse fato compõe um caminhar duradouro – 1948 – 2019, ou seja, quando cheguei e de pronto olhei em seus olhos, dando início a uma amizade, depois namoro, noivado, casamento até o chamamento do Criador, no dia 31 de março de 2019. Portanto, 71 anos de convivência afetiva, fiel e de cumplicidade.
No correr desse tempo aponto os episódios marcantes: em 1948: começava uma carreira artística precoce, que durou até 1954, sempre acompanhada por ela, com desvelo e coleção de recortes de jornais e preocupação de algum possível desvio de rota. Depois disso a prestação da vida militar no 16º Regimento de Infantaria, concluído nos pruridos de 1960, quando viajei para Recife a fim de estudar e me preparar para o vestibular.
No mesmo ano retornei e continuei a minha vida em busca do futuro, sempre com o seu apoio sem compromisso até 1962, como acima relatei. Nesse ano ingressei nos quadros do Tribunal Regional Eleitoral do Rio Grande do Norte, onde permaneci até 1971, após aprovação nos concursos de Auditor do Tribunal de Contas, que assumi em maio deste último referido e no de Promotor Público auxiliar, que declinei de aceitar.
O casamento em 1963 nos trouxe no início de 1964 várias vitórias – aprovação no vestibular de Direito e o nascimento de Rosa Ligia, os quais ampliaram a minha responsabilidade, obrigando-me a estudar exemplarmente, tanto que logrei, ao concluir, o recebimento da Medalha de Mérito Universitário (UFRN), iniciando uma travessia pela vida profissional, bem sucedida, até a aposentadoria gradual de cada atividade, dedicando-me daí em diante ao labor cultural e acadêmicos, onde ainda me encontro, guardando momentos inesquecíveis da companhia da minha eterna namorada.
Aqui mais um registro da minha passagem por esta dimensão da existência e das alegrias vividas com a companheira inseparável, até que Deus a chamou para outra missão em sua Casa.
Reminiscências dos tempos na Bélgica
Padre João Medeiros Filho
A pedido de amigos, volto com mais recordações da minha passagem pela Bélgica. Com dezenove anos, parco tirocínio e preparação incipiente, fui levado do status de brocoió de Jucurutu à condição e responsabilidade de aluno da plurissecular Universidade de Louvain. Isto aconteceu antes da separação linguística, resultando em duas instituições de ensino superior: Université Catholique de Louvain-la-Neuve, em Ottignies e Katholieke Universiteit te Leuven, ambas localizadas a cerca de trinta quilômetros de Bruxelas. Hoje, em minhas lembranças, “sinto uma coceira no juízo”, na expressão de Oswaldo Lamartine. “Sua cabeça é uma mistura sem cura”, dizia mamãe ao bispo de Caicó a meu respeito. Ela, terna e perspicaz, Jácome de nascença, unida à família Medeiros pelo casamento. Mulher autêntica e sensível. Não era muito chegada a padres e freiras, mas de um profundo respeito por minha opção religiosa.
Na Bélgica dos anos sessenta, vivi uma verdadeira Babel linguístico-cultural-religiosa. Morava no “Collegium pro América Latina”, onde tive como vizinhos de quarto Michel Quoist e Camilo Torres, totalmente diferentes pelo temperamento, idioma, formação teológica, sociopolítica e orientação espiritual. O primeiro, poeta e místico. O segundo, inquieto, tornando-se posteriormente guerrilheiro colombiano, marcado pelo sofrimento de seu povo. Para ele, “a dor é a maior fonte de amadurecimento.”
Leuven (Louvain) situa-se na província de Brabant, onde se fala flamengo, dialeto neerlandês. Na universidade, optei pelo regime linguístico francês. À época, por orientação da Santa Sé, as aulas de Teologia eram ministradas parcialmente em latim. No seminário, o espanhol era a língua oficial. Eu, o único brasileiro entre noventa internos, oriundos de trinta e cinco nacionalidades, usava português apenas para sentir saudades e rezar. Até os meus pecados eram confessados em francês. Não me responsabilizava pela versão, dizia a Cristo entre sussurros e preces de arrependimento. Estudei em Caicó e Mossoró com padres holandeses. Aprendi frases com toques de irreverência nessa língua frísia. Sabia o suficiente para agradar os flamengos e obter pequenas regalias culinárias. Depois, aprendi o bastante para contar anedotas e fazer rir o saudoso Padre Pio Hensgens, pároco de Morro Branco (Natal).
Conheci muitos latino-americanos, docemente rebeldes e libertários, jovens na faixa dos vinte anos. Não raro, sofriam de paixões recolhidas pelas loiras, suas colegas acadêmicas. Penavam com as investidas tentadoras das “galegas”, atraídas pela tez tropical e os belos “cheveux noirs” dos seminaristas latino-americanos, que se penitenciavam com orações, jejuns e sacrifícios. Rezavam para transformar o calor pecaminoso em afeto fraternal. Com um rendimento intelectual alto, acabei tornando-me ouvinte das dores de amores impossíveis, confidente sem experiência e poder de absolvição sacramental. Fui apenas um interlocutor compassivo, de passagem naquela casa de formação clerical, onde se falava pouco e estudava-se muito.
Fui delineando minha fé num molde singular, aberta a outros costumes, pensares e saberes. Ela lembra um murano florentino, um quebra-cabeça que só eu entendo. Foi configurada pacientemente, a partir de experiências pessoais, meditações, leituras, diálogos e desencantos advindos de etiologias diversas. Confesso que minha fé cristã é passível de revisões e adaptações internas. A rigidez é uma das características dos seres mortos. Num caldeirão de nacionalidades, etnias, hábitos e visões diversas, fui adquirindo o hábito de ouvir e ver o diferente. O discípulo de Cristo necessita ser desarmado, disponível e acolhedor. Nesse aspecto, o Cardeal Cardijn (de quem fui acólito por algum tempo) era meu modelo de abertura, fazendo estremecer, à época, certos áulicos petrificados do catolicismo.
Cultivei a amizade com ateus, agnósticos e fiéis de outros credos. Isso não interferia absolutamente na qualidade dos diálogos mais profundos. “Deus é diversidade, pois é Trindade”, dizia o teólogo Nicolau de Cusa. Aprecio gente sensível e inteligente, caçadora de verdades e atenta à misteriosa e miserável condição humana. Não estou imune a me deparar com oportunistas, radicais, carreiristas e intransigentes. Estes se agarram a narrativas e frases feitas, à moda hedonista ou iconoclasta. Tenho gravadas na memória algumas palavras de Camilo Torres, dentre elas: “Sou uma simples fagulha de Deus e isso é belo. Gosto de todos e de tudo, exceto dos arrogantes, pois estes nos afastam de Cristo – ternura e misericórdia divina.” O apóstolo Paulo recomenda: “Acolhei-vos uns aos outros, como Cristo vos acolheu” (Rm 15, 7).
terça-feira, 7 de janeiro de 2025
Cartas de Cotovelo – Verão de 2025.1
Por: Carlos Roberto de Miranda Gomes
Começamos o novo ano e o veraneio em Cotovelo veio pra valer, uma verdadeira explosão de novos veranistas, estradas congestionadas numa prova de que os órgãos competentes para cuidar do trânsito não evoluíram em nada.
Assistimos, com particular alegria, a posse do novo Presidente da PROMOVEC, o empresário Octávio Lamartine, tendo por companheiros – Pascal Genevo, Teresa Neuma, Antônio Carlos, Eugênio Rangel, e Sátyro Gil e o novo Conselho Fiscal composto por Eliana Lamatina, Fabriciano dos Santos, Rogério Cruz e Andréa Leal.
A infraestrutura gastronômica não acompanhou a demanda e temos dificuldade em encontrar oferta plena de alimentos em dias de pique, aumentando a quantidade de “farofeiros” forçados pelas circunstâncias e sem a atenção necessária com a limpeza da praia.
Os governantes de Parnamirim ainda não tiveram tempo para levantar os problemas da cidade e distritos, o que esperamos ser possível nos primeiros meses de gestão. Contamos com a visita da Prefeita a Cotovelo para discutirmos nossas necessidades, sendo a primeira, em meu entender, a conclusão da ligação da rede de esgotos, posto que até agora só beneficiou os empreendimentos dos mais abastados, relegando os moradores mais antigos, verdadeiros fundadores da Comunidade. Essa é uma questão de saúde pública.
Neste ensejo, quero louvar e agradecer ao novo dirigente da PROMOVEC, Octávio Lamartine pela iniciativa de, às suas custas, recuperar a rampa de acesso à praia da rua Herith Correia, permitindo que os “velhinhos” e deficientes possam, democraticamente, chegar até o mar e desfrutar a natureza.
Vamos reviver um tempo de fraternidade entre todos os associados e repensar alterações necessárias ao sucesso da Entidade.
