terça-feira, 24 de dezembro de 2024

O Natal do Filho de Deus Padre João Medeiros Filho No clarão das luzes que brilham na escuridão, sentimo-nos envolvidos pela presença de Deus que nos ilumina. A cada ano, na Missa do Natal, vivenciamos a profecia de Isaías: “O povo viu uma grande luz; para os que habitavam as sombras da morte uma luz resplandeceu” (Is 9, 1). No Natal celebra-se o encontro entre o céu e as criaturas. O que é do Alto une-se ao terreno. O Messias veio para reconciliar em si todas as coisas. O nascimento do Salvador é motivo de júbilo para o povo que crê, segundo a prece de gratidão de Isaías: “Multiplicaste a alegria do teu povo, redobraste sua felicidade” (Is 9, 2). O Natal é festa da libertação, pois “a canga que lhes pesava ao pescoço, a vara que lhes batia nos ombros, o chicote dos capatazes, tudo quebraste como naquele dia de Madiã” (Is 9,3). É a vitória sobre o mal, a injustiça, a arrogância, a arbitrariedade, a violência e a guerra. Presentes foram comprados, de acordo com as posses de cada um. Pacotes fechados adornam a árvore de Natal. É surpresa. Só podem ser abertos na Noite Santa! As crianças ficam ansiosas e felizes. Pais e avós se emocionam ao ver a alegria ingênua dos pequenos. A cidade é toda enfeitada. Brilham milhões de luzes coloridas. Parecem dias de um sonho encantador, que contagia a todos. Afloram sentimentos bons no coração daqueles que têm fé e dos que não creem. Todos são tocados pela bondade nestes dias. Trocam mensagens de paz e boas festas, braços abertos, prontos para o encontro! E a ceia natalina com fartura de alimentos, que só costuma aparecer na mesa nesta noite e alguns nem sequer sabem por que? O Natal é bonito. Difícil encontrar quem não goste. Mas, é só isso mesmo? Passa depressa. O que se comemora realmente nesse dia? Por que fazemos festa? Estamos pouco a pouco esquecendo que os cristãos celebram o nascimento de Jesus Cristo, o Filho de Deus, que está na origem do cristianismo. Foi há mais de dois mil anos, lá na Judéia, no tempo em que o Império Romano dominava aqueles povos. E, por ser quem Ele é, não se festeja simplesmente o seu aniversário, mas comemora-se o evento mais importante da história da humanidade. E por que? O nascimento de Jesus é uma graça divina para todos – fiéis ou os ainda incrédulos – pois os anjos cantaram aos pastores: “Glória a Deus nas alturas e paz na terra aos homens por Ele amados.” O Natal é festa que emociona os que têm o dom da fé ou a sensibilidade de um coração verdadeiramente humano. Quem não se comove ao ouvir as narrativas bíblicas do nascimento de um Deus que se fez homem? Em textos diferentes, nos encantamos com a narração rica em nuances de Lucas ou plena de símbolos em Mateus e o enunciado magistral de João. Quem não se vê naturalmente impulsionado à oração, diante de um presépio, ao contemplar o Deus-Menino reclinado numa manjedoura, sob o olhar extasiado de Maria e José a admirar a criança? Quem não se deixa enternecer ao sentir o silêncio da noite mais bela, interrompido apenas pelos acordes angelicais, suaves como as canções de ninar? Tudo é paz! Acolhamos o Príncipe da Paz, que é Jesus Cristo. Quem não percebe, no segredo da encarnação do Verbo, um hino celestial à vida humana, a qual até mesmo Deus quis assumir, para dar aos homens a vida em plenitude? (cf. Jo 10,10). Qual incrédulo, que tendo um coração sincero e um espírito desarmado, não conseguiria crer, ao ouvir, na liturgia natalina, a proclamação do amor de Deus que, sendo ilimitado na Sua grandeza, tornou-se pequeno para entrar nas estreitezas humanas, só por amor? Talvez tenha sido este o sentimento que mais emocionava a minha alma de jovem, quando ouvia, nas noites frias e nevadas, na Abadia de Mont César, na Bélgica, o coro cantando em gregoriano, referindo-se à Mãe do Salvador: “Quia quem coeli capere non poterant, tuo gremio contulisti” (Aquele que os céus não podem conter, o teu seio abrigou). “Hoje, nasceu para nós o Salvador” (Lc 2,11).
Cartas de Cotovelo – Verão de 2024/2025 Por: Carlos Roberto de Miranda Gomes Estamos no final do derradeiro mês de 2024, já vislumbrando os primeiros pruridos do ano novo, em pleno começo do verão, onde retornamos a Cotovelo para a paz interior que essa maravilhosa praia oferece. Minha índole amorosa pela Comunidade, ultimamente, foi arranhada por uma série de interpretações equivocadas do nosso Estatuto, que tive o privilégio de modernizar em duas oportunidades, conhecendo, assim, a gênese e o espírito da sua elaboração. Como fiel soldado, recuei da refrega e assisti atônito a solução encontrada para os problemas surgidos. Aqui não vou retaliar ninguém. Contudo, quando se fixar a nova Diretoria, pedirei a oportunidade de um encontro para a discussão e esclarecimento dos seus capítulos e versículos, para um ajuste final que permita a permanência da paz e da harmonia nos momentos de mudança de controle para a nossa PROMOVEC, entidade de extraordinário valor, pioneira em iniciativas fundamentais para o crescimento da Comunidade, como retratei em livro que publiquei “PROMOVEC – uma bela história”, contando a saga dos seus fundadores, todos fieis trabalhadores pela expansão da associação e pela solidariedade entre os seus membros. Perambulando pelas cercanias do lugar, constatei crescimento e melhoramentos, alguns um tanto desordenados, gerando dificuldades para o silêncio necessário ao recanto do distrito e sua mobilidade, haja vista que o crescimento não está proporcional aos equipamentos urbanos de sustentabilidade funcional da Comunidade. Nunca fui retrógrado no veto aos novos empreendimentos que estão sendo erguidos, com certa velocidade, mas deploro que se iniciem melhoramentos em detrimento da conclusão de outros, necessários, que ficam a mercê do seu próprio destino. Há que se convocar, com veemência, o Poder Público para pôr regramentos mais rigorosos para a mantença da convivência sadia e harmoniosa dos habitantes – exemplos que apontarei numa eventual reunião, com a presença de representantes do Poder Público. Quanto à natureza, a praia continua linda, saudável e convidativa para o restauro físico e psicológico dos seus frequentadores, desde que brecadas as tentativas de proliferação de barraqueiros fora do seu habitat designado e com fiscalização permanente para evitar abusos durante, principalmente, o veraneio, período mais atrativo para os veranistas e visitantes e, também, para os especuladores em busca da exploração comercial. Como está a obra mais fundamental da Comunidade – o esgotamento sanitário? Dizem que alguns aproveitam a falta de fiscalização e clandestinamente se utilizam das obras já concluídas, mas sem a autorização necessária, a não ser que esteja acontecendo discriminação em favor de certos empreendedores. Somos um todo. Como tal devemos ser tratados e, por isso, o esforço para os novos dirigentes da PROMOVEC deve ser direcionado para esse princípio, movendo céu e terra para conseguir o seu triunfo. Ninguém deve se omitir nessa missão! Para o sucesso esperado, temos que fazer uma campanha forte de aumentar o número de associados e de reuniões mais constantes, recebendo os conselhos e opiniões que dinamizem a otimização ansiada por todos, podando as asas dos que ainda não aprenderam a respeitar a vontade coletiva e tomam os seus espaços particulares como verdadeiras autarquias, divorciados do restante dos seus concidadãos.

