quarta-feira, 15 de janeiro de 2025
Cartas de Cotovelo – Verão de 2025 – 04
Por: Carlos Roberto de Miranda Gomes
Suspendi o veraneio para poder homenagear o amigo Padre Francisco Motta, da Matriz de São Pedro Apóstolo, nos seus 15 anos de sacerdócio.
A missa do dia 07 de janeiro, como era esperado, foi muito prestigiada pelos seus amigos e paroquianos, tendo ocorrido em seu ritual pleno de agradecimentos e homenagens.
O Padre Motta fez a sua homilia em estado emocional, sobretudo pela presença de sua genitora e outros parentes residentes na cidade de Patos, Estado da Paraíba, onde nasceu o referido sacerdote.
Desse período de ordenação, na Paraíba e em seguida em Pernambuco, passou em Natal os últimos dez anos, onde conquistou a confiança dos fiéis e realizou uma obra digna de restauração da Matriz de São Pedro – hoje uma das mais belas igrejas da cidade.
Seu trabalho não foi somente no aspecto físico, mas nas tarefas religiosas, ampliando em muito o comparecimento dos católicos às suas celebrações e festas comemorativas.
Até o ano de 2019 não o conhecia, mas com o internamento da minha THEREZINHA no Hospital da UNIMED, eis que recebo a visita do Padre Motta, precisamente no dia 16 de março, quando completava 54 anos de matrimônio, recebendo dele as bênçãos na renovação do amor do casal. Desse mês, no dia 31, O Criador levava de volta a minha companheira, que partiu confortada pelo amor da família e dos amigos que prestigiaram o seu velório e sepultamento.
Desse dia em diante aproximei-me do Padre Motta e passei a ser seu colaborador em atividades humanitárias e de resgate da história do bairro onde está inserida a Igreja.
Atualmente, um pouco afastado em virtude das dificuldades de locomoção e de esforço maior para superar as escadarias do templo.
Com fé, o que nunca me faltou, terei oportunidade de melhor colaborar com esse amigo paraibano que Deus colocou em meu caminho.
Cartas de Cotovelo – Verão de 2025 – 03
Por: Carlos Roberto de Miranda Gomes
Com pequeno atraso, volto a fazer as crônicas do nosso veraneio 2025 em Cotovelo, posto que não trouxe o computador para não desviar o aproveitamento do descanso.
No domingo 05, digo da minha alegria em procurar o caminho do mar e, à noite, fui à Missa na Igreja de São Francisco em Pirangi, com Carlinho e Carlos Neto, inteiramente lotada, a ponto de faltarem hóstias para os fiéis, com os pedidos de desculpas do Padre Sidnei.
O Dia dos Santos Reis, como já era esperado, foi rico em comemorações e a praia foi tomada em sua integralidade, num fuzuê daqueles.
Não gosto de ver Cotovelo com tantos frequentadores estranhos, tirando o nosso maior fazer – a privacidade, haja vista que não temos infraestrutura para tanta demanda, com ruas lotadas de veículos e o excesso de lixo, virando uma muvuca.
Em verdade, para nós moradores e veranistas, o fenômeno seria melhor a calmaria dos dias comuns. Contudo, o fenômeno não local, porquanto ocorre em todo o literal dos estados brasileiros.
Para ampliar o desencanto, corre notícia da breve transferência do Padre Sidnei, com o qual a Comunidade mantém estreita ligação, mercê do seu dedicado trabalho na região.
Fiquemos atentos para procurarmos minimizar esses percalços e fazermos voltar a tranquilidade em todos os sentidos, inclusive no religioso.
Cotovelo, pela proximidade, já pode ser considerada bairro de Natal – isso é inevitável. Por isso precisa ganhar uma estrutura de equipamentos públicos compatível. Nesse caminho esperamos que a PROMOVEC esteja alerta e, certamente, deverá tomar as suas cautelas.
A propósito, vem sendo muito badalada a questão da colocação de banheiros públicos em Cotovelo e as pessoas que compuseram a diretoria anterior não cansa de provocar as providências da Entidade.
Seria muito apropriado que fizéssemos um plebiscito com a comunidade, pois se não queremos essa intervenção na praia, temos que ponderar que é desconcertante ver pessoas fazendo necessidades pessoais ao relento. O assunto é sério e carece de verificar as sequelas que a falta de estrutura venha a reduzir a passagem de visitantes e, com isso, o desemprego e dificuldade financeira dos empreendedores locais.