A Epifania do Senhor
Padre João Medeiros Filho
A solenidade da Epifania do Senhor é celebrada no dia 6 de janeiro. No Brasil, porém, é antecipada para o primeiro domingo do ano. Nela comemora-se a manifestação de Cristo a todas as nações, como luz do mundo! A busca dos Magos é a afirmação desse clarão divino. Dá-se o encontro do Salvador com personagens alheios à tradição bíblica. Eis a primeira lição do Menino. Seu nascimento não veio confirmar privilégios. Nasceu para trazer vida àqueles que desejam a salvação, não importando sua condição socioeconômica, cultural, étnica ou religiosa. Deus não é apenas de alguns, mas de todos. Cristo ensina-nos na manjedoura que Ele não deseja o poder terreno. Veio pobre e indefeso, como uma criança, para não amedrontar. Em torno dele, unem-se os povos, vindos de longe, enquanto os que estavam por perto O ignoraram. Muitos buscam Cristo de modo diferente. Os Magos procuraram-No para O adorar, porém Herodes pretendia matá-Lo. Enquanto uns proclamam Jesus: “Luz do mundo” (Jo 8, 12), outros desejam execrá-Lo, porque a claridade desnuda o erro, a injustiça e o pecado.
Os Magos simbolizam os sedentos da Palavra divina e Herodes representa o Mal. Eles são imagem de nossa trajetória humana. Para descobrir Cristo, às vezes, temos de caminhar nas trevas, por terras desconhecidas e desertas. Uma estrela os conduziu até a cidade de Belém. De igual modo, existe para nós a chama da fé que nos conduz ao local onde encontraremos o Salvador. Infelizmente, há os que ficam cegos com sua própria luz. Têm medo de aceitar Jesus, por isso procuram destrui-Lo. É uma tentação constante da humanidade: querer eliminar quem incomoda. Cristo sequer começara a sua pregação, mas sua presença já importunava.
Para proclamar o nascimento do Salvador, devemos fazer o caminho inverso dos poderosos e nos desviar da rota da cobiça e do orgulho. Só Deus enche de paz o coração do homem. Nem mesmo a riqueza, o poder e a glória nos aquietam. Belchior, Baltazar e Gaspar fazem-nos compreender que os considerados excluídos são os primeiros a sentir a graça divina. Jesus nasceu para todos e mostra-nos que a misericórdia do Onipotente pelos homens não discrimina. “Deus não faz acepção de pessoas”, assevera-nos o apóstolo Paulo (Rm 2, 11). A realidade divina tornou-se acessível aos mortais. O Verbo não veio apenas ao mundo, também se encarnou para que sentíssemos o seu Amor por nós. Vivemos numa sociedade egoísta, na qual as pessoas cada vez mais se fecham, numa atitude de insensibilidade ou medo. Apesar de sua grandeza, o Filho de Deus fez-se humilde e pequeno para não atemorizar. Mesmo os desconhecidos foram recebidos com ternura e respeito.
Hoje, Ele se revela a nós, não como aos pastores e Magos, mas no pobre dormindo ao relento nas ruas, nos idosos abandonados por familiares ou pela sociedade, no doente num leito de hospital sem atendimento adequado, carentes, injustiçados etc. Ensina-nos a amá-Lo, sentindo-O no próximo. A presença de Cristo é fruto de busca incessante. Ele deseja se revelar a cada um de nós. Porém, precisamos perseverar e procurá-Lo até nas trevas. Jesus é o Irmão de todos. Nasceu tanto para o seu povo, como para os estrangeiros vindos do Oriente, cuja religião era outra. É relevante o relato de Mateus a respeito da indagação palaciana sobre o local do nascimento do Menino. O evangelista narra a ignorância de Herodes, ícone dos prepotentes da época. “Onde está o Rei dos Judeus, que acaba de nascer?” (Mt 2, 2). Por vezes, a nossa alienação é idêntica. Cristo está próximo de nós e não O reconhecemos; ao nosso lado e não O percebemos. Falta-nos o desejo de busca e descoberta do Divino. Os Magos não mediram esforços. Viajaram por terras estranhas, enfrentando adversidades, mas foram recompensados pela alegria de encontrar o Menino Deus. Em sinal de gratidão, ofertaram o que tinham de melhor, segundo as suas tradições. Vale lembrar a exortação do profeta Isaías: “Levanta-te, ilumina-te, porque chegou a tua luz, e a glória do Senhor raiou sobre ti” (Is 60, 1).
quinta-feira, 2 de janeiro de 2025
O despontar de um Novo Ano
Padre João Medeiros Filho
O tempo é um enorme desafio que envolve a vida. Não é mera sucessão de dias e anos, revelando a impotência humana para detê-lo. Apesar dos avanços tecnológicos, não se consegue pará-lo. A sua fugacidade não se explica apenas por conceitos cronológicos. Somente a humildade pode evitar que ele se torne uma espada, apontando diariamente para cada um a lâmina da verdade. A simplicidade faz aceitar os enganos das escolhas e desmascara as farsas que trapaceiam até inteligências aguçadas. O tempo passa inexoravelmente. Ninguém o prende e tem-se a impressão de que atualmente é mais veloz. Há avalanches de possibilidades, propostas e necessidades criadas – muitas desprovidas de interioridade – invadindo o âmago do ser humano. Místicos e filósofos ensinam que a temporalidade é uma questão interior. Ao se focar tudo na exterioridade, não só o tempo parece passar mais rápido, mas também se esvairá à revelia. Sem espiritualidade, tende-se a adotar um modo egoísta de existência, destituída do inarredável compromisso com o próximo e lúcida exigência para o convívio social.
O desejo de um Ano Novo feliz requer algo mais. Pede o cultivo da sensibilidade interpessoal e outro estilo de sociedade. Eis o que afirma o Onipotente ao profeta Isaías: “Por amor de Sião não me calarei, por amor de Jerusalém não descansarei, enquanto não raiar como um clarão a justiça, e a sua salvação não brilhar como uma tocha” (Is 62, 1). É o novo para aquele hagiógrafo! Deste modo, desenha-se o caminho, trazendo-o para perto dos homens. Isto acontecerá, mesmo na contramão de interesses egoístas, ideológicos e partidários, por vezes mesquinhos, desumanos, deletérios e alienantes. “A luz e o canto anunciaram a alegria da nova vida, o sorriso encantador da esperança e a certeza inefável da vitória. E tudo isto é, a um só tempo, tão simples e frágil, grandioso e resplandecente” (Liturgia natalina).
Para que haja realmente um Ano Novo, é preciso reduzir a ansiedade, a violência, a mentira, as narrativas, o pessimismo, a polarização e o ódio. Convém regar de esperança e ternura os sentimentos mais profundos. Evitar mirar-se nos outros. A inveja mina a autoestima, fomentando o ressentimento e abrindo dentro do coração um fosso no qual se precipita o próprio invejoso. É o panorama presente na política do Brasil de hoje, marcada da avidez de poder e dominação! Em 2025, haja empenho para acreditar em si mesmo, despertando criatividade para superar crises e dificuldades. Abraçar a virtude teológica da esperança – temática do Ano Santo de 2025 para os cristãos – a fim de vencer os contratempos, acreditando que no íntimo de cada um encontra-se Deus: força maior do amor e da transformação. Para que o Ano seja realmente Novo, é necessário cuidar das palavras. Não se pronunciem difamações e injúrias, nem se espalhem mentiras nas redes sociais. O ódio destrói primeiramente quem o carrega na alma e não apenas o odiado. Troque-se a maledicência pela benevolência. Lembrar-se da importância de alguns elogios por dia, em vez de críticas e condenações.
Para haver Ano Novo não se deve desperdiçar o tempo da vida, ser hipnotizado pelo celular. Não se recomenda navegar irresponsavelmente pela internet, naufragando no turbilhão de imagens e informações, nem sempre absorvidas. Urge não deixar que a sedução da mídia anule a capacidade de discernir, tornando o ser humano autômato e consumidor compulsivo. É necessário centrar a existência em valores permanentes, jamais efêmeros. Neste mundo ruidoso é preciso buscar o silêncio. Neste poder-se-á encontrar Deus. Isso será verdadeiramente um Ano Novo.
Importa cuidar da saúde com equilíbrio e sensatez, sem a escravidão a modismos. Aceitar as rugas e cabelos brancos sem temer as marcas do tempo. Não esquecer que a idade pode ser sinal de sabedoria. Não dar importância ao transitório, nem confundir o urgente com o prioritário. Afastar pensamentos preconceituosos e sentimentos excludentes. A vida é bela e breve! O Transcendente deve inundar o cotidiano e habitar a subjetividade. Aprender a fechar os olhos para ver melhor. E no decorrer de 2025, “Deus nos abençoe e guarde, volte para nós a sua face e nos dê a sua paz” (Nm 6, 24-26).