segunda-feira, 23 de dezembro de 2024

A BÍBLIA, SEMPRE A BÍBLIA Valério Mesquita* Mesquita.valerio@gmail.com “Deus escolheu as coisas loucas deste mundo para confundir os sábios, as coisas fracas para confundir os fortes. Escolheu as coisas vis deste mundo e as desprezíveis e as que não são, a fim de que nenhuma carne se glorie perante Ele”. Paulo em I Coríntios, 1 - 27 a 29. Porisso que, na vida, nada é constante. Tudo tem prazo de validade. Ainda Paulo, em II Coríntios, 12 – 8 a 11, após sofrer perseguição, açoites, apedrejamento, fadigas, falsos amigos, escárnio e até um mensageiro de Satanás o esbofeteou para testá-lo, e aí chegou “a orar ao Senhor para pedir três vezes a se desviar dele”, ante tanta provação. E o que disse o Senhor: “A minha graça te basta, porque o meu poder se aperfeiçoa na fraqueza”. Paulo entendeu dizendo: “De boa vontade, deverei me gloriar nas fraquezas para que em mim habite o poder de Cristo”. Impressionante esse ensinamento para os nossos dias. E o apóstolo foi além: “Por isso sinto prazer nas fraquezas, nas injúrias, nas necessidades, nas perseguições, nas angústias, por amor de Cristo. Porque quando estou fraco, então sou forte”. Para mais um aprendizado, vale a pena ler novamente Paulo em I Coríntios 13, versículo 2, em diante, falando sobre o amor: “Ainda que tivesse o dom de profecia e conhecesse todos os mistérios e toda a ciência, tivesse toda a fé de maneira tal que transportasse os montes e não tivesse amor, nada seria. E ainda que distribuísse toda a minha fortuna para sustento dos pobres e não tivesse amor, nada disso me aproveitaria. O amor é sofredor, é benigno; o amor é invejoso, o amor não trata com leviandade, não se ensoberbece. Não se porta com indecência, não busca os seus interesses, não se irrita, não suspeita mal. Não folga com a injustiça mas sim com a verdade. Tudo sofre, tudo crê, tudo espera, tudo suporta”. E conclui: “Agora, pois, permanecem a fé, a esperança e o amor. Mas o maior deste é o amor”. Ensino para os ricos e governantes soberbos do Rio Grande do Norte. Na Epístola de Paulo aos Romanos, capítulo 8, versículos 31 e seguintes, ele foi patético e inspiradíssimo: “Se Deus é por nós, quem será contra nós? Porque estou certo de que, nem a morte, nem a vida, nem os anjos, nem os principados, nem as potestades deste mundo, nem o presente, nem o porvir. Nem a altura, nem a profundidade, nem alguma outra criatura nos poderá separar do amor de Deus, que está em Cristo Jesus nosso Senhor”. Para a vida banal de hoje, repleta de iniquidades que tantos nos distancia de Deus, a leitura dos Salmos 25, 40 e 103, nos faz lembrar que somos pó e que é grande a misericórdia de Deus para com aqueles que o temem. O notável profeta Isaías, no Antigo Testamento, no capítulo 55, defende que toda a pessoa deve procurar a sua salvação. No versículo 6, aconselha: “Buscai ao Senhor enquanto se pode achar, invocai-o enquanto está perto”. E sustenta que “os pensamentos e os caminhos dos homens não são os mesmos do Senhor porque os céus são altos e a terra não...”. O magnífico apóstolo João, no capítulo 8, do seu Evangelho, ouviu Jesus proclamar aos judeus: “Conhecereis a verdade e a verdade vos libertará”. “Eu sou a luz do mundo; quem me segue não andará nas trevas; mas terá a luz da vida”. Lá no Apocalipse, sublinhei na minha Bíblia, já tão gasta, repleta de rabiscos, a beleza da palavra do Senhor, no capítulo 3, verso 20: “Eis que estou à porta, e bato; se alguém ouvir a minha voz e abrir a porta, entrarei em sua casa, e com ele cearei, e ele comigo”. Neste Natal quando se celebra o nascimento do Nosso Senhor Jesus Cristo, enfatizei essas poucas e seletivas palavras inspiradas pelo Espírito Santo apenas para lembrar ao leitor que leia e pratique a Bíblia. Que não somente o faça no leito de um hospital. Plante o seu jardim e você mesmo o decore com o seu espírito em vez de esperar que outros, um dia, lhe tragam flores. E nada mais. Aos meus leitores e amigos, desejo a todos boas festas e feliz ano novo. (*) Escritor.

quarta-feira, 18 de dezembro de 2024

A Virgem Santíssima e os poetas Padre João Medeiros Filho Nossa Senhora está entre as figuras primordiais do Advento, agraciada com inúmeros oragos ou títulos teológicos e poéticos, dentre eles, Mãe de Deus e Mãe dos homens. Eles se constituem em fonte inesgotável de poesia. Na história da humanidade, nenhuma criatura teve o privilégio de escolher sua própria mãe. Apenas Cristo pôde fazê-lo, pois, desde a eternidade, Ela estava nos planos divinos. Nestes refulgia com intensidade a vinda do Redentor, que nasceria de uma mulher, isenta do pecado. À Virgem atribuem-se as palavras do Livro da Sabedoria: “Ela é o reflexo da luz eterna, mais bela que o sol, espelho sem mancha do poder de Deus e imagem de sua bondade” (Sb 7, 25-27). Os poetas costumam louvá-la em versos inspirados nos escritos bíblicos ou na devoção popular, enaltecendo os dons singulares com os quais Deus a dotou. A Liturgia das Horas a exalta diariamente com hinos poéticos e teológicos. A literatura universal é rica em poemas e odes à Mãe Celestial. Padre Anchieta, prisioneiro dos índios tamoios, escreveu em latim, nas areias da Praia de Peruíbe (SP), o Poema à Virgem, com mais de dois mil dísticos. Foi traduzido para o nosso idioma e comentado ricamente por Padre Armando Cardoso S.J. com o qual tive a alegria de conviver no Colégio Santo Inácio de Loyola, do Rio de Janeiro. Acompanhei de perto a esmerada tradução. Numa passagem, São José de Anchieta compara Maria à Árvore da Vida, “fértil de frutos eternos, cujas raízes se escondem nas entranhas da terra e franças sublimes chegam às estrelas do céu.” Ao descrever o mistério da encarnação do Verbo, exclamou: “Uma sombra orvalhada, sobre suas entranhas virginais descansa, e meiga aragem sopra no horto cerrado de seu seio. No mesmo instante, o Verbo escondido ocupa o seu sacrário e a Virgem Mãe concebe o Autor da vida.” Poder-se-ia recordar também os versos de Dante Alighieri, na “Divina Comédia”: “Virgem Mãe, por teu Filho procriada, humilde e superior criatura, por decisão eternal predestinada! Por ti se enobreceu tanto a humana natura, que o Senhor não desdenhou de se fazer, de quem criou, feitura.” O Papa Leão XIII, considerado em sua época o príncipe dos poetas latinos, no final do seu pontificado, tirou de sua lira a “Última prece à Virgem”, na qual enaltece Maria e os seus poderes: “Se eu atingisse o Céu, se contemplasse, por suprema mercê, de Deus a face, e, ó Virgem, teu olhar visse também... acolhe-me e se ali for eu um daqueles da cidade santa, direi eternamente que ao favor da Virgem Mãe devi ventura tanta.” Dom Silvério Gomes Pimenta – arcebispo de Mariana e primeiro eclesiástico a integrar a Academia Brasileira de Letras – louvando a beleza da alma de Maria, escreveu: “Tu és mais linda que as estrelas e as flores ... em ti mancha não há.” E Dom Francisco Aquino Corrêa, outro membro da referida ABL, proclamando a magnitude da Mãe do Criador, pergunta: “Quem fez o lírio de tua alma, ó Puríssima, quem fez as rosas dos teus lábios, ó Santa?” Não se pode esquecer, dentre a multiplicidade dos poemas marianos, os versos do vate mineiro Monsenhor Primo Vieira, outrora membro da Academia Santista de Letras (SP). Em belíssimas estrofes em seu livro “Litanias”, mostrando Maria como Porta do Céu (uma das invocações da Ladainha), rezou: “Porta do Céu à cuja entrada esquece o pecador as trilhas do pecado (...), da altura excelsa em que morais na glória, olhai os pequeninos sem história e a miséria de rojo pelo chão... Nós somos esses filhos que não param de caminhar nas réstias que ficaram da esteira luminosa da Assunção.” Eis algumas das inúmeras exaltações poéticas sobre a Mãe de Deus. Contemplando com fervor o rosto de Nossa Senhora, a Compadecida – há séculos venerada e louvada pelos cristãos – vislumbra-se algo celestial em seu semblante e um fulgor divinal no seu olhar. É a Imaculada, a Mãe dos pecadores e aflitos, auxílio dos cristãos. O profeta Zacarias precedeu os poetas marianos, quando escreveu: “Exulta e alegra-te, filha de Sião, porque eis que venho e habitarei no meio de ti” (Zc 2, 14).
PRECIOSIDADES DO LEGISLATIVO Valério Mesquita* Mesquita.valerio@gmail.com 01) Guedes, é um antigo e aguerrido garçom da larga e longa ceia legislativa de todas as semanas. Semigago, o nosso personagem veste sempre um terno preto com uma indefectível gravatinha borboleta. Vê-lo sem o terno é desconhece-lo. A roupa aderiu ao personagem ou impregnou-se a sua silhueta, a figura prazenteira que equilibra numa bandeja a gastronomia do Poder Legislativo. Certa tarde, quando atravessava o corredor entre o plenário e a lanchonete da Casa de José Augusto, um popular atreveu-se e retirou da bandeja um copo de refresco de goiaba. Guedes foi providencial: “É su, su, su, su...” Ai o intrometido, após sorver um gole, parou para pacifica-lo: “Eu sei que é suco”. E Guedes, num esforço supremo: “Não, é su, su, “subejo”!!”. De outra vez, à tarde, entra apressado para cobrir os trabalhos legislativos, o jornalista Joaquim Pinheiro e no corredor vai logo perguntando a Guedes se a sessão já havia começado. O garçom, entre solene e compenetrado dispara: “Tá, tá, faltando “cloro”!”. Joaquim riu e compreendeu que às 16 e 30 a Assembleia nunca realmente atingiu o quorum regimental. 02) Discursando para um plenário desatento a então deputada Fátima Bezerra, lá pras tantas do seu pronunciamento, recuperou a atenção geral quando soltou da tribuna um “não pagou porra nenhuma”. O presidente engoliu e o plenário riu. Era o governo Garibaldi Filho. A oposição sempre saía do prumo. 03) O então presidente da Assembleia Legislativa deputado Álvaro Dias, certa vez, jogou duro com os colegas a fim de obedecerem rigorosamente o tempo. Ia ser votado o orçamento com mais de trinta emendas. Os 10 minutos para cada um discursar eram sempre extrapolados. Conhecido pelos apartes quilométricos o deputado Tarcísio Ribeiro aparteia o deputado Pedro Melo esgotando o tempo regimental. O presidente cortou o som do orador mas, o aparteante (Tarcísio) saiu-se com essa: “Vossa Excelência agora presidente é quem está falando e o som devia ser cortado!!”. 04) Baixinho, estrábico, assim é o ligeiro visual do líder comunitário macaibense “Zanoinho” que fazia sucesso com a sua oratória direta e descomprometida. Num comício no bairro Campo da Santa Cruz, o candidato a vereador mandou pedir à multidão um minuto de silêncio em respeito a um falecido comunitário. Mas, a algazarra dos participantes sufocou a solicitação penitente de Zanoinho. Confiante de que a piedade cristã de mais um apelo desarmaria o barulho, apesar da inconveniência do pedido nesse tipo de evento, Zanoinho foi patético: “Se foi pedido o silêncio em nome de Nosso Senhor Jesus Cristo e ele não foi atendido, avalie se eu pedir, pobre, feio e "zanôio””. 05) Parece que a onda de minuto de silêncio pegou nos candidatos a vereador. O objetivo é claro: não perder os votos da família do desaparecido. Outra manifestação fúnebre ocorreu na Vila São José, bairro periférico de Macaíba. O ex-vereador e candidato Moacir Gomes, ao usar a palavra, inicia o discurso rogando aos assistentes do comício um minuto de silêncio pelo falecimento de uma pessoa do bairro. O seu assessor e cabo eleitoral, ao lado, imaginando o tamanho da família do falecido, sopra imediatamente ao seu ouvido “Um minuto é pouco. Peça cinco! Tem muito voto lá!”. 06) Certa vez, em uma das campanhas políticas, Caicó viveu momentos memoráveis. O candidato Vivaldo Costa quando discursava fazia verdadeiras parábolas, sermões com aquela voz cheia, reforçada pelo gosto de coalhada com rapadura da fazenda Trapiá. Explicava no palanque: “Irami Araújo quando era do nosso lado, a oposição o taxava de ladrão da farinha de trigo. Aderiu, foi pro outro lado, agora é santo. Silvio Santos quando era do meu lado, era chamado de ladrão do SUS, agora virou santo duas vezes” e virando-se para Nilson Cabecinha, triste e cabisbaixo, o Papa foi cruel no convite: “Ô Nilson, por que você também não vai logo para o outro lado!”. (*) Escritor.