Cartas de Cotovelo – Verão de 2025 – 02
Por: Carlos Roberto de Miranda Gomes
DIA DOS SANTOS REIS
Da tradição religiosa natalense, a data de 6 de janeiro é consagrada aos Santos Reis Magos – as testemunhas do nascimento do Redentor, em homenagem aos quais foi erguido o Forte dos Reis Magos, conservado até os dias presentes.
Foi nessa data, do ano de 1962, que vim da praia da Redinha, onde veraneava, para pedir em casamento a mão da minha amada THEREZINHA, com a promessa de núpcias para igual data do ano de 1963, não se concretizando pelo fato de ter sido o dia escolhido para o Plebiscito e eu, então, trabalhava no Tribunal Regional Eleitoral, ficando remarcado para 16 de março daquele ano, na cidade de Belém, capital do Estado do Pará, para onde foi transferida a família Rosso/Jones Nelson à qual ela pertencia. Após o casamento, pouco tempo depois, retorna para Natal, retomando a estrada profissional e familiar.
Assim sendo, 6 de janeiro sempre ficou marcado em minha vida, quando solidifiquei a minha história amorosa com a amada, iniciada em 1948, ao chegar em Natal, vindo de Macaíba, para morar na casa da rua Meira e Sá, 120, vizinho ao número 118 onde ela já residia.
Esse fato compõe um caminhar duradouro – 1948 – 2019, ou seja, quando cheguei e de pronto olhei em seus olhos, dando início a uma amizade, depois namoro, noivado, casamento até o chamamento do Criador, no dia 31 de março de 2019. Portanto, 71 anos de convivência afetiva, fiel e de cumplicidade.
No correr desse tempo aponto os episódios marcantes: em 1948: começava uma carreira artística precoce, que durou até 1954, sempre acompanhada por ela, com desvelo e coleção de recortes de jornais e preocupação de algum possível desvio de rota. Depois disso a prestação da vida militar no 16º Regimento de Infantaria, concluído nos pruridos de 1960, quando viajei para Recife a fim de estudar e me preparar para o vestibular.
No mesmo ano retornei e continuei a minha vida em busca do futuro, sempre com o seu apoio sem compromisso até 1962, como acima relatei. Nesse ano ingressei nos quadros do Tribunal Regional Eleitoral do Rio Grande do Norte, onde permaneci até 1971, após aprovação nos concursos de Auditor do Tribunal de Contas, que assumi em maio deste último referido e no de Promotor Público auxiliar, que declinei de aceitar.
O casamento em 1963 nos trouxe no início de 1964 várias vitórias – aprovação no vestibular de Direito e o nascimento de Rosa Ligia, os quais ampliaram a minha responsabilidade, obrigando-me a estudar exemplarmente, tanto que logrei, ao concluir, o recebimento da Medalha de Mérito Universitário (UFRN), iniciando uma travessia pela vida profissional, bem sucedida, até a aposentadoria gradual de cada atividade, dedicando-me daí em diante ao labor cultural e acadêmicos, onde ainda me encontro, guardando momentos inesquecíveis da companhia da minha eterna namorada.
Aqui mais um registro da minha passagem por esta dimensão da existência e das alegrias vividas com a companheira inseparável, até que Deus a chamou para outra missão em sua Casa.
Reminiscências dos tempos na Bélgica
Padre João Medeiros Filho
A pedido de amigos, volto com mais recordações da minha passagem pela Bélgica. Com dezenove anos, parco tirocínio e preparação incipiente, fui levado do status de brocoió de Jucurutu à condição e responsabilidade de aluno da plurissecular Universidade de Louvain. Isto aconteceu antes da separação linguística, resultando em duas instituições de ensino superior: Université Catholique de Louvain-la-Neuve, em Ottignies e Katholieke Universiteit te Leuven, ambas localizadas a cerca de trinta quilômetros de Bruxelas. Hoje, em minhas lembranças, “sinto uma coceira no juízo”, na expressão de Oswaldo Lamartine. “Sua cabeça é uma mistura sem cura”, dizia mamãe ao bispo de Caicó a meu respeito. Ela, terna e perspicaz, Jácome de nascença, unida à família Medeiros pelo casamento. Mulher autêntica e sensível. Não era muito chegada a padres e freiras, mas de um profundo respeito por minha opção religiosa.