MENSAGEM PARA O ANO NOVO DE 2025
Padre João Medeiros Filho
É lugar comum desejar um feliz e próspero ano novo! Mas, não raro, isto soa como uma expressão formal e rotineira, fruto de etiquetas e boas maneiras. O augúrio de paz deve brotar da sinceridade de nosso coração, arraigado na esperança de todos para levar à frente a construção de uma sociedade, onde reinem o respeito e a fraternidade, descartado o ódio e fortalecidas as formas de dignidade humana. Isto deve ser a razão de nossa alegria e efusão de nossos sentimentos, na beleza do alvorecer do ano que chega.
Paz! Eis o grande dom que devemos aspirar para nossas vidas. Queira Deus, recebamos, em todos os dias de 2025, a bênção bíblica: “O Senhor te abençoe e te guarde. Faça resplandecer a sua face sobre ti, e tenha misericórdia de ti. O Senhor levante sobre ti o seu rosto, e te dê a sua Paz” (Nm 6, 24-26).
Ao despontar de mais um ano, rezemos para que o “fruto bendito do ventre de Maria” seja reconhecido e amado. A Palavra por Ela gerada seja escutada e vivida. O amor por Ele pregado seja compreendido e transmitido. O perdão trazido aos homens pela prodigalidade divina seja repartido e imitado. A doçura, a clemência e a misericórdia do Eterno, presentes no Evangelho de Cristo, substituam a insensibilidade, o egoísmo e a polarização reinante no Brasil hodierno. Assim, haveremos de sentir que teremos um ano de graça e paz, que vêm do Salvador do Mundo. Rezemos ao iniciar mais um ano a prece do “Poverello de Assis”: “Senhor, fazei de mim um instrumento de Vossa Paz, onde houver ódio que eu leve o Amor!”
Sigamos também as recomendações do apóstolo Paulo: “... Façam orações por todos os que exercem autoridade, para que tenhamos paz, justiça e dignidade” (1Tm 2, 1-2). Um ano pródigo de bênçãos, graças, saúde, harmonia, trabalho, fraternidade e bom inverno! Desejam-lhes Padre João Medeiros Filho, sua irmã Maria Luiza e demais familiares.
terça-feira, 24 de dezembro de 2024
O Natal do Filho de Deus
Padre João Medeiros Filho
No clarão das luzes que brilham na escuridão, sentimo-nos envolvidos pela presença de Deus que nos ilumina. A cada ano, na Missa do Natal, vivenciamos a profecia de Isaías: “O povo viu uma grande luz; para os que habitavam as sombras da morte uma luz resplandeceu” (Is 9, 1). No Natal celebra-se o encontro entre o céu e as criaturas. O que é do Alto une-se ao terreno. O Messias veio para reconciliar em si todas as coisas. O nascimento do Salvador é motivo de júbilo para o povo que crê, segundo a prece de gratidão de Isaías: “Multiplicaste a alegria do teu povo, redobraste sua felicidade” (Is 9, 2). O Natal é festa da libertação, pois “a canga que lhes pesava ao pescoço, a vara que lhes batia nos ombros, o chicote dos capatazes, tudo quebraste como naquele dia de Madiã” (Is 9,3). É a vitória sobre o mal, a injustiça, a arrogância, a arbitrariedade, a violência e a guerra.
Presentes foram comprados, de acordo com as posses de cada um. Pacotes fechados adornam a árvore de Natal. É surpresa. Só podem ser abertos na Noite Santa! As crianças ficam ansiosas e felizes. Pais e avós se emocionam ao ver a alegria ingênua dos pequenos. A cidade é toda enfeitada. Brilham milhões de luzes coloridas. Parecem dias de um sonho encantador, que contagia a todos. Afloram sentimentos bons no coração daqueles que têm fé e dos que não creem. Todos são tocados pela bondade nestes dias. Trocam mensagens de paz e boas festas, braços abertos, prontos para o encontro! E a ceia natalina com fartura de alimentos, que só costuma aparecer na mesa nesta noite e alguns nem sequer sabem por que?
O Natal é bonito. Difícil encontrar quem não goste. Mas, é só isso mesmo? Passa depressa. O que se comemora realmente nesse dia? Por que fazemos festa? Estamos pouco a pouco esquecendo que os cristãos celebram o nascimento de Jesus Cristo, o Filho de Deus, que está na origem do cristianismo. Foi há mais de dois mil anos, lá na Judéia, no tempo em que o Império Romano dominava aqueles povos. E, por ser quem Ele é, não se festeja simplesmente o seu aniversário, mas comemora-se o evento mais importante da história da humanidade. E por que? O nascimento de Jesus é uma graça divina para todos – fiéis ou os ainda incrédulos – pois os anjos cantaram aos pastores: “Glória a Deus nas alturas e paz na terra aos homens por Ele amados.”
O Natal é festa que emociona os que têm o dom da fé ou a sensibilidade de um coração verdadeiramente humano. Quem não se comove ao ouvir as narrativas bíblicas do nascimento de um Deus que se fez homem? Em textos diferentes, nos encantamos com a narração rica em nuances de Lucas ou plena de símbolos em Mateus e o enunciado magistral de João. Quem não se vê naturalmente impulsionado à oração, diante de um presépio, ao contemplar o Deus-Menino reclinado numa manjedoura, sob o olhar extasiado de Maria e José a admirar a criança? Quem não se deixa enternecer ao sentir o silêncio da noite mais bela, interrompido apenas pelos acordes angelicais, suaves como as canções de ninar? Tudo é paz! Acolhamos o Príncipe da Paz, que é Jesus Cristo.
Quem não percebe, no segredo da encarnação do Verbo, um hino celestial à vida humana, a qual até mesmo Deus quis assumir, para dar aos homens a vida em plenitude? (cf. Jo 10,10). Qual incrédulo, que tendo um coração sincero e um espírito desarmado, não conseguiria crer, ao ouvir, na liturgia natalina, a proclamação do amor de Deus que, sendo ilimitado na Sua grandeza, tornou-se pequeno para entrar nas estreitezas humanas, só por amor? Talvez tenha sido este o sentimento que mais emocionava a minha alma de jovem, quando ouvia, nas noites frias e nevadas, na Abadia de Mont César, na Bélgica, o coro cantando em gregoriano, referindo-se à Mãe do Salvador: “Quia quem coeli capere non poterant, tuo gremio contulisti” (Aquele que os céus não podem conter, o teu seio abrigou). “Hoje, nasceu para nós o Salvador” (Lc 2,11).
Cartas de Cotovelo – Verão de 2024/2025
Por: Carlos Roberto de Miranda Gomes
Estamos no final do derradeiro mês de 2024, já vislumbrando os primeiros pruridos do ano novo, em pleno começo do verão, onde retornamos a Cotovelo para a paz interior que essa maravilhosa praia oferece.
Minha índole amorosa pela Comunidade, ultimamente, foi arranhada por uma série de interpretações equivocadas do nosso Estatuto, que tive o privilégio de modernizar em duas oportunidades, conhecendo, assim, a gênese e o espírito da sua elaboração. Como fiel soldado, recuei da refrega e assisti atônito a solução encontrada para os problemas surgidos.
Aqui não vou retaliar ninguém. Contudo, quando se fixar a nova Diretoria, pedirei a oportunidade de um encontro para a discussão e esclarecimento dos seus capítulos e versículos, para um ajuste final que permita a permanência da paz e da harmonia nos momentos de mudança de controle para a nossa PROMOVEC, entidade de extraordinário valor, pioneira em iniciativas fundamentais para o crescimento da Comunidade, como retratei em livro que publiquei “PROMOVEC – uma bela história”, contando a saga dos seus fundadores, todos fieis trabalhadores pela expansão da associação e pela solidariedade entre os seus membros.
Perambulando pelas cercanias do lugar, constatei crescimento e melhoramentos, alguns um tanto desordenados, gerando dificuldades para o silêncio necessário ao recanto do distrito e sua mobilidade, haja vista que o crescimento não está proporcional aos equipamentos urbanos de sustentabilidade funcional da Comunidade.
Nunca fui retrógrado no veto aos novos empreendimentos que estão sendo erguidos, com certa velocidade, mas deploro que se iniciem melhoramentos em detrimento da conclusão de outros, necessários, que ficam a mercê do seu próprio destino. Há que se convocar, com veemência, o Poder Público para pôr regramentos mais rigorosos para a mantença da convivência sadia e harmoniosa dos habitantes – exemplos que apontarei numa eventual reunião, com a presença de representantes do Poder Público.
Quanto à natureza, a praia continua linda, saudável e convidativa para o restauro físico e psicológico dos seus frequentadores, desde que brecadas as tentativas de proliferação de barraqueiros fora do seu habitat designado e com fiscalização permanente para evitar abusos durante, principalmente, o veraneio, período mais atrativo para os veranistas e visitantes e, também, para os especuladores em busca da exploração comercial.
Como está a obra mais fundamental da Comunidade – o esgotamento sanitário? Dizem que alguns aproveitam a falta de fiscalização e clandestinamente se utilizam das obras já concluídas, mas sem a autorização necessária, a não ser que esteja acontecendo discriminação em favor de certos empreendedores.