terça-feira, 10 de dezembro de 2024

Jubileu de uma Teologia reconhecida Padre João Medeiros Filho Como graduação acadêmica, oferecida por instituições credenciadas pelo Ministério da Educação, o ensino da Teologia é recente na história da educação brasileira. Na vigência do Padroado no Brasil (Colônia e Império), gozava do status de curso superior oficial, mesmo não pertencendo à Academia. Após a Proclamação da República, com a separação entre a Igreja e Estado, passou a ser ensinada como curso livre nos seminários e casas de formação religiosa. No Brasil, durante mais de um século, Teologia e demais ciências se distanciaram num desconhecimento mútuo de seus métodos e epistemes. Entretanto, no Ocidente, a universidade surgiu como o lugar natural do pensar teológico. Ela é uma criação medieval, sucessora das escolas vinculadas às abadias, mosteiros e catedrais. Constitui-se em nova configuração escolar, independente dos estudos ministrados pela Igreja. Com o advento das instituições de ensino superior católicas, houve uma preocupação com o ensino da Teologia dentro dos espaços acadêmicos brasileiros. A PUC/RJ foi a primeira a ministrar um curso nessa área de conhecimento, nos moldes universitários. Criou um bacharelado pela Resolução 127/67. Outorgava diplomas, mesmo sem o reconhecimento formal do MEC. Integrada ao espaço acadêmico e às áreas de saber científico, a Teologia tende a se fortalecer para melhor interpretar a fé, abordando problemas da sociedade pluralista e analisando as raízes de nossa cultura, marcada por fortes traços religiosos. No decorrer de cento e dez anos, da Proclamação da República à aprovação do Parecer 241/99, em 15/03/1999, pelo Conselho Nacional de Educação, houve tentativas de oficializar os cursos teológicos. O Decreto-Lei 1051/69, revogado pela Lei 9394/96, foi um esforço expressivo. Por força de tal ato, os egressos de seminários e casas de formação clerical, mediante processo seletivo, estariam aptos a se matricularem nos cursos de licenciatura em Filosofia. Poderiam solicitar aproveitamento de créditos obtidos naquelas entidades confessionais, complementando as disciplinas para obtenção do grau de licenciado. Há que considerar o relacionamento entre Igreja e Estado brasileiro, durante o regime militar. O referido decreto-lei foi promulgado em um dos momentos tensos da relação entre os dois entes, por isso não houve interesse latente por parte do episcopado em pleitear a oficialização dos cursos. Passados trinta anos, reacenderam os sonhos de inclui-los na Academia. Ao coro das faculdades católicas somaram-se vozes evangélicas, clamando por um status acadêmico para as graduações teológicas no Brasil. A pioneira no credenciamento pelo MEC foi a Escola Superior de Teologia (São Leopoldo – RS), mantida pela Igreja Luterana, tendo seu bacharelado autorizado em 01/10/1999. Não havia motivos para deixar a Teologia de fora da Academia. Cabe informar que no projeto original da Universidade de Brasília – UnB, Darcy Ribeiro incluía um Instituto Teológico, que seria confiado aos frades dominicanos. A Igreja muito tem a ganhar com uma Teologia com maior rigor acadêmico, voltada não apenas para aspectos religiosos, pastorais e apologéticos. Ela facilitará a interpretação das raízes antropológicas e culturais brasileiras, nas quais também se ancora o navio de nossa fé. Tal conhecimento não deve ficar restrito aos meios eclesiásticos e sim fortalecer o diálogo com a sociedade dentro do espaço universitário. Até 2011, esforcei-me por incentivar a criação de bacharelados, autorizados e reconhecidos pelo MEC, elaborando projetos para algumas dioceses e congregações religiosas. Mossoró aceitou o desafio e a Teologia foi o berço da UniCatólica do RN, ministrando hoje nove graduações de nível superior reconhecidas pelo Sistema Federal de Ensino. Sua aceitação é grande e sua excelência de ensino é proclamada pelos órgãos de avaliação do referido sistema. Algumas autoridades eclesiásticas não entenderam a necessidade de um espaço científico do pensar cristão, querendo enfatizar apenas o caráter da formação clerical. Além da graduação em faculdades credenciadas, ressalte-se ainda o seu papel na pesquisa e extensão, eficazes para refletir o sentido do saber em favor da justiça social e da fraternidade humana. Educar é missão da Igreja. Cristo recomendou aos discípulos: “Ide, ensinai a todos” (Mt 28, 19). E o apóstolo Paulo complementa: “Quem tem o dom de ensinar, ensine” (Rm 12,7), “pois nem todos podem ser mestres” (Tg 3,1).