Na Bélgica dos anos sessenta, vivi uma verdadeira Babel linguístico-cultural-religiosa. Morava no “Collegium pro América Latina”, onde tive como vizinhos de quarto Michel Quoist e Camilo Torres, totalmente diferentes pelo temperamento, idioma, formação teológica, sociopolítica e orientação espiritual. O primeiro, poeta e místico. O segundo, inquieto, tornando-se posteriormente guerrilheiro colombiano, marcado pelo sofrimento de seu povo. Para ele, “a dor é a maior fonte de amadurecimento.”
Leuven (Louvain) situa-se na província de Brabant, onde se fala flamengo, dialeto neerlandês. Na universidade, optei pelo regime linguístico francês. À época, por orientação da Santa Sé, as aulas de Teologia eram ministradas parcialmente em latim. No seminário, o espanhol era a língua oficial. Eu, o único brasileiro entre noventa internos, oriundos de trinta e cinco nacionalidades, usava português apenas para sentir saudades e rezar. Até os meus pecados eram confessados em francês. Não me responsabilizava pela versão, dizia a Cristo entre sussurros e preces de arrependimento. Estudei em Caicó e Mossoró com padres holandeses. Aprendi frases com toques de irreverência nessa língua frísia. Sabia o suficiente para agradar os flamengos e obter pequenas regalias culinárias. Depois, aprendi o bastante para contar anedotas e fazer rir o saudoso Padre Pio Hensgens, pároco de Morro Branco (Natal).
Conheci muitos latino-americanos, docemente rebeldes e libertários, jovens na faixa dos vinte anos. Não raro, sofriam de paixões recolhidas pelas loiras, suas colegas acadêmicas. Penavam com as investidas tentadoras das “galegas”, atraídas pela tez tropical e os belos “cheveux noirs” dos seminaristas latino-americanos, que se penitenciavam com orações, jejuns e sacrifícios. Rezavam para transformar o calor pecaminoso em afeto fraternal. Com um rendimento intelectual alto, acabei tornando-me ouvinte das dores de amores impossíveis, confidente sem experiência e poder de absolvição sacramental. Fui apenas um interlocutor compassivo, de passagem naquela casa de formação clerical, onde se falava pouco e estudava-se muito.
Fui delineando minha fé num molde singular, aberta a outros costumes, pensares e saberes. Ela lembra um murano florentino, um quebra-cabeça que só eu entendo. Foi configurada pacientemente, a partir de experiências pessoais, meditações, leituras, diálogos e desencantos advindos de etiologias diversas. Confesso que minha fé cristã é passível de revisões e adaptações internas. A rigidez é uma das características dos seres mortos. Num caldeirão de nacionalidades, etnias, hábitos e visões diversas, fui adquirindo o hábito de ouvir e ver o diferente. O discípulo de Cristo necessita ser desarmado, disponível e acolhedor. Nesse aspecto, o Cardeal Cardijn (de quem fui acólito por algum tempo) era meu modelo de abertura, fazendo estremecer, à época, certos áulicos petrificados do catolicismo.
Cultivei a amizade com ateus, agnósticos e fiéis de outros credos. Isso não interferia absolutamente na qualidade dos diálogos mais profundos. “Deus é diversidade, pois é Trindade”, dizia o teólogo Nicolau de Cusa. Aprecio gente sensível e inteligente, caçadora de verdades e atenta à misteriosa e miserável condição humana. Não estou imune a me deparar com oportunistas, radicais, carreiristas e intransigentes. Estes se agarram a narrativas e frases feitas, à moda hedonista ou iconoclasta. Tenho gravadas na memória algumas palavras de Camilo Torres, dentre elas: “Sou uma simples fagulha de Deus e isso é belo. Gosto de todos e de tudo, exceto dos arrogantes, pois estes nos afastam de Cristo – ternura e misericórdia divina.” O apóstolo Paulo recomenda: “Acolhei-vos uns aos outros, como Cristo vos acolheu” (Rm 15, 7).
terça-feira, 7 de janeiro de 2025
Cartas de Cotovelo – Verão de 2025.1
Por: Carlos Roberto de Miranda Gomes
Começamos o novo ano e o veraneio em Cotovelo veio pra valer, uma verdadeira explosão de novos veranistas, estradas congestionadas numa prova de que os órgãos competentes para cuidar do trânsito não evoluíram em nada.