Somos um todo. Como tal devemos ser tratados e, por isso, o esforço para os novos dirigentes da PROMOVEC deve ser direcionado para esse princípio, movendo céu e terra para conseguir o seu triunfo. Ninguém deve se omitir nessa missão!
Para o sucesso esperado, temos que fazer uma campanha forte de aumentar o número de associados e de reuniões mais constantes, recebendo os conselhos e opiniões que dinamizem a otimização ansiada por todos, podando as asas dos que ainda não aprenderam a respeitar a vontade coletiva e tomam os seus espaços particulares como verdadeiras autarquias, divorciados do restante dos seus concidadãos.
segunda-feira, 23 de dezembro de 2024
A BÍBLIA, SEMPRE A BÍBLIA
Valério Mesquita*
Mesquita.valerio@gmail.com
“Deus escolheu as coisas loucas deste mundo para confundir os sábios, as coisas fracas para confundir os fortes. Escolheu as coisas vis deste mundo e as desprezíveis e as que não são, a fim de que nenhuma carne se glorie perante Ele”. Paulo em I Coríntios, 1 - 27 a 29. Porisso que, na vida, nada é constante. Tudo tem prazo de validade.
Ainda Paulo, em II Coríntios, 12 – 8 a 11, após sofrer perseguição, açoites, apedrejamento, fadigas, falsos amigos, escárnio e até um mensageiro de Satanás o esbofeteou para testá-lo, e aí chegou “a orar ao Senhor para pedir três vezes a se desviar dele”, ante tanta provação. E o que disse o Senhor: “A minha graça te basta, porque o meu poder se aperfeiçoa na fraqueza”. Paulo entendeu dizendo: “De boa vontade, deverei me gloriar nas fraquezas para que em mim habite o poder de Cristo”. Impressionante esse ensinamento para os nossos dias. E o apóstolo foi além: “Por isso sinto prazer nas fraquezas, nas injúrias, nas necessidades, nas perseguições, nas angústias, por amor de Cristo. Porque quando estou fraco, então sou forte”.
Para mais um aprendizado, vale a pena ler novamente Paulo em I Coríntios 13, versículo 2, em diante, falando sobre o amor: “Ainda que tivesse o dom de profecia e conhecesse todos os mistérios e toda a ciência, tivesse toda a fé de maneira tal que transportasse os montes e não tivesse amor, nada seria. E ainda que distribuísse toda a minha fortuna para sustento dos pobres e não tivesse amor, nada disso me aproveitaria. O amor é sofredor, é benigno; o amor é invejoso, o amor não trata com leviandade, não se ensoberbece. Não se porta com indecência, não busca os seus interesses, não se irrita, não suspeita mal. Não folga com a injustiça mas sim com a verdade. Tudo sofre, tudo crê, tudo espera, tudo suporta”. E conclui: “Agora, pois, permanecem a fé, a esperança e o amor. Mas o maior deste é o amor”. Ensino para os ricos e governantes soberbos do Rio Grande do Norte.
Na Epístola de Paulo aos Romanos, capítulo 8, versículos 31 e seguintes, ele foi patético e inspiradíssimo: “Se Deus é por nós, quem será contra nós? Porque estou certo de que, nem a morte, nem a vida, nem os anjos, nem os principados, nem as potestades deste mundo, nem o presente, nem o porvir. Nem a altura, nem a profundidade, nem alguma outra criatura nos poderá separar do amor de Deus, que está em Cristo Jesus nosso Senhor”.
Para a vida banal de hoje, repleta de iniquidades que tantos nos distancia de Deus, a leitura dos Salmos 25, 40 e 103, nos faz lembrar que somos pó e que é grande a misericórdia de Deus para com aqueles que o temem. O notável profeta Isaías, no Antigo Testamento, no capítulo 55, defende que toda a pessoa deve procurar a sua salvação. No versículo 6, aconselha: “Buscai ao Senhor enquanto se pode achar, invocai-o enquanto está perto”. E sustenta que “os pensamentos e os caminhos dos homens não são os mesmos do Senhor porque os céus são altos e a terra não...”.
O magnífico apóstolo João, no capítulo 8, do seu Evangelho, ouviu Jesus proclamar aos judeus: “Conhecereis a verdade e a verdade vos libertará”. “Eu sou a luz do mundo; quem me segue não andará nas trevas; mas terá a luz da vida”.
Lá no Apocalipse, sublinhei na minha Bíblia, já tão gasta, repleta de rabiscos, a beleza da palavra do Senhor, no capítulo 3, verso 20: “Eis que estou à porta, e bato; se alguém ouvir a minha voz e abrir a porta, entrarei em sua casa, e com ele cearei, e ele comigo”. Neste Natal quando se celebra o nascimento do Nosso Senhor Jesus Cristo, enfatizei essas poucas e seletivas palavras inspiradas pelo Espírito Santo apenas para lembrar ao leitor que leia e pratique a Bíblia. Que não somente o faça no leito de um hospital. Plante o seu jardim e você mesmo o decore com o seu espírito em vez de esperar que outros, um dia, lhe tragam flores. E nada mais.
Aos meus leitores e amigos, desejo a todos boas festas e feliz ano novo.
(*) Escritor.
quarta-feira, 18 de dezembro de 2024
A Virgem Santíssima e os poetas
Padre João Medeiros Filho
Nossa Senhora está entre as figuras primordiais do Advento, agraciada com inúmeros oragos ou títulos teológicos e poéticos, dentre eles, Mãe de Deus e Mãe dos homens. Eles se constituem em fonte inesgotável de poesia. Na história da humanidade, nenhuma criatura teve o privilégio de escolher sua própria mãe. Apenas Cristo pôde fazê-lo, pois, desde a eternidade, Ela estava nos planos divinos. Nestes refulgia com intensidade a vinda do Redentor, que nasceria de uma mulher, isenta do pecado. À Virgem atribuem-se as palavras do Livro da Sabedoria: “Ela é o reflexo da luz eterna, mais bela que o sol, espelho sem mancha do poder de Deus e imagem de sua bondade” (Sb 7, 25-27).
Os poetas costumam louvá-la em versos inspirados nos escritos bíblicos ou na devoção popular, enaltecendo os dons singulares com os quais Deus a dotou. A Liturgia das Horas a exalta diariamente com hinos poéticos e teológicos. A literatura universal é rica em poemas e odes à Mãe Celestial. Padre Anchieta, prisioneiro dos índios tamoios, escreveu em latim, nas areias da Praia de Peruíbe (SP), o Poema à Virgem, com mais de dois mil dísticos. Foi traduzido para o nosso idioma e comentado ricamente por Padre Armando Cardoso S.J. com o qual tive a alegria de conviver no Colégio Santo Inácio de Loyola, do Rio de Janeiro. Acompanhei de perto a esmerada tradução.
Numa passagem, São José de Anchieta compara Maria à Árvore da Vida, “fértil de frutos eternos, cujas raízes se escondem nas entranhas da terra e franças sublimes chegam às estrelas do céu.” Ao descrever o mistério da encarnação do Verbo, exclamou: “Uma sombra orvalhada, sobre suas entranhas virginais descansa, e meiga aragem sopra no horto cerrado de seu seio. No mesmo instante, o Verbo escondido ocupa o seu sacrário e a Virgem Mãe concebe o Autor da vida.”
Poder-se-ia recordar também os versos de Dante Alighieri, na “Divina Comédia”: “Virgem Mãe, por teu Filho procriada, humilde e superior criatura, por decisão eternal predestinada! Por ti se enobreceu tanto a humana natura, que o Senhor não desdenhou de se fazer, de quem criou, feitura.” O Papa Leão XIII, considerado em sua época o príncipe dos poetas latinos, no final do seu pontificado, tirou de sua lira a “Última prece à Virgem”, na qual enaltece Maria e os seus poderes: “Se eu atingisse o Céu, se contemplasse, por suprema mercê, de Deus a face, e, ó Virgem, teu olhar visse também... acolhe-me e se ali for eu um daqueles da cidade santa, direi eternamente que ao favor da Virgem Mãe devi ventura tanta.”
Dom Silvério Gomes Pimenta – arcebispo de Mariana e primeiro eclesiástico a integrar a Academia Brasileira de Letras – louvando a beleza da alma de Maria, escreveu: “Tu és mais linda que as estrelas e as flores ... em ti mancha não há.” E Dom Francisco Aquino Corrêa, outro membro da referida ABL, proclamando a magnitude da Mãe do Criador, pergunta: “Quem fez o lírio de tua alma, ó Puríssima, quem fez as rosas dos teus lábios, ó Santa?” Não se pode esquecer, dentre a multiplicidade dos poemas marianos, os versos do vate mineiro Monsenhor Primo Vieira, outrora membro da Academia Santista de Letras (SP). Em belíssimas estrofes em seu livro “Litanias”, mostrando Maria como Porta do Céu (uma das invocações da Ladainha), rezou: “Porta do Céu à cuja entrada esquece o pecador as trilhas do pecado (...), da altura excelsa em que morais na glória, olhai os pequeninos sem história e a miséria de rojo pelo chão... Nós somos esses filhos que não param de caminhar nas réstias que ficaram da esteira luminosa da Assunção.”