quinta-feira, 5 de dezembro de 2024

O tempo litúrgico do Advento Padre João Medeiros Filho Domingo próximo, dia primeiro de dezembro, começa o tempo do Advento. Este é a aspiração de um mundo de paz, fraternidade, desejo de unidade e expectativa da presença de Deus entre os homens, concretizada pelo Natal. É a certeza de que o Verbo de Deus se encarnou (cf. Jo 1, 14), há mais de dois mil anos. Entretanto, o Salvador da Humanidade ainda está para nascer na dimensão plena, permanecendo vivo e real no coração dos homens e dos povos. Eis o que se deve celebrar durante o Advento. Tempo de espera, ensina a Igreja. E aguardar alguém requer cuidadosa e alegre preparação. Deste modo, deve-se aguçar em cada um a sensibilidade para descobrir os inúmeros sinais da manifestação de Deus. Convém intensificar a sede de relações mais fraternas e duradouras num Brasil que se digladia e destrói pelo radicalismo, ódio, pela polarização, ganância, disputa de poder e inúmeros antivalores. Celebrar o Advento é procurar superar o desencanto que se abate sobre esta sociedade dita moderna e avançada. Viver Advento é lutar para transformar a sociedade numa casa de irmãos e não de inimigos. Desta forma, esse tempo deixa de ser celebração histórica para tornar-se ideal de vida, crença numa força escondida, continuamente prestes a nascer. É certeza de que Deus não abandona o ser humano e lhe oferece sempre uma luz para o seu caminho. Cristo não é o messias que muitos esperavam. Em lugar de castigar, curava. Em vez de condenar, devolvia a vida. Ao invés de julgar, perdoava e amava. João Batista – mesmo na certeza de que Ele era o Filho de Deus – constituiu-se em intérprete de seus interlocutores, procurando ouvir de Cristo: “És tu aquele que há de vir?” (Mt 11, 3). Jesus não perde tempo, tampouco se detém em teorias, discursos e definições. Será reconhecido a partir de gestos concretos: cegos recuperam a vista, surdos ouvem, paralíticos andam, leprosos são purificados. Tudo obra do sublime amor e da misericórdia infinita de Deus. O Mestre de Nazaré apresenta-se pelas suas obras como esperança e alegria para o mundo. Seu tempo não era diferente do atual. Havia violência, fome, desemprego, corrupção, exploração e desânimo. Mas, Cristo veio trazer libertação e paz. Deste modo, entende-se o sentido das palavras do anjo na noite natalina: “Eu vos anuncio uma grande alegria que será de todo povo” (Lc 2, 10). Também hoje, o mundo vive carente de alegria. A depressão e ansiedade tornaram-se grandes doenças dos tempos modernos. A solidão e a tristeza são males de nosso século. Incerteza, apatia, desânimo e temor povoam o coração dos brasileiros. Cristo veio como resposta a tudo isso. O profeta Isaías aponta para os gestos verdadeiros de vida cristã: “Fortalecei as mãos enfraquecidas e firmai os joelhos debilitados. Dizei às pessoas deprimidas: Criai ânimo, não tenhais medo” (Is 35, 3). O mundo pergunta aos cristãos: onde está realmente Deus? A resposta dar-se-á pelos gestos visíveis e pelo testemunho de vida, não pelas teorias e discursos. É preciso mostrar uma nova visão de vida, anunciar a palavra que liberta, ajudar o próximo a caminhar na paz, iluminado pela força e luz da fé. Cada um é convidado a ser arauto da libertação, nascida em Cristo e alimentada na esperança e caridade. É preciso ser profeta, como João Batista. Ele não compactuou com uma sociedade materialista, que privilegiava uns em detrimento de outros. E aqui se entende a maneira de vestir, viver e falar de João. Despojou-se de tudo que poderia chamar a atenção sobre si mesmo. O que lhe interessava era Cristo. Seria necessário que todos O descobrissem, o mais cedo possível, e encontrassem misericórdia, doçura e infinito perdão. O Precursor não queria que ficassem dúvidas em seus seguidores. Mas, hoje ainda paira inquietação na cabeça de muitos, quando ouvem falar de Cristo. O Advento é o anúncio da esperança, a véspera do sorriso e da alegria. É a noite dos sonhos da felicidade e eterna bondade, que não se afastarão mais do coração do homem. É, sim, o seu despertar para a claridade divina! Eis o desejo do evangelista Lucas: “Que a gloria do Senhor nos envolva de luz” (Lc 2,9).

quarta-feira, 4 de dezembro de 2024

São Francisco Xavier e Dom João Santos Cardoso Padre João Medeiros Filho Ambos têm algo em comum. Liturgicamente, no dia 3 de dezembro – data do natalício de Dom João Santos Cardoso – comemora-se a festa de São Francisco Xavier, cofundador da Companhia de Jesus com Inácio de Loyola. Segundo alguns biógrafos, depois do apóstolo Paulo, Francisco Xavier foi quem mais converteu pessoas ao cristianismo. Mereceu o título de “Apóstolo do Oriente”. O Rei de Portugal (Dom João III) – por intermédio de seu embaixador junto à Santa Sé – fez vários apelos ao Papa Paulo III no sentido de enviar missionários para transmitir a mensagem cristã nos territórios descobertos pelos portugueses e espanhóis. Atendendo aos rogos, o Pontífice enviou Francisco a Índia em 1541, acompanhado de dois confrades: Padres F. Mansila e Paulo Camarate. Viajaram na nau capitânia “São Diogo”, uma das cinco que compunham a frota comandada por Martim Afonso de Sousa, o qual viajava para tomar posse como governador na Índia. Francisco Xavier partiu para a vida eterna, aos 3 de dezembro de 1552. Repousava numa humilde esteira de vime, abraçado ao crucifixo, presenteado por seu amigo Inácio. Foi canonizado em 12 de março de 1622 por Gregório XV. Dom João Santos Cardoso nasceu em 1961, no município baiano de Dário Meira. Realizou os estudos fundamentais em sua terra natal. Fez a graduação filosófica no Seminário Maior de Teófilo Otoni (MG). O curso de Teologia foi concluído no Instituto Teológico de Ilhéus (BA). Licenciou-se em Filosofia pelo Centro Universitário da Assunção (SP). Cumpriu o programa de pós-graduação em Filosofia – níveis mestrado e doutorado – na Pontifícia Universidade Gregoriana (Roma). Antes de ser elevado à dignidade episcopal, era docente na Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia, em Vitória da Conquista e ali dirigiu o Instituto Arquidiocesano de Filosofia. Na vida, há fatos que parecem coincidências. Porém, para quem acredita, trata-se da Providência Divina. Pode-se estabelecer um paralelo entre São Francisco Xavier e Dom João Santos Cardoso. Ambos evangelizaram terras ignotas e longínquas. O jesuíta pregou a Palavra de Deus em países asiáticos. Nosso metropolita foi chamado por Deus para edificar o Reino de Cristo no interior do Piauí e agora no RN, terras por ele desconhecidas. Em São Raimundo Nonato (PI), desvelou a face de um Cristo terno e sensível. No solo piauiense, encontrou o fruto da evangelização de Dom Joaquim Antônio de Almeida, primeiro pastor piauiense, que ali lançara sementes do Reino de Deus. Dom Joaquim, que foi igualmente o primeiro bispo potiguar, cuidou da Grei do Senhor, hoje conduzida por Dom João Santos Cardoso, revelando a Igreja una, santa, católica e sacramento de Cristo que nos acolhe. Dom João tem enfatizado que o Evangelho de Cristo é a Boa Nova, manifestação da esperança e da alegria. Em quatorze meses de pontificado entre nós, empenhou-se no processo de beatificação de Padre João Maria, enviando a documentação à Santa Sé para a devida análise. Encontram-se bem adiantados os projetos de criação de duas novas dioceses (com sedes em Assú e Santa Cruz), sonho do Povo de Deus, que aspira por um pastor próximo de suas ovelhas. Administrativa e pastoralmente, a nossa arquidiocese foi repaginada com maior capilaridade em seus serviços e pastorais. Ressaltem-se o convênio de cooperação técnica com o IFRN e a parceria com o IPHAN, sendo esta para instalação do Arquivo Arquidiocesano, além da criação de novas paróquias e áreas pastorais. Percebe-se a satisfação no rosto dos fiéis. Sua simplicidade cativa, sua ternura encanta e seu zelo edifica. Nele, “encontramos a primazia do irmão”, na expressão de um líder intelectual natalense. Os comunicadores o respeitam e admiram. Queira Deus que sua caminhada em terras potiguares seja tranquila, profícua e duradoura. Sabe escutar e dialogar. Com justiça e caridade, sem alardes, precipitação, desrespeito e traumas, vem promovendo mudanças exigidas para uma melhor vitalidade eclesial do arcebispado. Sua atenção e delicadeza no cuidado com o rebanho atestam que ele não é bispo para si, mas para os irmãos, vivendo as palavras de Santo Agostinho: “Para vós sou bispo, convosco sou cristão.” Segue o ensinamento do apóstolo Pedro: “Quem serve, faça-o com a capacidade proporcionada por Deus para que em tudo Ele seja glorificado” (1Pd 4,11).

