quarta-feira, 15 de janeiro de 2025

Cartas de Cotovelo – Verão de 2025 – 04 Por: Carlos Roberto de Miranda Gomes
Suspendi o veraneio para poder homenagear o amigo Padre Francisco Motta, da Matriz de São Pedro Apóstolo, nos seus 15 anos de sacerdócio. A missa do dia 07 de janeiro, como era esperado, foi muito prestigiada pelos seus amigos e paroquianos, tendo ocorrido em seu ritual pleno de agradecimentos e homenagens. O Padre Motta fez a sua homilia em estado emocional, sobretudo pela presença de sua genitora e outros parentes residentes na cidade de Patos, Estado da Paraíba, onde nasceu o referido sacerdote. Desse período de ordenação, na Paraíba e em seguida em Pernambuco, passou em Natal os últimos dez anos, onde conquistou a confiança dos fiéis e realizou uma obra digna de restauração da Matriz de São Pedro – hoje uma das mais belas igrejas da cidade. Seu trabalho não foi somente no aspecto físico, mas nas tarefas religiosas, ampliando em muito o comparecimento dos católicos às suas celebrações e festas comemorativas. Até o ano de 2019 não o conhecia, mas com o internamento da minha THEREZINHA no Hospital da UNIMED, eis que recebo a visita do Padre Motta, precisamente no dia 16 de março, quando completava 54 anos de matrimônio, recebendo dele as bênçãos na renovação do amor do casal. Desse mês, no dia 31, O Criador levava de volta a minha companheira, que partiu confortada pelo amor da família e dos amigos que prestigiaram o seu velório e sepultamento. Desse dia em diante aproximei-me do Padre Motta e passei a ser seu colaborador em atividades humanitárias e de resgate da história do bairro onde está inserida a Igreja. Atualmente, um pouco afastado em virtude das dificuldades de locomoção e de esforço maior para superar as escadarias do templo. Com fé, o que nunca me faltou, terei oportunidade de melhor colaborar com esse amigo paraibano que Deus colocou em meu caminho.
Cartas de Cotovelo – Verão de 2025 – 03 Por: Carlos Roberto de Miranda Gomes
Com pequeno atraso, volto a fazer as crônicas do nosso veraneio 2025 em Cotovelo, posto que não trouxe o computador para não desviar o aproveitamento do descanso. No domingo 05, digo da minha alegria em procurar o caminho do mar e, à noite, fui à Missa na Igreja de São Francisco em Pirangi, com Carlinho e Carlos Neto, inteiramente lotada, a ponto de faltarem hóstias para os fiéis, com os pedidos de desculpas do Padre Sidnei. O Dia dos Santos Reis, como já era esperado, foi rico em comemorações e a praia foi tomada em sua integralidade, num fuzuê daqueles. Não gosto de ver Cotovelo com tantos frequentadores estranhos, tirando o nosso maior fazer – a privacidade, haja vista que não temos infraestrutura para tanta demanda, com ruas lotadas de veículos e o excesso de lixo, virando uma muvuca. Em verdade, para nós moradores e veranistas, o fenômeno seria melhor a calmaria dos dias comuns. Contudo, o fenômeno não local, porquanto ocorre em todo o literal dos estados brasileiros. Para ampliar o desencanto, corre notícia da breve transferência do Padre Sidnei, com o qual a Comunidade mantém estreita ligação, mercê do seu dedicado trabalho na região. Fiquemos atentos para procurarmos minimizar esses percalços e fazermos voltar a tranquilidade em todos os sentidos, inclusive no religioso. Cotovelo, pela proximidade, já pode ser considerada bairro de Natal – isso é inevitável. Por isso precisa ganhar uma estrutura de equipamentos públicos compatível. Nesse caminho esperamos que a PROMOVEC esteja alerta e, certamente, deverá tomar as suas cautelas. A propósito, vem sendo muito badalada a questão da colocação de banheiros públicos em Cotovelo e as pessoas que compuseram a diretoria anterior não cansa de provocar as providências da Entidade. Seria muito apropriado que fizéssemos um plebiscito com a comunidade, pois se não queremos essa intervenção na praia, temos que ponderar que é desconcertante ver pessoas fazendo necessidades pessoais ao relento. O assunto é sério e carece de verificar as sequelas que a falta de estrutura venha a reduzir a passagem de visitantes e, com isso, o desemprego e dificuldade financeira dos empreendedores locais.