Eis algumas das inúmeras exaltações poéticas sobre a Mãe de Deus. Contemplando com fervor o rosto de Nossa Senhora, a Compadecida – há séculos venerada e louvada pelos cristãos – vislumbra-se algo celestial em seu semblante e um fulgor divinal no seu olhar. É a Imaculada, a Mãe dos pecadores e aflitos, auxílio dos cristãos. O profeta Zacarias precedeu os poetas marianos, quando escreveu: “Exulta e alegra-te, filha de Sião, porque eis que venho e habitarei no meio de ti” (Zc 2, 14).
PRECIOSIDADES DO LEGISLATIVO
Valério Mesquita*
Mesquita.valerio@gmail.com
01) Guedes, é um antigo e aguerrido garçom da larga e longa ceia legislativa de todas as semanas. Semigago, o nosso personagem veste sempre um terno preto com uma indefectível gravatinha borboleta. Vê-lo sem o terno é desconhece-lo. A roupa aderiu ao personagem ou impregnou-se a sua silhueta, a figura prazenteira que equilibra numa bandeja a gastronomia do Poder Legislativo. Certa tarde, quando atravessava o corredor entre o plenário e a lanchonete da Casa de José Augusto, um popular atreveu-se e retirou da bandeja um copo de refresco de goiaba. Guedes foi providencial: “É su, su, su, su...” Ai o intrometido, após sorver um gole, parou para pacifica-lo: “Eu sei que é suco”. E Guedes, num esforço supremo: “Não, é su, su, “subejo”!!”. De outra vez, à tarde, entra apressado para cobrir os trabalhos legislativos, o jornalista Joaquim Pinheiro e no corredor vai logo perguntando a Guedes se a sessão já havia começado. O garçom, entre solene e compenetrado dispara: “Tá, tá, faltando “cloro”!”. Joaquim riu e compreendeu que às 16 e 30 a Assembleia nunca realmente atingiu o quorum regimental.
02) Discursando para um plenário desatento a então deputada Fátima Bezerra, lá pras tantas do seu pronunciamento, recuperou a atenção geral quando soltou da tribuna um “não pagou porra nenhuma”. O presidente engoliu e o plenário riu. Era o governo Garibaldi Filho. A oposição sempre saía do prumo.
03) O então presidente da Assembleia Legislativa deputado Álvaro Dias, certa vez, jogou duro com os colegas a fim de obedecerem rigorosamente o tempo. Ia ser votado o orçamento com mais de trinta emendas. Os 10 minutos para cada um discursar eram sempre extrapolados. Conhecido pelos apartes quilométricos o deputado Tarcísio Ribeiro aparteia o deputado Pedro Melo esgotando o tempo regimental. O presidente cortou o som do orador mas, o aparteante (Tarcísio) saiu-se com essa: “Vossa Excelência agora presidente é quem está falando e o som devia ser cortado!!”.
04) Baixinho, estrábico, assim é o ligeiro visual do líder comunitário macaibense “Zanoinho” que fazia sucesso com a sua oratória direta e descomprometida. Num comício no bairro Campo da Santa Cruz, o candidato a vereador mandou pedir à multidão um minuto de silêncio em respeito a um falecido comunitário. Mas, a algazarra dos participantes sufocou a solicitação penitente de Zanoinho. Confiante de que a piedade cristã de mais um apelo desarmaria o barulho, apesar da inconveniência do pedido nesse tipo de evento, Zanoinho foi patético: “Se foi pedido o silêncio em nome de Nosso Senhor Jesus Cristo e ele não foi atendido, avalie se eu pedir, pobre, feio e "zanôio””.
05) Parece que a onda de minuto de silêncio pegou nos candidatos a vereador. O objetivo é claro: não perder os votos da família do desaparecido. Outra manifestação fúnebre ocorreu na Vila São José, bairro periférico de Macaíba. O ex-vereador e candidato Moacir Gomes, ao usar a palavra, inicia o discurso rogando aos assistentes do comício um minuto de silêncio pelo falecimento de uma pessoa do bairro. O seu assessor e cabo eleitoral, ao lado, imaginando o tamanho da família do falecido, sopra imediatamente ao seu ouvido “Um minuto é pouco. Peça cinco! Tem muito voto lá!”.
06) Certa vez, em uma das campanhas políticas, Caicó viveu momentos memoráveis. O candidato Vivaldo Costa quando discursava fazia verdadeiras parábolas, sermões com aquela voz cheia, reforçada pelo gosto de coalhada com rapadura da fazenda Trapiá. Explicava no palanque: “Irami Araújo quando era do nosso lado, a oposição o taxava de ladrão da farinha de trigo. Aderiu, foi pro outro lado, agora é santo. Silvio Santos quando era do meu lado, era chamado de ladrão do SUS, agora virou santo duas vezes” e virando-se para Nilson Cabecinha, triste e cabisbaixo, o Papa foi cruel no convite: “Ô Nilson, por que você também não vai logo para o outro lado!”.
(*) Escritor.
terça-feira, 10 de dezembro de 2024
Jubileu de uma Teologia reconhecida
Padre João Medeiros Filho
Como graduação acadêmica, oferecida por instituições credenciadas pelo Ministério da Educação, o ensino da Teologia é recente na história da educação brasileira. Na vigência do Padroado no Brasil (Colônia e Império), gozava do status de curso superior oficial, mesmo não pertencendo à Academia. Após a Proclamação da República, com a separação entre a Igreja e Estado, passou a ser ensinada como curso livre nos seminários e casas de formação religiosa. No Brasil, durante mais de um século, Teologia e demais ciências se distanciaram num desconhecimento mútuo de seus métodos e epistemes. Entretanto, no Ocidente, a universidade surgiu como o lugar natural do pensar teológico. Ela é uma criação medieval, sucessora das escolas vinculadas às abadias, mosteiros e catedrais. Constitui-se em nova configuração escolar, independente dos estudos ministrados pela Igreja.
Com o advento das instituições de ensino superior católicas, houve uma preocupação com o ensino da Teologia dentro dos espaços acadêmicos brasileiros. A PUC/RJ foi a primeira a ministrar um curso nessa área de conhecimento, nos moldes universitários. Criou um bacharelado pela Resolução 127/67. Outorgava diplomas, mesmo sem o reconhecimento formal do MEC. Integrada ao espaço acadêmico e às áreas de saber científico, a Teologia tende a se fortalecer para melhor interpretar a fé, abordando problemas da sociedade pluralista e analisando as raízes de nossa cultura, marcada por fortes traços religiosos.
No decorrer de cento e dez anos, da Proclamação da República à aprovação do Parecer 241/99, em 15/03/1999, pelo Conselho Nacional de Educação, houve tentativas de oficializar os cursos teológicos. O Decreto-Lei 1051/69, revogado pela Lei 9394/96, foi um esforço expressivo. Por força de tal ato, os egressos de seminários e casas de formação clerical, mediante processo seletivo, estariam aptos a se matricularem nos cursos de licenciatura em Filosofia. Poderiam solicitar aproveitamento de créditos obtidos naquelas entidades confessionais, complementando as disciplinas para obtenção do grau de licenciado. Há que considerar o relacionamento entre Igreja e Estado brasileiro, durante o regime militar. O referido decreto-lei foi promulgado em um dos momentos tensos da relação entre os dois entes, por isso não houve interesse latente por parte do episcopado em pleitear a oficialização dos cursos. Passados trinta anos, reacenderam os sonhos de inclui-los na Academia. Ao coro das faculdades católicas somaram-se vozes evangélicas, clamando por um status acadêmico para as graduações teológicas no Brasil. A pioneira no credenciamento pelo MEC foi a Escola Superior de Teologia (São Leopoldo – RS), mantida pela Igreja Luterana, tendo seu bacharelado autorizado em 01/10/1999. Não havia motivos para deixar a Teologia de fora da Academia.
Cabe informar que no projeto original da Universidade de Brasília – UnB, Darcy Ribeiro incluía um Instituto Teológico, que seria confiado aos frades dominicanos. A Igreja muito tem a ganhar com uma Teologia com maior rigor acadêmico, voltada não apenas para aspectos religiosos, pastorais e apologéticos. Ela facilitará a interpretação das raízes antropológicas e culturais brasileiras, nas quais também se ancora o navio de nossa fé. Tal conhecimento não deve ficar restrito aos meios eclesiásticos e sim fortalecer o diálogo com a sociedade dentro do espaço universitário.