quarta-feira, 20 de novembro de 2024

Estado laico Padre João Medeiros Filho Volta à pauta um tema recorrente no judiciário brasileiro. Trata-se do julgamento sobre a constitucionalidade da presença de objetos religiosos em órgãos oficiais. A partir de 15/11/24, o STF julgará recurso movido pelo Ministério Público Federal – MPF, questionando a presença de símbolos religiosos naqueles espaços. No Brasil, em nome do Estado laico, tramitam processos, pretendendo a sua exclusão em repartições públicas. Invocando tal princípio, há anos, a Prefeitura de Florianópolis ajuizou ação contra uma lei, que determinava a disponibilidade de exemplares da Bíblia em bibliotecas municipais. Tempos atrás, o Presidente da Câmara Municipal de Mariana (MG) quis retirar o crucifixo do plenário da Casa. Ultimamente, o MPF (SP) protocolou um processo, demandando a retirada de símbolos sacros de recintos estatais. Vencido em instâncias judiciais inferiores, interpôs recurso no STF. Segundo juristas e teólogos, entende-se por Estado laico aquele que não adota nenhum credo oficial, nem permite ingerência de religiões em sua estrutura. É neutro; entretanto, não ateu ou antirreligioso. Deve ser a primeira organização a garantir a liberdade de crença. A tolerância religiosa no Brasil existe graças à laicidade do Estado. Ao defini-la, nossa Carta Magna admite a liberdade de culto, assegurando assistência espiritual em hospitais públicos, prisões e quartéis, inclusive o casamento religioso com efeitos civis. Como estatuído no Art. 208, criminaliza qualquer desrespeito ou vilipêndio às crenças e aos seus símbolos. E como acontecem escárnios, disfarçados em “arte”... Haver exemplares da Bíblia em bibliotecas não significa leitura obrigatória. Como pode o Livro Sagrado ferir o Estado laico? Ninguém é coagido a manuseá-lo. Porém, uma biblioteca que se preze, não poderá prescindir de um livro clássico, milenar, o mais impresso e lido no mundo, simplesmente por se tratar de obra de cunho confessional. A Bíblia é também uma obra histórica, cultural e literária. Há que se distinguir arte, tradição e cultura de religião ou religiosidade. O Brasil foi colonizado por cristãos ocidentais. Impossível deletar o passado, apagar a história. Procura-se preservar valores culturais afrodescendentes, herdados dos povos originários e de outras etnias. Uma sociedade democrática – como se diz a nossa – deverá cuidar do respeito à maioria, como o exige para as minorias. Convém lembrar: a maior parte da população brasileira ainda é cristã. As intransigências supracitadas configuram intolerância religiosa, inaceitável pela Constituição brasileira vigente. É crime tipificado em lei. Verifica-se incoerência nos demandantes judiciais. Se há caça aos símbolos sagrados, especialmente os cristãos, arraigados em nossa história, ousarão retirar a estátua do Cristo Redentor, ícone da Cidade do Rio de Janeiro (declarada patrimônio cultural da Humanidade pela Unesco) e a de Santa Rita, em Santa Cruz (RN)? Teriam a audácia de demolir tais monumentos para não desagradar o Estado laico? Não é essa simbologia que envergonha e denigre o Brasil. Na verdade, o Cristo crucificado é quem deve sentir-se constrangido com o que se passa dentro de muitas repartições públicas... Em nome dessa pretensa laicidade, iriam renomear os estados e cidades, como São Paulo, Espírito Santo, Santa Catarina, Natal, São Luís? Legislar para atender à gana laicista resulta em fomentar a intolerância religiosa. Arrimando-se nessa equivocada interpretação, acaba-se caindo numa sucessão de erros, ferindo tradição e história, cultura e arte, desrespeitando a religiosidade do povo. Do ponto de vista filosófico-teológico, sociológico e jurídico, é preciso deixar claro que laicidade difere de laicismo. Não obstante a sinonímia registrada por alguns dicionaristas, entende-se pela primeira a separação da Religião e do Estado, como expressa na CF de 1988. Por ela, o Estado, em seus níveis e esferas, está proibido de definir qualquer religião como oficial. Laicismo consiste na “degeneração da laicidade”, implicando em negação ou privação do direito de manifestar publicamente a fé. Tal disposição não consta na Constituição vigente. Ao contrário, por força dela, todos os brasileiros e estrangeiros, aqui residentes legalmente, gozam também de liberdade confessional. E esta não é privilégio de um grupo. Independe de sua influência político-social ou quantidade de adeptos. Laicidade não é sinônimo de laicismo, secularização e ateísmo. Não pretende destruir e desconstruir herança histórico-cultural, tradição e religiosidade, como apregoam partidários do laicismo. Cristo separava claramente Religião e Estado: “O que é de César, devolvei a César, e o que é de Deus, a Deus” (Mc 12, 17).

quarta-feira, 13 de novembro de 2024

SÁBIA HUMANIDADE COMUM Valério Mesquita* mesquita.valerio@gmail.com O ex-deputado, secretário de estado e ex-Conselheiro do Tribunal de Contas do Estado Manoel de Medeiros Brito é dono de um repertório de histórias nascidas do seu “fairplay”, “savoir vivre” e bom humor. São necessários três idiomas para definir a extraordinária espirituosidade de uma vivencia tão rica de situações e fina hilariedade. O saudoso jornalista João Batista Machado que o chamava de “Velho Brito”, alusão ao ex-deputado federal gaúcho, possuía um longo repertório e causos e acontecências colhidos ao longo de sua vida pública. Eis alguns... 01) Certa vez, estava no interior, quando veio o apelo irresistível de uma cachacinha. O seu fiel escudeiro era Raul, motorista. “Raul”, recomenda Brito, com parcimônia, “veja se encontra nesses botecos uma cachaça pelo menos razoável”. Empreendida a busca, volta Raul com a recomendação protocolar: “Dr. Brito, tem umas, mas não são de boa qualidade”. Brito, sediço e aliciador, sentencia: “Seu Raul, ruim é não ter”. 02) Brito é um exímio apreciador da “pinga” nordestina. Degusta o precioso líquido como se fosse um príncipe do semiárido. Como secretário do interior e justiça, Brito gostava de integrar a comitiva oficial às reuniões da Sudene em Recife. E explicava ao jornalista Machadinho: “Eu vou porque lá é tudo muito bom e barato”. Mas nunca perdia o paladar de uma branquinha. Na capital do frevo, encontrava sempre o amigo Raimundo Nonato Borba, chefe da Representação do Rio Grande do Norte junto à Sudene. Como é do seu hábito, arranjou-lhe logo um apelido: Borba Gato. E no trajeto do aeroporto à Sudene, do banco traseiro, Brito avisava: “Borba Gato, não se descuide de parar antes num boteco para eu beber um “rabo de lagartixa”. 03) O Palácio Campo das Princesas, em Recife, era o local refinado das reuniões da Sudene para os convescotes e regabofes do mundo oficial do Nordeste. Num desses eventos gastronômicos, estava presente o então Secretário da Indústria e Comércio do Rio Grande do Norte, Jussier Santos. Conhecido pela sua finesse, foi logo se servindo de champignon e sugerindo a Brito para provar aquela delícia. E esse responde de bate-pronto: “Jussier, eu não como frieira”. 04) Em outro almoço, alguém da comitiva oficial do Rio Grande do Norte provoca Brito, ao avistar apetitosos camarões: “Brito, sinta o cheiro inconfundível”. Este, com aquele olhar jardinense do Seridó, corrige: “In, não. Cheiro confundível!”. 05) Numa conversa descontraída, perguntaram a Brito qual a sua definição sobre o casamento. De bate pronto, fulmina: “uma ilusão gratulatória”. De outra feita, Afonso, um dos seus motoristas da atividade oficial, recebeu dele um apelido que exprimia fielmente o significado de suas proezas de paquerador. Afonso era baixinho, entroncado, mas era querido do mulherio funcional que beirava a menopausa. E Afonso “passava” as gordinhas, mal-amadas, pernetas, num comovente “ofício de caridade”. Sabedor de suas façanhas, Brito desfechou-lhe um apelido definitivo: “Areia de Cemitério”. Come tudo. 06) Certa vez, um colega de governo, foi lhe pedir um conselho. Já se casara duas vezes e estava na iminência da terceira mulher. Brito cofia o bigode e alerta: “Cuidado Totó, você já é reincidente!”. 07) Outro Secretário de Estado estava apaixonado fora do casamento. Num almoço, sapecou-lhe a pergunta: “como está de arrumação?”. Silêncio. Insiste Brito: “Deu no aro?”. Resposta tímida do interlocutor: “Deu”. “Então é separação consumada”, vaticina Brito Velho de Guerra. (*) Escritor.