Assistimos, com particular alegria, a posse do novo Presidente da PROMOVEC, o empresário Octávio Lamartine, tendo por companheiros – Pascal Genevo, Teresa Neuma, Antônio Carlos, Eugênio Rangel, e Sátyro Gil e o novo Conselho Fiscal composto por Eliana Lamatina, Fabriciano dos Santos, Rogério Cruz e Andréa Leal.
A infraestrutura gastronômica não acompanhou a demanda e temos dificuldade em encontrar oferta plena de alimentos em dias de pique, aumentando a quantidade de “farofeiros” forçados pelas circunstâncias e sem a atenção necessária com a limpeza da praia.
Os governantes de Parnamirim ainda não tiveram tempo para levantar os problemas da cidade e distritos, o que esperamos ser possível nos primeiros meses de gestão. Contamos com a visita da Prefeita a Cotovelo para discutirmos nossas necessidades, sendo a primeira, em meu entender, a conclusão da ligação da rede de esgotos, posto que até agora só beneficiou os empreendimentos dos mais abastados, relegando os moradores mais antigos, verdadeiros fundadores da Comunidade. Essa é uma questão de saúde pública.
Neste ensejo, quero louvar e agradecer ao novo dirigente da PROMOVEC, Octávio Lamartine pela iniciativa de, às suas custas, recuperar a rampa de acesso à praia da rua Herith Correia, permitindo que os “velhinhos” e deficientes possam, democraticamente, chegar até o mar e desfrutar a natureza.
Vamos reviver um tempo de fraternidade entre todos os associados e repensar alterações necessárias ao sucesso da Entidade.
A Epifania do Senhor
Padre João Medeiros Filho
A solenidade da Epifania do Senhor é celebrada no dia 6 de janeiro. No Brasil, porém, é antecipada para o primeiro domingo do ano. Nela comemora-se a manifestação de Cristo a todas as nações, como luz do mundo! A busca dos Magos é a afirmação desse clarão divino. Dá-se o encontro do Salvador com personagens alheios à tradição bíblica. Eis a primeira lição do Menino. Seu nascimento não veio confirmar privilégios. Nasceu para trazer vida àqueles que desejam a salvação, não importando sua condição socioeconômica, cultural, étnica ou religiosa. Deus não é apenas de alguns, mas de todos. Cristo ensina-nos na manjedoura que Ele não deseja o poder terreno. Veio pobre e indefeso, como uma criança, para não amedrontar. Em torno dele, unem-se os povos, vindos de longe, enquanto os que estavam por perto O ignoraram. Muitos buscam Cristo de modo diferente. Os Magos procuraram-No para O adorar, porém Herodes pretendia matá-Lo. Enquanto uns proclamam Jesus: “Luz do mundo” (Jo 8, 12), outros desejam execrá-Lo, porque a claridade desnuda o erro, a injustiça e o pecado.
Os Magos simbolizam os sedentos da Palavra divina e Herodes representa o Mal. Eles são imagem de nossa trajetória humana. Para descobrir Cristo, às vezes, temos de caminhar nas trevas, por terras desconhecidas e desertas. Uma estrela os conduziu até a cidade de Belém. De igual modo, existe para nós a chama da fé que nos conduz ao local onde encontraremos o Salvador. Infelizmente, há os que ficam cegos com sua própria luz. Têm medo de aceitar Jesus, por isso procuram destrui-Lo. É uma tentação constante da humanidade: querer eliminar quem incomoda. Cristo sequer começara a sua pregação, mas sua presença já importunava.
Para proclamar o nascimento do Salvador, devemos fazer o caminho inverso dos poderosos e nos desviar da rota da cobiça e do orgulho. Só Deus enche de paz o coração do homem. Nem mesmo a riqueza, o poder e a glória nos aquietam. Belchior, Baltazar e Gaspar fazem-nos compreender que os considerados excluídos são os primeiros a sentir a graça divina. Jesus nasceu para todos e mostra-nos que a misericórdia do Onipotente pelos homens não discrimina. “Deus não faz acepção de pessoas”, assevera-nos o apóstolo Paulo (Rm 2, 11). A realidade divina tornou-se acessível aos mortais. O Verbo não veio apenas ao mundo, também se encarnou para que sentíssemos o seu Amor por nós. Vivemos numa sociedade egoísta, na qual as pessoas cada vez mais se fecham, numa atitude de insensibilidade ou medo. Apesar de sua grandeza, o Filho de Deus fez-se humilde e pequeno para não atemorizar. Mesmo os desconhecidos foram recebidos com ternura e respeito.