Até 2011, esforcei-me por incentivar a criação de bacharelados, autorizados e reconhecidos pelo MEC, elaborando projetos para algumas dioceses e congregações religiosas. Mossoró aceitou o desafio e a Teologia foi o berço da UniCatólica do RN, ministrando hoje nove graduações de nível superior reconhecidas pelo Sistema Federal de Ensino. Sua aceitação é grande e sua excelência de ensino é proclamada pelos órgãos de avaliação do referido sistema. Algumas autoridades eclesiásticas não entenderam a necessidade de um espaço científico do pensar cristão, querendo enfatizar apenas o caráter da formação clerical. Além da graduação em faculdades credenciadas, ressalte-se ainda o seu papel na pesquisa e extensão, eficazes para refletir o sentido do saber em favor da justiça social e da fraternidade humana. Educar é missão da Igreja. Cristo recomendou aos discípulos: “Ide, ensinai a todos” (Mt 28, 19). E o apóstolo Paulo complementa: “Quem tem o dom de ensinar, ensine” (Rm 12,7), “pois nem todos podem ser mestres” (Tg 3,1).
quinta-feira, 5 de dezembro de 2024
O tempo litúrgico do Advento
Padre João Medeiros Filho
Domingo próximo, dia primeiro de dezembro, começa o tempo do Advento. Este é a aspiração de um mundo de paz, fraternidade, desejo de unidade e expectativa da presença de Deus entre os homens, concretizada pelo Natal. É a certeza de que o Verbo de Deus se encarnou (cf. Jo 1, 14), há mais de dois mil anos. Entretanto, o Salvador da Humanidade ainda está para nascer na dimensão plena, permanecendo vivo e real no coração dos homens e dos povos. Eis o que se deve celebrar durante o Advento. Tempo de espera, ensina a Igreja. E aguardar alguém requer cuidadosa e alegre preparação. Deste modo, deve-se aguçar em cada um a sensibilidade para descobrir os inúmeros sinais da manifestação de Deus. Convém intensificar a sede de relações mais fraternas e duradouras num Brasil que se digladia e destrói pelo radicalismo, ódio, pela polarização, ganância, disputa de poder e inúmeros antivalores.
Celebrar o Advento é procurar superar o desencanto que se abate sobre esta sociedade dita moderna e avançada. Viver Advento é lutar para transformar a sociedade numa casa de irmãos e não de inimigos. Desta forma, esse tempo deixa de ser celebração histórica para tornar-se ideal de vida, crença numa força escondida, continuamente prestes a nascer. É certeza de que Deus não abandona o ser humano e lhe oferece sempre uma luz para o seu caminho. Cristo não é o messias que muitos esperavam. Em lugar de castigar, curava. Em vez de condenar, devolvia a vida. Ao invés de julgar, perdoava e amava. João Batista – mesmo na certeza de que Ele era o Filho de Deus – constituiu-se em intérprete de seus interlocutores, procurando ouvir de Cristo: “És tu aquele que há de vir?” (Mt 11, 3). Jesus não perde tempo, tampouco se detém em teorias, discursos e definições. Será reconhecido a partir de gestos concretos: cegos recuperam a vista, surdos ouvem, paralíticos andam, leprosos são purificados. Tudo obra do sublime amor e da misericórdia infinita de Deus.
O Mestre de Nazaré apresenta-se pelas suas obras como esperança e alegria para o mundo. Seu tempo não era diferente do atual. Havia violência, fome, desemprego, corrupção, exploração e desânimo. Mas, Cristo veio trazer libertação e paz. Deste modo, entende-se o sentido das palavras do anjo na noite natalina: “Eu vos anuncio uma grande alegria que será de todo povo” (Lc 2, 10). Também hoje, o mundo vive carente de alegria. A depressão e ansiedade tornaram-se grandes doenças dos tempos modernos. A solidão e a tristeza são males de nosso século. Incerteza, apatia, desânimo e temor povoam o coração dos brasileiros. Cristo veio como resposta a tudo isso. O profeta Isaías aponta para os gestos verdadeiros de vida cristã: “Fortalecei as mãos enfraquecidas e firmai os joelhos debilitados. Dizei às pessoas deprimidas: Criai ânimo, não tenhais medo” (Is 35, 3).
O mundo pergunta aos cristãos: onde está realmente Deus? A resposta dar-se-á pelos gestos visíveis e pelo testemunho de vida, não pelas teorias e discursos. É preciso mostrar uma nova visão de vida, anunciar a palavra que liberta, ajudar o próximo a caminhar na paz, iluminado pela força e luz da fé. Cada um é convidado a ser arauto da libertação, nascida em Cristo e alimentada na esperança e caridade.
É preciso ser profeta, como João Batista. Ele não compactuou com uma sociedade materialista, que privilegiava uns em detrimento de outros. E aqui se entende a maneira de vestir, viver e falar de João. Despojou-se de tudo que poderia chamar a atenção sobre si mesmo. O que lhe interessava era Cristo. Seria necessário que todos O descobrissem, o mais cedo possível, e encontrassem misericórdia, doçura e infinito perdão. O Precursor não queria que ficassem dúvidas em seus seguidores. Mas, hoje ainda paira inquietação na cabeça de muitos, quando ouvem falar de Cristo. O Advento é o anúncio da esperança, a véspera do sorriso e da alegria. É a noite dos sonhos da felicidade e eterna bondade, que não se afastarão mais do coração do homem. É, sim, o seu despertar para a claridade divina! Eis o desejo do evangelista Lucas: “Que a gloria do Senhor nos envolva de luz” (Lc 2,9).
quarta-feira, 4 de dezembro de 2024
São Francisco Xavier e Dom João Santos Cardoso
Padre João Medeiros Filho
Ambos têm algo em comum. Liturgicamente, no dia 3 de dezembro – data do natalício de Dom João Santos Cardoso – comemora-se a festa de São Francisco Xavier, cofundador da Companhia de Jesus com Inácio de Loyola. Segundo alguns biógrafos, depois do apóstolo Paulo, Francisco Xavier foi quem mais converteu pessoas ao cristianismo. Mereceu o título de “Apóstolo do Oriente”. O Rei de Portugal (Dom João III) – por intermédio de seu embaixador junto à Santa Sé – fez vários apelos ao Papa Paulo III no sentido de enviar missionários para transmitir a mensagem cristã nos territórios descobertos pelos portugueses e espanhóis. Atendendo aos rogos, o Pontífice enviou Francisco a Índia em 1541, acompanhado de dois confrades: Padres F. Mansila e Paulo Camarate. Viajaram na nau capitânia “São Diogo”, uma das cinco que compunham a frota comandada por Martim Afonso de Sousa, o qual viajava para tomar posse como governador na Índia. Francisco Xavier partiu para a vida eterna, aos 3 de dezembro de 1552. Repousava numa humilde esteira de vime, abraçado ao crucifixo, presenteado por seu amigo Inácio. Foi canonizado em 12 de março de 1622 por Gregório XV.
Dom João Santos Cardoso nasceu em 1961, no município baiano de Dário Meira. Realizou os estudos fundamentais em sua terra natal. Fez a graduação filosófica no Seminário Maior de Teófilo Otoni (MG). O curso de Teologia foi concluído no Instituto Teológico de Ilhéus (BA). Licenciou-se em Filosofia pelo Centro Universitário da Assunção (SP). Cumpriu o programa de pós-graduação em Filosofia – níveis mestrado e doutorado – na Pontifícia Universidade Gregoriana (Roma). Antes de ser elevado à dignidade episcopal, era docente na Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia, em Vitória da Conquista e ali dirigiu o Instituto Arquidiocesano de Filosofia.
Na vida, há fatos que parecem coincidências. Porém, para quem acredita, trata-se da Providência Divina. Pode-se estabelecer um paralelo entre São Francisco Xavier e Dom João Santos Cardoso. Ambos evangelizaram terras ignotas e longínquas. O jesuíta pregou a Palavra de Deus em países asiáticos. Nosso metropolita foi chamado por Deus para edificar o Reino de Cristo no interior do Piauí e agora no RN, terras por ele desconhecidas. Em São Raimundo Nonato (PI), desvelou a face de um Cristo terno e sensível. No solo piauiense, encontrou o fruto da evangelização de Dom Joaquim Antônio de Almeida, primeiro pastor piauiense, que ali lançara sementes do Reino de Deus. Dom Joaquim, que foi igualmente o primeiro bispo potiguar, cuidou da Grei do Senhor, hoje conduzida por Dom João Santos Cardoso, revelando a Igreja una, santa, católica e sacramento de Cristo que nos acolhe.
Dom João tem enfatizado que o Evangelho de Cristo é a Boa Nova, manifestação da esperança e da alegria. Em quatorze meses de pontificado entre nós, empenhou-se no processo de beatificação de Padre João Maria, enviando a documentação à Santa Sé para a devida análise. Encontram-se bem adiantados os projetos de criação de duas novas dioceses (com sedes em Assú e Santa Cruz), sonho do Povo de Deus, que aspira por um pastor próximo de suas ovelhas. Administrativa e pastoralmente, a nossa arquidiocese foi repaginada com maior capilaridade em seus serviços e pastorais. Ressaltem-se o convênio de cooperação técnica com o IFRN e a parceria com o IPHAN, sendo esta para instalação do Arquivo Arquidiocesano, além da criação de novas paróquias e áreas pastorais.