terça-feira, 12 de novembro de 2024

O poder da palavra Padre João Medeiros Filho Ela é um dos encantadores dons divinos concedidos ao ser humano. Deus não quis prescindir dela. “No princípio era o Palavra. E Ela se fez carne e veio morar entre nós” (Jo 1, 1; 14). Quase toda a revelação divina – exceto alguns gestos de teofania – aconteceu por meio dela. É considerada como uma imensa jazida de pedras preciosas, explorada e burilada, através de milênios. A literatura assemelha-se a uma floresta de inúmeras e ricas espécies. Surpreendem a habilidade e a criatividade dos autores para narrar, poetizar, denunciar, apaziguar, rezar etc. Como não apreciar a poesia de Adélia Prado, quando escreve em Coração disparado: “Creio que o verbo gera e vivifica. O que parece morto, ressuscita. O que se apresenta estático, é dinamizado.” Manuel Bandeira manuseia com maestria os vocábulos: “Assim eu queria o meu último poema: que fosse terno, dizendo as coisas mais simples, ardente como um soluço sem lágrimas, a pureza da chama em que se consomem os diamantes mais límpidos.” Incomparáveis são as alegorias, parábolas e metáforas de Jesus Cristo, contundentes para despertar nos ouvintes (ou nos leitores de hoje) um novo modo de ser, pensar e agir. E por que não lembrar os eloquentes sermões, com beleza literária, poética e teológica, do Padre Antônio Vieira ou de Dom José Pereira Alves, quando bispo de Natal? Destacam-se ainda os textos musicados e cantados, com uma riqueza incontável de exemplos, expressando júbilo, saudade, dor, vitória, amor, ternura, esperança, suavidade, harmonia... Há que rememorar também os empolgantes discursos que atravessaram séculos e fronteiras. Frases e expressões lapidares marcaram a história de nações. Dentre milhares de exemplos vem à lembrança a riqueza metafórica de “Chão de estrelas”, no cancioneiro popular brasileiro. Atualmente, ganham espaço as redes sociais. Ali, a cada momento, lança-se uma avalanche ou pletora de frases. Poucas são edificantes. Um sem número mostra-se ofensivo, com inverdades e incitação ao ódio. Quão diferente daquilo que proclama o salmista: “Tua palavra é lâmpada para os meus pés e luz para o meu caminho” (Sl 119/118, 105). A celeridade atual na divulgação das mensagens não possibilita a ponderação como exercício do raciocínio e da prudência na comunicação. Não há tempo suficiente para escutar o outro. As redes tornam-se, pouco a pouco, lugares de discussões inflamadas e desrespeitosas, agressivas e, não raro, cheias de narrativas e mentiras. O que deveria ser para unir, tem efeito de espada, ferindo aqueles que dela se aproximam. “Morte e vida estão no poder da língua; e aquele que sabe usá-la comerá de seus frutos” (Pr 18, 21). Cabe salientar que o vocábulo está ao alcance de todos nos diferentes diálogos do cotidiano, seja para construir ou destruir. Chama a atenção como muitas crianças aprendem logo a distinguir no rosto de seus pais as expressões carinhosas e as repreensivas. As palavras podem ser utilizadas como armas capazes de desconstruir a dignidade das pessoas. É preciso ter cuidado. “Tal como a chuva e a neve descem do céu e para lá não voltam, assim acontece com a minha palavra que sai da minha boca não voltará para mim vazia” (Is 55, 10-11). Urge encontrar termos serenos e adequados a fim de reconstruir os fios esgarçados do tecido social e da amizade. A palavra possui uma força indômita e paradoxal. Necessita-se distinguir aquela pronunciada por quem detém responsabilidade política ou religiosa sobre o povo, da descomprometida e usada descontraidamente numa roda de amigos. Hoje mais do que nunca, por conta da instantaneidade com a qual se propaga o que é dito, torna-se necessário perguntar sobre o uso das falas. Quem as escuta ou lê? Quais são as suas consequências? Deve-se ter cautela e não empregar os termos de forma inadequada, insolente e viperina, pois os efeitos deletérios e estragos podem ser incalculáveis. Adverte uma lenda asteca: “Cuidado com o que se fala na guerra da vida. Também morre quem atira muito.” Enfim, convém lembrar os ensinamentos do apóstolo Paulo: “De vossa boca não saia nenhuma expressão maliciosa, mas somente aquelas, capazes de edificar e fazer bem a quem as escuta” (Ef 4, 29).

segunda-feira, 11 de novembro de 2024

PRIVILÉGIO PANDEMIA E PANDEMÔNIO Valério Mesquita* Mesquita.valerio@gmail.com A vida da gente, hoje em dia, chega a doer e a enjoar. Sobrepondo-se à lógica, aí estão os mistérios do mundo. Ele parece apodrecer cotidianamente. E acho essas razões um tanto metafísicas mas, perfeitamente racionais e cabíveis à espécie. Apesar da revolução das ciências, em todos os campos de atividade, há uma angústia indagativa porque tudo piora quando a humanidade progride materialmente. Muito antes, nas esquinas do mundo, a fatalidade das guerras ditadas pela imprudência interrompeu a esperança do ser humano no dia de amanhã. Tudo leva a crer, no crepúsculo dos nossos dias, que a escalada geométrica da dificuldade de se viver no planeta, hoje tão afetado pela superpopulação e a crise da falta de alimentos, remédios, é que ingressamos no corredor escuro do Armagedom. A vida passa e diante dos nossos olhos segue um desfile barulhento de excessos. Excessos e abusos perturbadores provocados pelo braço do homem. Vejam só, por que surgem na atmosfera (o ar que respiramos) vírus gripais, infecciosos e contagiosos que se multiplicam e se transformam virando pandemia? No processo de mutação ultrapassam a eficácia da vacina e se propagam com surpreendente rapidez, induzindo-nos acreditar que a camada superior da terra e as defesas do corpo humano estão comprometidas por atos insanos do próprio homem. Os continentes, desde os mais industrializados aos mais pobres, desérticos, quentes, superpovoados, até as florestas tropicais em compasso progressivo de extermínio, incluindo os mares revoltos, revelam-me recôndita preocupação com o final dos tempos. Igual em perigo à pandemia, mora vizinho o pandemônio. O tumulto do trânsito em Natal está trazendo estresse e hospitalizando muita gente. Avaliem as cidades maiores! Semana passada, entre 18h e 19h30, gastei de automóvel mais de trinta minutos do bairro de Lagoa Nova ao Natal Shopping. O número de veículos hoje na capital resgata a “saudade de mim mesmo”, como disse o poeta português. Esse grave fato estatístico não preocupa apenas pelo dano físico de acidentes, mas igualmente, pela nova geração de ansiosos, psicóticos e depressivos. E haja consumo de benzodiazepínicos. Diariamente em Natal, acontecem mais de 20 acidentes com motos. A malha viária não comporta mais o enxame de ônibus, “ligeirinhos” antipáticos e imprudentes, automóveis e utilitários de luxo, que lembram as mansões dos donos do tráfico de drogas. Todavia, o pandemônio não se encerra aí. O assalto à mão armada não apenas reside ao lado, mas está dentro de casa fazendo reféns. Com armas modernas e de grosso calibre os marginais já são um número maior que o efetivo policial. Segurança no Brasil é uma ilusão congratulatória. Somente os bobos acreditam e agradecem. Ainda iremos assistir, se não planejarem logo uma solução, desfilando nas ruas e bairros as forças armadas do país, envolvendo-se na estratégia de resguardar a cidadania que é vida e que significa tanto quanto a defesa da soberania do país. Igual ou pior do que a invasão do território nacional é o lar ultrajado, violentado e saqueado da família brasileira que, no dizer de Rui Barbosa, “é a pátria amplificada”. A corrosão cotidiana da busca pelo dinheiro e pelo poder enferruja com rapidez as “glórias e grandezas” de alguns que se julgam donos do mundo, quando pensávamos justos e coerentes. As mutações históricas dos valores da personalidade humana, ao que parece, foram provocadas pela “revolução” dos costumes sociais, principalmente o comodismo, a apatia pelo semelhante, o medo de morrer, as fobias e a falta de religiosidade. (*) Escritor