Cartas de Cotovelo – Verão de 2025 – 02 Por: Carlos Roberto de Miranda Gomes
DIA DOS SANTOS REIS Da tradição religiosa natalense, a data de 6 de janeiro é consagrada aos Santos Reis Magos – as testemunhas do nascimento do Redentor, em homenagem aos quais foi erguido o Forte dos Reis Magos, conservado até os dias presentes. Foi nessa data, do ano de 1962, que vim da praia da Redinha, onde veraneava, para pedir em casamento a mão da minha amada THEREZINHA, com a promessa de núpcias para igual data do ano de 1963, não se concretizando pelo fato de ter sido o dia escolhido para o Plebiscito e eu, então, trabalhava no Tribunal Regional Eleitoral, ficando remarcado para 16 de março daquele ano, na cidade de Belém, capital do Estado do Pará, para onde foi transferida a família Rosso/Jones Nelson à qual ela pertencia. Após o casamento, pouco tempo depois, retorna para Natal, retomando a estrada profissional e familiar. Assim sendo, 6 de janeiro sempre ficou marcado em minha vida, quando solidifiquei a minha história amorosa com a amada, iniciada em 1948, ao chegar em Natal, vindo de Macaíba, para morar na casa da rua Meira e Sá, 120, vizinho ao número 118 onde ela já residia. Esse fato compõe um caminhar duradouro – 1948 – 2019, ou seja, quando cheguei e de pronto olhei em seus olhos, dando início a uma amizade, depois namoro, noivado, casamento até o chamamento do Criador, no dia 31 de março de 2019. Portanto, 71 anos de convivência afetiva, fiel e de cumplicidade. No correr desse tempo aponto os episódios marcantes: em 1948: começava uma carreira artística precoce, que durou até 1954, sempre acompanhada por ela, com desvelo e coleção de recortes de jornais e preocupação de algum possível desvio de rota. Depois disso a prestação da vida militar no 16º Regimento de Infantaria, concluído nos pruridos de 1960, quando viajei para Recife a fim de estudar e me preparar para o vestibular. No mesmo ano retornei e continuei a minha vida em busca do futuro, sempre com o seu apoio sem compromisso até 1962, como acima relatei. Nesse ano ingressei nos quadros do Tribunal Regional Eleitoral do Rio Grande do Norte, onde permaneci até 1971, após aprovação nos concursos de Auditor do Tribunal de Contas, que assumi em maio deste último referido e no de Promotor Público auxiliar, que declinei de aceitar. O casamento em 1963 nos trouxe no início de 1964 várias vitórias – aprovação no vestibular de Direito e o nascimento de Rosa Ligia, os quais ampliaram a minha responsabilidade, obrigando-me a estudar exemplarmente, tanto que logrei, ao concluir, o recebimento da Medalha de Mérito Universitário (UFRN), iniciando uma travessia pela vida profissional, bem sucedida, até a aposentadoria gradual de cada atividade, dedicando-me daí em diante ao labor cultural e acadêmicos, onde ainda me encontro, guardando momentos inesquecíveis da companhia da minha eterna namorada. Aqui mais um registro da minha passagem por esta dimensão da existência e das alegrias vividas com a companheira inseparável, até que Deus a chamou para outra missão em sua Casa.