Percebe-se a satisfação no rosto dos fiéis. Sua simplicidade cativa, sua ternura encanta e seu zelo edifica. Nele, “encontramos a primazia do irmão”, na expressão de um líder intelectual natalense. Os comunicadores o respeitam e admiram. Queira Deus que sua caminhada em terras potiguares seja tranquila, profícua e duradoura. Sabe escutar e dialogar. Com justiça e caridade, sem alardes, precipitação, desrespeito e traumas, vem promovendo mudanças exigidas para uma melhor vitalidade eclesial do arcebispado. Sua atenção e delicadeza no cuidado com o rebanho atestam que ele não é bispo para si, mas para os irmãos, vivendo as palavras de Santo Agostinho: “Para vós sou bispo, convosco sou cristão.” Segue o ensinamento do apóstolo Pedro: “Quem serve, faça-o com a capacidade proporcionada por Deus para que em tudo Ele seja glorificado” (1Pd 4,11).
quarta-feira, 20 de novembro de 2024
Estado laico
Padre João Medeiros Filho
Volta à pauta um tema recorrente no judiciário brasileiro. Trata-se do julgamento sobre a constitucionalidade da presença de objetos religiosos em órgãos oficiais. A partir de 15/11/24, o STF julgará recurso movido pelo Ministério Público Federal – MPF, questionando a presença de símbolos religiosos naqueles espaços. No Brasil, em nome do Estado laico, tramitam processos, pretendendo a sua exclusão em repartições públicas. Invocando tal princípio, há anos, a Prefeitura de Florianópolis ajuizou ação contra uma lei, que determinava a disponibilidade de exemplares da Bíblia em bibliotecas municipais. Tempos atrás, o Presidente da Câmara Municipal de Mariana (MG) quis retirar o crucifixo do plenário da Casa. Ultimamente, o MPF (SP) protocolou um processo, demandando a retirada de símbolos sacros de recintos estatais. Vencido em instâncias judiciais inferiores, interpôs recurso no STF.
Segundo juristas e teólogos, entende-se por Estado laico aquele que não adota nenhum credo oficial, nem permite ingerência de religiões em sua estrutura. É neutro; entretanto, não ateu ou antirreligioso. Deve ser a primeira organização a garantir a liberdade de crença. A tolerância religiosa no Brasil existe graças à laicidade do Estado. Ao defini-la, nossa Carta Magna admite a liberdade de culto, assegurando assistência espiritual em hospitais públicos, prisões e quartéis, inclusive o casamento religioso com efeitos civis. Como estatuído no Art. 208, criminaliza qualquer desrespeito ou vilipêndio às crenças e aos seus símbolos. E como acontecem escárnios, disfarçados em “arte”...
Haver exemplares da Bíblia em bibliotecas não significa leitura obrigatória. Como pode o Livro Sagrado ferir o Estado laico? Ninguém é coagido a manuseá-lo. Porém, uma biblioteca que se preze, não poderá prescindir de um livro clássico, milenar, o mais impresso e lido no mundo, simplesmente por se tratar de obra de cunho confessional. A Bíblia é também uma obra histórica, cultural e literária. Há que se distinguir arte, tradição e cultura de religião ou religiosidade. O Brasil foi colonizado por cristãos ocidentais. Impossível deletar o passado, apagar a história. Procura-se preservar valores culturais afrodescendentes, herdados dos povos originários e de outras etnias. Uma sociedade democrática – como se diz a nossa – deverá cuidar do respeito à maioria, como o exige para as minorias. Convém lembrar: a maior parte da população brasileira ainda é cristã.
As intransigências supracitadas configuram intolerância religiosa, inaceitável pela Constituição brasileira vigente. É crime tipificado em lei. Verifica-se incoerência nos demandantes judiciais. Se há caça aos símbolos sagrados, especialmente os cristãos, arraigados em nossa história, ousarão retirar a estátua do Cristo Redentor, ícone da Cidade do Rio de Janeiro (declarada patrimônio cultural da Humanidade pela Unesco) e a de Santa Rita, em Santa Cruz (RN)? Teriam a audácia de demolir tais monumentos para não desagradar o Estado laico? Não é essa simbologia que envergonha e denigre o Brasil. Na verdade, o Cristo crucificado é quem deve sentir-se constrangido com o que se passa dentro de muitas repartições públicas... Em nome dessa pretensa laicidade, iriam renomear os estados e cidades, como São Paulo, Espírito Santo, Santa Catarina, Natal, São Luís? Legislar para atender à gana laicista resulta em fomentar a intolerância religiosa. Arrimando-se nessa equivocada interpretação, acaba-se caindo numa sucessão de erros, ferindo tradição e história, cultura e arte, desrespeitando a religiosidade do povo.
Do ponto de vista filosófico-teológico, sociológico e jurídico, é preciso deixar claro que laicidade difere de laicismo. Não obstante a sinonímia registrada por alguns dicionaristas, entende-se pela primeira a separação da Religião e do Estado, como expressa na CF de 1988. Por ela, o Estado, em seus níveis e esferas, está proibido de definir qualquer religião como oficial. Laicismo consiste na “degeneração da laicidade”, implicando em negação ou privação do direito de manifestar publicamente a fé. Tal disposição não consta na Constituição vigente. Ao contrário, por força dela, todos os brasileiros e estrangeiros, aqui residentes legalmente, gozam também de liberdade confessional. E esta não é privilégio de um grupo. Independe de sua influência político-social ou quantidade de adeptos. Laicidade não é sinônimo de laicismo, secularização e ateísmo. Não pretende destruir e desconstruir herança histórico-cultural, tradição e religiosidade, como apregoam partidários do laicismo. Cristo separava claramente Religião e Estado: “O que é de César, devolvei a César, e o que é de Deus, a Deus” (Mc 12, 17).
quarta-feira, 13 de novembro de 2024
SÁBIA HUMANIDADE COMUM
Valério Mesquita*
mesquita.valerio@gmail.com
O ex-deputado, secretário de estado e ex-Conselheiro do Tribunal de Contas do Estado Manoel de Medeiros Brito é dono de um repertório de histórias nascidas do seu “fairplay”, “savoir vivre” e bom humor. São necessários três idiomas para definir a extraordinária espirituosidade de uma vivencia tão rica de situações e fina hilariedade. O saudoso jornalista João Batista Machado que o chamava de “Velho Brito”, alusão ao ex-deputado federal gaúcho, possuía um longo repertório e causos e acontecências colhidos ao longo de sua vida pública. Eis alguns...
01) Certa vez, estava no interior, quando veio o apelo irresistível de uma cachacinha. O seu fiel escudeiro era Raul, motorista. “Raul”, recomenda Brito, com parcimônia, “veja se encontra nesses botecos uma cachaça pelo menos razoável”. Empreendida a busca, volta Raul com a recomendação protocolar: “Dr. Brito, tem umas, mas não são de boa qualidade”. Brito, sediço e aliciador, sentencia: “Seu Raul, ruim é não ter”.
02) Brito é um exímio apreciador da “pinga” nordestina. Degusta o precioso líquido como se fosse um príncipe do semiárido. Como secretário do interior e justiça, Brito gostava de integrar a comitiva oficial às reuniões da Sudene em Recife. E explicava ao jornalista Machadinho: “Eu vou porque lá é tudo muito bom e barato”. Mas nunca perdia o paladar de uma branquinha. Na capital do frevo, encontrava sempre o amigo Raimundo Nonato Borba, chefe da Representação do Rio Grande do Norte junto à Sudene. Como é do seu hábito, arranjou-lhe logo um apelido: Borba Gato. E no trajeto do aeroporto à Sudene, do banco traseiro, Brito avisava: “Borba Gato, não se descuide de parar antes num boteco para eu beber um “rabo de lagartixa”.
03) O Palácio Campo das Princesas, em Recife, era o local refinado das reuniões da Sudene para os convescotes e regabofes do mundo oficial do Nordeste. Num desses eventos gastronômicos, estava presente o então Secretário da Indústria e Comércio do Rio Grande do Norte, Jussier Santos. Conhecido pela sua finesse, foi logo se servindo de champignon e sugerindo a Brito para provar aquela delícia. E esse responde de bate-pronto: “Jussier, eu não como frieira”.
04) Em outro almoço, alguém da comitiva oficial do Rio Grande do Norte provoca Brito, ao avistar apetitosos camarões: “Brito, sinta o cheiro inconfundível”. Este, com aquele olhar jardinense do Seridó, corrige: “In, não. Cheiro confundível!”.
05) Numa conversa descontraída, perguntaram a Brito qual a sua definição sobre o casamento. De bate pronto, fulmina: “uma ilusão gratulatória”. De outra feita, Afonso, um dos seus motoristas da atividade oficial, recebeu dele um apelido que exprimia fielmente o significado de suas proezas de paquerador. Afonso era baixinho, entroncado, mas era querido do mulherio funcional que beirava a menopausa. E Afonso “passava” as gordinhas, mal-amadas, pernetas, num comovente “ofício de caridade”. Sabedor de suas façanhas, Brito desfechou-lhe um apelido definitivo: “Areia de Cemitério”. Come tudo.