terça-feira, 5 de novembro de 2024

Dom Nivaldo, dezoito anos de Vida plena Padre João Medeiros Filho No próximo dia dez, celebrar-se-á o décimo oitavo aniversário de vida em plenitude de Dom Nivaldo Monte, segundo arcebispo metropolitano de Natal (1967-1988). Na liturgia católica, festejam-se os eleitos de Deus na data de sua volta para a Casa do Pai e não no dia de seu nascimento terreno. “Mors vere dies natalis hominis” (A morte é o verdadeiro natalício do ser humano), afirmou Santo Agostinho. Os restos mortais de Dom Nivaldo repousam no silêncio do Mosteiro de Sant’Ana de Emaús (Parnamirim), em meio à natureza, permanente bálsamo divino. Lá, os pássaros esvoaçam, como numa dança de alegria e as rosas espargem perfume sobre a sua sepultura. Os fiéis, que por ali passam, demonstram o quanto ele era amado em vida, cultuando a sua memória. Muito poderá ser dito sobre esse pastor. Múltiplo pelas atividades exercidas: bispo, escritor, professor, músico, poeta e botânico. Uno, porque nele tudo convergia para o Mestre. “Para mim o viver é Cristo” (Fl 1, 21) era o seu lema episcopal. No final de seus dias, marcados pela enfermidade, acentuou a certeza de que o importante não é a duração da existência e sim a intensidade do amor com que se vive. E isso o fazia com maestria e profundidade, a ponto de intitular uma de suas obras: “O coração é para amar.” Em seus últimos dias, concelebrava com ele a Eucaristia, quando me dizia sempre: “Vamos cantar a beleza da vida e o amor sem igual.” Dom Nivaldo costumava chamar as plantas, que admirava e cuidava, de “catequese de Deus”. Não fazia discursos sobre ecologia. Sempre demonstrou um grande respeito à natureza, imagem do Belo e Sagrado. Adquiriu terras, não para acumular bens, mas preservar o solo fecundo – presente de Deus aos homens – a fim de torná-lo berço de frutos e dons. O objetivo precípuo era proclamar a riqueza da dádiva sobrenatural às criaturas humanas. Para ele, “nossa mãe terra é extensão do colo divino.” Apaixonado pelos jardins, pomares e hortas, cultivava-os em Emaús e denominava-os “meus irmãos”, usando uma expressão franciscana. Deixou-nos inúmeros testemunhos de ternura e bondade. Quantas histórias edificantes a seu respeito, marcadas de encanto e paz poder-se-iam contar. Ao preservar sua memória, sirvam-nos de lição as sábias palavras de Santa Bernadete, testemunha dos acontecimentos, em Lourdes: “Quando se for escrever a história daquilo que aqui aconteceu, deve-se procurar ser fiel.” Ao recordar Dom Nivaldo, a verdade que desponta diante de todos é a de um homem místico, irradiando simplicidade, sabedoria, otimismo, acolhimento e perdão. Era um ardoroso defensor da natureza, filha esplendorosa de um Deus do silêncio eloquente. Aqueles que se dedicam à paz e justiça brilharão para sempre como estrelas. No firmamento celeste, cintila uma luz que nos acalenta: Dom Nivaldo. Exemplo e incentivo para os cristãos e o povo potiguar, que tanto amara. Em reconhecimento e gratidão a tudo o que ele foi e realizou, a Câmara Municipal de Parnamirim, aprovou a Lei 2.307/22, denominando Dom Nivaldo Monte uma rua de Emaús, que ladeia sua antiga granja, localizada às margens da BR 101. Dom Nivaldo, em seu despojamento, homenageando a terra que cultivara, descansa no solo que abençoou. Era um sacerdote em permanente comunhão com Deus e as criaturas. Ver um arcebispo inumado de forma tão simples e telúrica, talvez cause surpresa a alguns. Cumprindo seu desejo, na lápide tumular constam apenas seu nome, as datas de nascimento e partida para a eternidade e seu lema episcopal em latim. Faz-nos lembrar Léon Bloy: “Quero para mim a beleza, a quietude e o silêncio do Infinito.” Nosso inesquecível arcebispo não quis ser sepultado em igreja. Ali, não haverá colibris em voo rasante, saudando o santo e sábio que descansa no chão sagrado de Emaús. Nos templos, faltaria o brilho do sol aquecendo sua última morada, nem flores para perfumá-la. Em Emaús, as mãos orantes e piedosas das irmãs contemplativas e adoradoras eucarísticas (Filhas de Sant’Ana) depositam em seu túmulo girassóis (que especialmente o encantavam), rosas e preces de gratidão por todo o seu amor à Igreja de Cristo. Sobre ele, poder-se-ia aplicar a frase evangélica: “In finem dilexit”, ou seja, “Amou até o fim” (Jo 13, 1).

quarta-feira, 23 de outubro de 2024

Itinerário místico-espiritual de Clarice Lispector Padre João Medeiros Filho Em sua infância, Clarice Lispector, de origem ucraniano-judaica, aportou no nordeste do Brasil e aqui ficou. Começou a escrever despretensiosamente por pura inspiração. Vem se tornando objeto de inúmeros estudos universitários e não acadêmicos. Muito se tem dito sobre essa artista da palavra. A linguística e a literatura estudam-na sob vários enfoques. Clarice buscou uma linguagem especial para expressar o estado da alma, utilizando o monólogo e a análise psicológica. Por isso, é considerada uma escritora intimista. A filosofia perpassa pela sua obra. Ultimamente, a teologia tem se voltado para o seu pensamento e legado literário. Há uma percepção teológica de que ela é uma apaixonada pelo mistério de Deus. Seus escritos, especialmente “Paixão segundo G. H.” – que consoante estudiosos parece ser uma metáfora romanceada – desvelam uma intimidade com o Transcendente. Seus leitores e críticos, por vezes, ficam perplexos com a verve espiritualizante de alguns textos. Quem a conheceu de perto declara se tratar de uma mística no pensar, viver e escrever. Talvez, ela não concordasse com tal afirmação. Porém, o leitor é levado a concluir dessa maneira, quando lê os seus textos. Neles transpiram espiritualidade e busca do Eterno. Santo Tomás de Aquino denomina “Cognitio Dei experimentalis” (conhecimento experimental de Deus). Para Jacques Maritain é “a experiência do Absoluto.” Cabe salientar que os ucranianos são dotados de profunda religiosidade, professando a fé judaico-cristã, por meio de ritos cristãos orientais de tradição bizantina ou pelo culto nas sinagogas. Exemplo dessa espiritualidade é a existência de duas dioceses (eparquias), contando mais de trezentos mil ucranianos (e descendentes), nas cidades de Curitiba e Prudentópolis (PR). Na leitura atenta da “Paixão segundo G. H.” – denominada por certos pesquisadores de “Paixão do Gênero Humano” – verifica-se o itinerário de despojamento interior que deságua na comunhão com o Transcendente. Há no desenrolar de seus escritos um arrebatamento interior, digno de Teresa d’Ávila e João da Cruz. É patente o processo ascético e purificador, que prepara o seu íntimo, modificando sua concepção do mundo e da vida. Nesse processo existe permanentemente a “mão invisível que me sustenta”, como escreveu, referindo-se a G.H. Esta já não depende mais de si mesma, mas daquele braço que a segura. Assim, suplica: “Ah, não retires de mim a tua mão.” Parece o brado do salmista: “Levanta-te, Senhor, ergue a tua mão e não te esqueças dos que sofrem” (Sl 10/9B, 12). Em determinado momento, acontece o percurso em direção ao Deus que a chamava. Clarice coloca nos lábios de seu personagem estas palavras, que são uma confissão da alma: “Eu estava em pleno seio de uma indiferença que era quieta…, de um Deus que, se eu amava, não compreendia o que Ele queria de mim.” Aqui, poder-se-ia encontrar análoga angústia interior que queimava o coração e as entranhas de Agostinho. No meio da luta e provação, da busca e do pranto, sente que a misericórdia divina vem socorrê-la. “E no soluço veio a mim o Deus que me ocupa toda agora.” Ele penetrou em seu âmago e ela sentiu – como o Bispo de Hipona – que Deus não estava distante, mas dentro dela. Nos relatos metafóricos do romance de Clarice, inicia-se o diálogo entre o Criador e aquela que O procurava. Nos textos claricianos percebe-se claramente sua sensibilidade espiritual e suas raízes judaicas, que esperam pelo Senhor, à semelhança do salmista: “Das profundezas, Senhor, eu clamo a Ti, escuta a minha voz” (Sl 130/129). É o mesmo sentimento de Moisés, ao perceber a inebriante presença de Javé, diante da sarça ardente, no Monte Horeb, como consta do Livro do Êxodo (Ex, 3, 1 ss). Lispector encontrou, através da palavra escrita, o rosto do Todo-Poderoso, que tanto buscava ao longo de sua vida. E, paulatinamente, Ele se revela em seu mistério jamais totalmente desvelado. Na ucraniana-brasileira confirmam-se a veracidade e a força daquilo que proclama o salmista: “Em Ti eu confiei, não ficarei envergonhado.” (Sl 25/24, 1-2). O contato com a escritora poderá nos ensinar a desviar da onda que banaliza o Divino e a descobrir cotidianamente as manifestações do Mistério inefável de Deus. “Tenho a Ti, Senhor, nada mais quero sobre a terra” (Sl 73/72, 25).