Reminiscências dos tempos na Bélgica Padre João Medeiros Filho A pedido de amigos, volto com mais recordações da minha passagem pela Bélgica. Com dezenove anos, parco tirocínio e preparação incipiente, fui levado do status de brocoió de Jucurutu à condição e responsabilidade de aluno da plurissecular Universidade de Louvain. Isto aconteceu antes da separação linguística, resultando em duas instituições de ensino superior: Université Catholique de Louvain-la-Neuve, em Ottignies e Katholieke Universiteit te Leuven, ambas localizadas a cerca de trinta quilômetros de Bruxelas. Hoje, em minhas lembranças, “sinto uma coceira no juízo”, na expressão de Oswaldo Lamartine. “Sua cabeça é uma mistura sem cura”, dizia mamãe ao bispo de Caicó a meu respeito. Ela, terna e perspicaz, Jácome de nascença, unida à família Medeiros pelo casamento. Mulher autêntica e sensível. Não era muito chegada a padres e freiras, mas de um profundo respeito por minha opção religiosa. Na Bélgica dos anos sessenta, vivi uma verdadeira Babel linguístico-cultural-religiosa. Morava no “Collegium pro América Latina”, onde tive como vizinhos de quarto Michel Quoist e Camilo Torres, totalmente diferentes pelo temperamento, idioma, formação teológica, sociopolítica e orientação espiritual. O primeiro, poeta e místico. O segundo, inquieto, tornando-se posteriormente guerrilheiro colombiano, marcado pelo sofrimento de seu povo. Para ele, “a dor é a maior fonte de amadurecimento.” Leuven (Louvain) situa-se na província de Brabant, onde se fala flamengo, dialeto neerlandês. Na universidade, optei pelo regime linguístico francês. À época, por orientação da Santa Sé, as aulas de Teologia eram ministradas parcialmente em latim. No seminário, o espanhol era a língua oficial. Eu, o único brasileiro entre noventa internos, oriundos de trinta e cinco nacionalidades, usava português apenas para sentir saudades e rezar. Até os meus pecados eram confessados em francês. Não me responsabilizava pela versão, dizia a Cristo entre sussurros e preces de arrependimento. Estudei em Caicó e Mossoró com padres holandeses. Aprendi frases com toques de irreverência nessa língua frísia. Sabia o suficiente para agradar os flamengos e obter pequenas regalias culinárias. Depois, aprendi o bastante para contar anedotas e fazer rir o saudoso Padre Pio Hensgens, pároco de Morro Branco (Natal). Conheci muitos latino-americanos, docemente rebeldes e libertários, jovens na faixa dos vinte anos. Não raro, sofriam de paixões recolhidas pelas loiras, suas colegas acadêmicas. Penavam com as investidas tentadoras das “galegas”, atraídas pela tez tropical e os belos “cheveux noirs” dos seminaristas latino-americanos, que se penitenciavam com orações, jejuns e sacrifícios. Rezavam para transformar o calor pecaminoso em afeto fraternal. Com um rendimento intelectual alto, acabei tornando-me ouvinte das dores de amores impossíveis, confidente sem experiência e poder de absolvição sacramental. Fui apenas um interlocutor compassivo, de passagem naquela casa de formação clerical, onde se falava pouco e estudava-se muito. Fui delineando minha fé num molde singular, aberta a outros costumes, pensares e saberes. Ela lembra um murano florentino, um quebra-cabeça que só eu entendo. Foi configurada pacientemente, a partir de experiências pessoais, meditações, leituras, diálogos e desencantos advindos de etiologias diversas. Confesso que minha fé cristã é passível de revisões e adaptações internas. A rigidez é uma das características dos seres mortos. Num caldeirão de nacionalidades, etnias, hábitos e visões diversas, fui adquirindo o hábito de ouvir e ver o diferente. O discípulo de Cristo necessita ser desarmado, disponível e acolhedor. Nesse aspecto, o Cardeal Cardijn (de quem fui acólito por algum tempo) era meu modelo de abertura, fazendo estremecer, à época, certos áulicos petrificados do catolicismo. Cultivei a amizade com ateus, agnósticos e fiéis de outros credos. Isso não interferia absolutamente na qualidade dos diálogos mais profundos. “Deus é diversidade, pois é Trindade”, dizia o teólogo Nicolau de Cusa. Aprecio gente sensível e inteligente, caçadora de verdades e atenta à misteriosa e miserável condição humana. Não estou imune a me deparar com oportunistas, radicais, carreiristas e intransigentes. Estes se agarram a narrativas e frases feitas, à moda hedonista ou iconoclasta. Tenho gravadas na memória algumas palavras de Camilo Torres, dentre elas: “Sou uma simples fagulha de Deus e isso é belo. Gosto de todos e de tudo, exceto dos arrogantes, pois estes nos afastam de Cristo – ternura e misericórdia divina.” O apóstolo Paulo recomenda: “Acolhei-vos uns aos outros, como Cristo vos acolheu” (Rm 15, 7).