06) Certa vez, um colega de governo, foi lhe pedir um conselho. Já se casara duas vezes e estava na iminência da terceira mulher. Brito cofia o bigode e alerta: “Cuidado Totó, você já é reincidente!”.
07) Outro Secretário de Estado estava apaixonado fora do casamento. Num almoço, sapecou-lhe a pergunta: “como está de arrumação?”. Silêncio. Insiste Brito: “Deu no aro?”. Resposta tímida do interlocutor: “Deu”. “Então é separação consumada”, vaticina Brito Velho de Guerra.
(*) Escritor.
terça-feira, 12 de novembro de 2024
O poder da palavra
Padre João Medeiros Filho
Ela é um dos encantadores dons divinos concedidos ao ser humano. Deus não quis prescindir dela. “No princípio era o Palavra. E Ela se fez carne e veio morar entre nós” (Jo 1, 1; 14). Quase toda a revelação divina – exceto alguns gestos de teofania – aconteceu por meio dela. É considerada como uma imensa jazida de pedras preciosas, explorada e burilada, através de milênios. A literatura assemelha-se a uma floresta de inúmeras e ricas espécies. Surpreendem a habilidade e a criatividade dos autores para narrar, poetizar, denunciar, apaziguar, rezar etc. Como não apreciar a poesia de Adélia Prado, quando escreve em Coração disparado: “Creio que o verbo gera e vivifica. O que parece morto, ressuscita. O que se apresenta estático, é dinamizado.” Manuel Bandeira manuseia com maestria os vocábulos: “Assim eu queria o meu último poema: que fosse terno, dizendo as coisas mais simples, ardente como um soluço sem lágrimas, a pureza da chama em que se consomem os diamantes mais límpidos.”
Incomparáveis são as alegorias, parábolas e metáforas de Jesus Cristo, contundentes para despertar nos ouvintes (ou nos leitores de hoje) um novo modo de ser, pensar e agir. E por que não lembrar os eloquentes sermões, com beleza literária, poética e teológica, do Padre Antônio Vieira ou de Dom José Pereira Alves, quando bispo de Natal? Destacam-se ainda os textos musicados e cantados, com uma riqueza incontável de exemplos, expressando júbilo, saudade, dor, vitória, amor, ternura, esperança, suavidade, harmonia... Há que rememorar também os empolgantes discursos que atravessaram séculos e fronteiras. Frases e expressões lapidares marcaram a história de nações. Dentre milhares de exemplos vem à lembrança a riqueza metafórica de “Chão de estrelas”, no cancioneiro popular brasileiro.
Atualmente, ganham espaço as redes sociais. Ali, a cada momento, lança-se uma avalanche ou pletora de frases. Poucas são edificantes. Um sem número mostra-se ofensivo, com inverdades e incitação ao ódio. Quão diferente daquilo que proclama o salmista: “Tua palavra é lâmpada para os meus pés e luz para o meu caminho” (Sl 119/118, 105). A celeridade atual na divulgação das mensagens não possibilita a ponderação como exercício do raciocínio e da prudência na comunicação. Não há tempo suficiente para escutar o outro. As redes tornam-se, pouco a pouco, lugares de discussões inflamadas e desrespeitosas, agressivas e, não raro, cheias de narrativas e mentiras. O que deveria ser para unir, tem efeito de espada, ferindo aqueles que dela se aproximam. “Morte e vida estão no poder da língua; e aquele que sabe usá-la comerá de seus frutos” (Pr 18, 21).
Cabe salientar que o vocábulo está ao alcance de todos nos diferentes diálogos do cotidiano, seja para construir ou destruir. Chama a atenção como muitas crianças aprendem logo a distinguir no rosto de seus pais as expressões carinhosas e as repreensivas. As palavras podem ser utilizadas como armas capazes de desconstruir a dignidade das pessoas. É preciso ter cuidado. “Tal como a chuva e a neve descem do céu e para lá não voltam, assim acontece com a minha palavra que sai da minha boca não voltará para mim vazia” (Is 55, 10-11). Urge encontrar termos serenos e adequados a fim de reconstruir os fios esgarçados do tecido social e da amizade.
A palavra possui uma força indômita e paradoxal. Necessita-se distinguir aquela pronunciada por quem detém responsabilidade política ou religiosa sobre o povo, da descomprometida e usada descontraidamente numa roda de amigos. Hoje mais do que nunca, por conta da instantaneidade com a qual se propaga o que é dito, torna-se necessário perguntar sobre o uso das falas. Quem as escuta ou lê? Quais são as suas consequências? Deve-se ter cautela e não empregar os termos de forma inadequada, insolente e viperina, pois os efeitos deletérios e estragos podem ser incalculáveis. Adverte uma lenda asteca: “Cuidado com o que se fala na guerra da vida. Também morre quem atira muito.” Enfim, convém lembrar os ensinamentos do apóstolo Paulo: “De vossa boca não saia nenhuma expressão maliciosa, mas somente aquelas, capazes de edificar e fazer bem a quem as escuta” (Ef 4, 29).
segunda-feira, 11 de novembro de 2024
PRIVILÉGIO PANDEMIA E PANDEMÔNIO
Valério Mesquita*
Mesquita.valerio@gmail.com
A vida da gente, hoje em dia, chega a doer e a enjoar. Sobrepondo-se à lógica, aí estão os mistérios do mundo. Ele parece apodrecer cotidianamente. E acho essas razões um tanto metafísicas mas, perfeitamente racionais e cabíveis à espécie. Apesar da revolução das ciências, em todos os campos de atividade, há uma angústia indagativa porque tudo piora quando a humanidade progride materialmente. Muito antes, nas esquinas do mundo, a fatalidade das guerras ditadas pela imprudência interrompeu a esperança do ser humano no dia de amanhã. Tudo leva a crer, no crepúsculo dos nossos dias, que a escalada geométrica da dificuldade de se viver no planeta, hoje tão afetado pela superpopulação e a crise da falta de alimentos, remédios, é que ingressamos no corredor escuro do Armagedom.
A vida passa e diante dos nossos olhos segue um desfile barulhento de excessos. Excessos e abusos perturbadores provocados pelo braço do homem. Vejam só, por que surgem na atmosfera (o ar que respiramos) vírus gripais, infecciosos e contagiosos que se multiplicam e se transformam virando pandemia? No processo de mutação ultrapassam a eficácia da vacina e se propagam com surpreendente rapidez, induzindo-nos acreditar que a camada superior da terra e as defesas do corpo humano estão comprometidas por atos insanos do próprio homem. Os continentes, desde os mais industrializados aos mais pobres, desérticos, quentes, superpovoados, até as florestas tropicais em compasso progressivo de extermínio, incluindo os mares revoltos, revelam-me recôndita preocupação com o final dos tempos.
Igual em perigo à pandemia, mora vizinho o pandemônio. O tumulto do trânsito em Natal está trazendo estresse e hospitalizando muita gente. Avaliem as cidades maiores! Semana passada, entre 18h e 19h30, gastei de automóvel mais de trinta minutos do bairro de Lagoa Nova ao Natal Shopping. O número de veículos hoje na capital resgata a “saudade de mim mesmo”, como disse o poeta português. Esse grave fato estatístico não preocupa apenas pelo dano físico de acidentes, mas igualmente, pela nova geração de ansiosos, psicóticos e depressivos. E haja consumo de benzodiazepínicos. Diariamente em Natal, acontecem mais de 20 acidentes com motos. A malha viária não comporta mais o enxame de ônibus, “ligeirinhos” antipáticos e imprudentes, automóveis e utilitários de luxo, que lembram as mansões dos donos do tráfico de drogas.
Todavia, o pandemônio não se encerra aí. O assalto à mão armada não apenas reside ao lado, mas está dentro de casa fazendo reféns. Com armas modernas e de grosso calibre os marginais já são um número maior que o efetivo policial. Segurança no Brasil é uma ilusão congratulatória. Somente os bobos acreditam e agradecem. Ainda iremos assistir, se não planejarem logo uma solução, desfilando nas ruas e bairros as forças armadas do país, envolvendo-se na estratégia de resguardar a cidadania que é vida e que significa tanto quanto a defesa da soberania do país. Igual ou pior do que a invasão do território nacional é o lar ultrajado, violentado e saqueado da família brasileira que, no dizer de Rui Barbosa, “é a pátria amplificada”.
A corrosão cotidiana da busca pelo dinheiro e pelo poder enferruja com rapidez as “glórias e grandezas” de alguns que se julgam donos do mundo, quando pensávamos justos e coerentes. As mutações históricas dos valores da personalidade humana, ao que parece, foram provocadas pela “revolução” dos costumes sociais, principalmente o comodismo, a apatia pelo semelhante, o medo de morrer, as fobias e a falta de religiosidade.
(*) Escritor
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