Hoje, Ele se revela a nós, não como aos pastores e Magos, mas no pobre dormindo ao relento nas ruas, nos idosos abandonados por familiares ou pela sociedade, no doente num leito de hospital sem atendimento adequado, carentes, injustiçados etc. Ensina-nos a amá-Lo, sentindo-O no próximo. A presença de Cristo é fruto de busca incessante. Ele deseja se revelar a cada um de nós. Porém, precisamos perseverar e procurá-Lo até nas trevas. Jesus é o Irmão de todos. Nasceu tanto para o seu povo, como para os estrangeiros vindos do Oriente, cuja religião era outra. É relevante o relato de Mateus a respeito da indagação palaciana sobre o local do nascimento do Menino. O evangelista narra a ignorância de Herodes, ícone dos prepotentes da época. “Onde está o Rei dos Judeus, que acaba de nascer?” (Mt 2, 2). Por vezes, a nossa alienação é idêntica. Cristo está próximo de nós e não O reconhecemos; ao nosso lado e não O percebemos. Falta-nos o desejo de busca e descoberta do Divino. Os Magos não mediram esforços. Viajaram por terras estranhas, enfrentando adversidades, mas foram recompensados pela alegria de encontrar o Menino Deus. Em sinal de gratidão, ofertaram o que tinham de melhor, segundo as suas tradições. Vale lembrar a exortação do profeta Isaías: “Levanta-te, ilumina-te, porque chegou a tua luz, e a glória do Senhor raiou sobre ti” (Is 60, 1).
quinta-feira, 2 de janeiro de 2025
O despontar de um Novo Ano
Padre João Medeiros Filho
O tempo é um enorme desafio que envolve a vida. Não é mera sucessão de dias e anos, revelando a impotência humana para detê-lo. Apesar dos avanços tecnológicos, não se consegue pará-lo. A sua fugacidade não se explica apenas por conceitos cronológicos. Somente a humildade pode evitar que ele se torne uma espada, apontando diariamente para cada um a lâmina da verdade. A simplicidade faz aceitar os enganos das escolhas e desmascara as farsas que trapaceiam até inteligências aguçadas. O tempo passa inexoravelmente. Ninguém o prende e tem-se a impressão de que atualmente é mais veloz. Há avalanches de possibilidades, propostas e necessidades criadas – muitas desprovidas de interioridade – invadindo o âmago do ser humano. Místicos e filósofos ensinam que a temporalidade é uma questão interior. Ao se focar tudo na exterioridade, não só o tempo parece passar mais rápido, mas também se esvairá à revelia. Sem espiritualidade, tende-se a adotar um modo egoísta de existência, destituída do inarredável compromisso com o próximo e lúcida exigência para o convívio social.
O desejo de um Ano Novo feliz requer algo mais. Pede o cultivo da sensibilidade interpessoal e outro estilo de sociedade. Eis o que afirma o Onipotente ao profeta Isaías: “Por amor de Sião não me calarei, por amor de Jerusalém não descansarei, enquanto não raiar como um clarão a justiça, e a sua salvação não brilhar como uma tocha” (Is 62, 1). É o novo para aquele hagiógrafo! Deste modo, desenha-se o caminho, trazendo-o para perto dos homens. Isto acontecerá, mesmo na contramão de interesses egoístas, ideológicos e partidários, por vezes mesquinhos, desumanos, deletérios e alienantes. “A luz e o canto anunciaram a alegria da nova vida, o sorriso encantador da esperança e a certeza inefável da vitória. E tudo isto é, a um só tempo, tão simples e frágil, grandioso e resplandecente” (Liturgia natalina).
Para que haja realmente um Ano Novo, é preciso reduzir a ansiedade, a violência, a mentira, as narrativas, o pessimismo, a polarização e o ódio. Convém regar de esperança e ternura os sentimentos mais profundos. Evitar mirar-se nos outros. A inveja mina a autoestima, fomentando o ressentimento e abrindo dentro do coração um fosso no qual se precipita o próprio invejoso. É o panorama presente na política do Brasil de hoje, marcada da avidez de poder e dominação! Em 2025, haja empenho para acreditar em si mesmo, despertando criatividade para superar crises e dificuldades. Abraçar a virtude teológica da esperança – temática do Ano Santo de 2025 para os cristãos – a fim de vencer os contratempos, acreditando que no íntimo de cada um encontra-se Deus: força maior do amor e da transformação. Para que o Ano seja realmente Novo, é necessário cuidar das palavras. Não se pronunciem difamações e injúrias, nem se espalhem mentiras nas redes sociais. O ódio destrói primeiramente quem o carrega na alma e não apenas o odiado. Troque-se a maledicência pela benevolência. Lembrar-se da importância de alguns elogios por dia, em vez de críticas e condenações.
Para haver Ano Novo não se deve desperdiçar o tempo da vida, ser hipnotizado pelo celular. Não se recomenda navegar irresponsavelmente pela internet, naufragando no turbilhão de imagens e informações, nem sempre absorvidas. Urge não deixar que a sedução da mídia anule a capacidade de discernir, tornando o ser humano autômato e consumidor compulsivo. É necessário centrar a existência em valores permanentes, jamais efêmeros. Neste mundo ruidoso é preciso buscar o silêncio. Neste poder-se-á encontrar Deus. Isso será verdadeiramente um Ano Novo.
Importa cuidar da saúde com equilíbrio e sensatez, sem a escravidão a modismos. Aceitar as rugas e cabelos brancos sem temer as marcas do tempo. Não esquecer que a idade pode ser sinal de sabedoria. Não dar importância ao transitório, nem confundir o urgente com o prioritário. Afastar pensamentos preconceituosos e sentimentos excludentes. A vida é bela e breve! O Transcendente deve inundar o cotidiano e habitar a subjetividade. Aprender a fechar os olhos para ver melhor. E no decorrer de 2025, “Deus nos abençoe e guarde, volte para nós a sua face e nos dê a sua paz” (Nm 6, 24-26).
MENSAGEM PARA O ANO NOVO DE 2025
Padre João Medeiros Filho
É lugar comum desejar um feliz e próspero ano novo! Mas, não raro, isto soa como uma expressão formal e rotineira, fruto de etiquetas e boas maneiras. O augúrio de paz deve brotar da sinceridade de nosso coração, arraigado na esperança de todos para levar à frente a construção de uma sociedade, onde reinem o respeito e a fraternidade, descartado o ódio e fortalecidas as formas de dignidade humana. Isto deve ser a razão de nossa alegria e efusão de nossos sentimentos, na beleza do alvorecer do ano que chega.
Paz! Eis o grande dom que devemos aspirar para nossas vidas. Queira Deus, recebamos, em todos os dias de 2025, a bênção bíblica: “O Senhor te abençoe e te guarde. Faça resplandecer a sua face sobre ti, e tenha misericórdia de ti. O Senhor levante sobre ti o seu rosto, e te dê a sua Paz” (Nm 6, 24-26).
Ao despontar de mais um ano, rezemos para que o “fruto bendito do ventre de Maria” seja reconhecido e amado. A Palavra por Ela gerada seja escutada e vivida. O amor por Ele pregado seja compreendido e transmitido. O perdão trazido aos homens pela prodigalidade divina seja repartido e imitado. A doçura, a clemência e a misericórdia do Eterno, presentes no Evangelho de Cristo, substituam a insensibilidade, o egoísmo e a polarização reinante no Brasil hodierno. Assim, haveremos de sentir que teremos um ano de graça e paz, que vêm do Salvador do Mundo. Rezemos ao iniciar mais um ano a prece do “Poverello de Assis”: “Senhor, fazei de mim um instrumento de Vossa Paz, onde houver ódio que eu leve o Amor!”
Sigamos também as recomendações do apóstolo Paulo: “... Façam orações por todos os que exercem autoridade, para que tenhamos paz, justiça e dignidade” (1Tm 2, 1-2). Um ano pródigo de bênçãos, graças, saúde, harmonia, trabalho, fraternidade e bom inverno! Desejam-lhes Padre João Medeiros Filho, sua irmã Maria Luiza e demais familiares.
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