terça-feira, 15 de outubro de 2024

RELEMBRANDO OS OITOCENTOS ANOS DE ASSIS Valério Mesquita* Mesquita.valerio@gmail.com Foi o momento mais terno e denso do senado da república. Nunca, lá, havia presenciado cenário semelhante. O senador Pedro Simon, tal qual um anjo da noite, discorreu da tribuna sobre a vida e o exemplo do santo e cidadão Francisco de Assis, que celebra oitocentos anos de existência. O notável parlamentar gaúcho, elaborou um texto que emocionou a todos. O fundador da Ordem Franciscana, segundo ele, reeditou no tempo, através da caridade e do sofrimento, a vida do próprio Jesus Cristo, somente tendo lhe faltado as chagas da crucificação e a eugenia do Criador que somente o Filho Unigênito recebeu. Num plenário calcinado por gestos menores, por retaliações pessoais, viu-se uma luz, um momento santificado, como se Deus ali tivesse permitido uma trégua. Como o Congresso Nacional se ergueria se recitasse e fizesse da oração de São Francisco o instrumento de sua paz e o encontro com a verdadeira missão de legislar em favor dos mais pobres? Na primeira década de 1.200, Francisco de Assis elaborou a sua carta a todas as nações da época, suplicando ajuda para estancar a fome e curar as doenças. Hoje, como ontem, Pedro Simon relembra o fato no sentido desse documento ser revivido entre as autoridades do país, em favor dos pobres, enfermos e oprimidos. O santo italiano era de origem burguesa. Seu pai, rico comerciante, não entendeu quando o filho abandonou toda a riqueza para criar no mundo a mais completa situação de humildade e caridade cristã: a “pobreza franciscana”. Ao final, num verdadeiro toque mágico e sobrenatural, a palavra de Simon se alçou ao patamar superior do seu grande mérito. Enquanto no mundo hodierno, os mais poderosos países do mundo sacam verdadeiras e colossais fortunas de bilhões de dólares para socorrer os papéis podres do mercado financeiro e bancos gananciosos – a humanidade pasma e estarrece ao concluir quanta fortuna as nações ricas armazenam em detrimento de milhões de seres humanos que passam privações e morrem de fome. Esta é a grande reflexão a ser feita nesses oitocentos anos da vida de Francisco de Assis. A sovinez, a avareza, a indiferença dos governantes de hoje pelo sofrimento humano são de causar revolta, asco, choro e genuflexão contrita de perdão ao Pai Eterno pelo equívoco da raça humana. O senado brasileiro, naquela tarde/noite, pela voz gaúcha de pregador do senador Pedro Simon lembrando versículos, capítulos, salmos e epístolas, como se fosse de um novíssimo testamento, tornou-se, por instante, num templo de santidade e de denúncia contra o mundo moderno de perversidade e contradições. Vi a minha paz cósmica satisfeita. (*) Escritor
MUNDO PATOFÓBICO Valério Mesquita* Mesquita.valerio@gmail.com Tenho me questionado ultimamente com o surgimento de inúmeras epidemias funestas nos últimos vinte anos. Umas nascidas na Ásia e outras na África, vitimando milhares de pessoas. Não vou discutir os aspectos científicos ou caracterológicos dessas pestes que devastam ao meio dia, no dizer do Salmo 91. O céu celebra triunfo sobre o pecado? Pode-se levar o diagnóstico da aids e das febres (gripes) do frango, do macaco, das ovelhas, dos porcos, da vaca-louca, para o plano religioso? O que está acontecendo com o novo século? Apesar do avanço excepcional da medicina em todas as especialidades no mundo inteiro, novas viroses inexplicáveis surgem para desafiar a ciência como se ela sempre devesse permanecer desafiada? Às vezes, penso que há algo apocalíptico nesse pretenso determinismo que desafia a capacidade terrestre. “Eu sou o Alfa e o Omega”, diz o Senhor Deus, aquele que é, que era e que vem, o Todo-Poderoso, fala o Apocalipse. Estaria a tecnologia do mundo moderno destruindo o homem através dos novos tipos de gêneros alimentícios inventados para aumentar a cadeia de produção industrial de carnes? Isso porque a “epidemia do frango” nasceu em países superpovoados e não em outros de menor densidade territorial! E a inteligência artificial é benéfica ou maléfica? Em breve, serão os peixes dos oceanos. As frutas, os cereais, as flores, as roupas, os brinquedos, porque o terrorismo já exporta mulheres e homens bombas que explodem shoppings e sinagogas. Volto a perguntar: por que as pestes provêm dos bichos? Daqui à pouco, irão aparecer a febre do veado-louco, a peste da burra-cega, a fúria da pomba-gira, e, por aí vai, zoologicamente, na agonia aflita e singular do homem que animalizou os traços e os gestos. Diante de tudo, imagino, que cabe um estudo sociológico, religioso, científico e econômico, sobre a matéria que envolve toda a humanidade. A sua trajetória, pelo menos. Febres, gripes, epidemias, pestes, desde a Antiguidade existem, dizimando civilizações e todos com uma história, uma raiz, uma geratriz em cada época, em cada tempo. Só que, agora, essas doenças têm outras patogenias ou patologias. O homem envenenou o mundo em todas as linhas de produção animal, vegetal e, principalmente, na cadeia alimentar. Os cientistas, os pesquisadores e os historiadores com a palavra. Do contrário, vou consultar em vão a Anvisa, o oráculo de todos os mistérios invisíveis do país. Outras pestilências arrasadoras estão chegando de Brasília. Ainda sem vacina. Elas se alçam a Covid, a Influenza, a Dengue, a Zica e a Chikungunya. É a PEC dos benefícios do alimento, do caminhoneiro, do taxista e por aí vai. A Câmara Federal é a tenda dos milagres dessa pirataria eleitoral. Depois de parir o famoso “orçamento secreto”, a ser pago em módicas prestações. Ali tudo é de Babá, tudo pode, devagar, devagarinho... E no comando, Arthur da Távola tocando a sua lira no trono da presidência. Quarenta e hum bilhões de reais descendo pelo ralo. Quantos na história do Congresso Nacional não “comeram bola” para votar ou relatar processos escusos para favorecer governos ou grupos? E, por extensão, no próprio judiciário, na administração pública em geral, além de outros segmentos punitivos institucionais? Aí, estão os exemplos marcantes e lamentáveis dos escândalos verificados no Banestado, no INSS, nos Ministérios da Saúde, da Educação, no TRT de São Paulo, Valdomiro Diniz, Sérgio Naya e um elenco imenso de predadores dos cofres públicos que a Lavajato revelou! Tudo passou dentro de um criminoso prazo de validade. “Nada do que foi será de novo do jeito que já foi um dia. Tudo passa, tudo sempre passará”. Oremos. (*) Escritor.

terça-feira, 8 de outubro de 2024

A gratidão, virtude esquecida Padre João Medeiros Filho A gratidão é uma das grandes virtudes humanas. Santa Teresa de Calcutá a definia como “delicadeza da alma.” Esopo a chamou de “virtude das almas nobres”. Jesus tratou do assunto com os apóstolos. Lamentou a ingratidão. Pode-se ler no evangelho de Lucas o relato da cura dos dez leprosos por Cristo (Lc 17, 11-19). Foram agraciados, após a súplica: “Mestre, tem compaixão de nós” (Lc 17, 13). Um deles, ao perceber que havia sido curado, voltou glorificando a Deus. Prostrando-se aos pés do Senhor, agradeceu-Lhe. Então lhe foi perguntado: “Por acaso, não foram dez os curados? E os outros nove, onde estão?” (Lc 17, 17). Jesus ressaltou que apenas o samaritano voltou para render graças pela cura. Mostra-nos que a sensibilidade humana não é determinada pela raça, religião, cultura, nível de instrução ou condição social. É fruto de cultivo da personalidade e ajuda da graça divina. Ser grato transforma nosso coração, ilumina e amplia a nossa visão. Permite-nos entender a vida de modo diferente. Quem dá, participa do mistério do Pai Celestial, que concede tantos bens e graças a seus filhos. Agradecer é a consciência dessa gratuidade. “Senhor, deste-me tanto em minha vida. Dá-me uma coisa a mais: um coração agradecido”, rezava o poeta galês George Herbert. Saber agradecer faz crescer no coração do homem o sabor pela bondade. Ajuda-nos a eliminar sentimentos que obscurecem a mente, fecundando o desejo de ser generoso. Dissipa aquilo que enfraquece a compaixão ou aumenta a indiferença. Ajuda a vencer a soberba e a inveja, bem como tantos vícios e erros de uma sociedade que adota dinâmicas desastrosas de disputa, mentira, injustiça e ódio. São Francisco de Assis escreveu que “a gratidão é uma das moedas mais difíceis de ofertar na vida.” Por isso, preocupava-se sempre em ser grato a tudo e a todos. Agradecia ao irmão sol por aquecê-lo e proporcionar vida à terra. Ao irmão vento, por acariciá-lo e à natureza nos dias de calor. À irmã lua por brilhar e enfeitar as noites. Ao irmão sofrimento, que lhe permitia aprendizados sobre o viver humano. O exemplo do “Poverello” remete-nos a profundas reflexões neste tempo em que predominam insensibilidade, utilitarismo, desrespeito e desprezo pelo outro. Na desenfreada busca por sobrevivência e sucesso, vivemos encastelados, envoltos em problemas e desafios. Nesse tumulto de compromissos e dificuldades, não paramos para perceber tudo aquilo que Deus nos regala e, egoisticamente, esquecemo-nos do agradecimento. Os amores dos filhos e netos que, aconchegados em nossos braços, parecem amainar as dores da alma, quem no-los ofertou? A possibilidade do progresso profissional e amadurecimento humano, as chances de desenvolvimento do intelecto, a paz interior, o bem-estar do espírito, quem nos concede? O corpo que é nosso instrumento de expressão, trabalho, convivência, emoções, quem no-lo presenteou? E nós, mal nos damos conta da grande bênção da saúde, quando nossa corporeidade, apesar das deficiências ou limitações, oferece-nos oportunidades riquíssimas. Temos o costume de ser gratos a Deus e à vida pelas nossas conquistas e alegrias? E por que não sermos também agradecidos ao Pai pelo mal que não nos atingiu, pelas dores que não precisamos suportar? E mesmo que os dias difíceis nos cheguem à jornada terrestre, agradeçamos a dor, que lapida a alma imperfeita, fazendo brotar virtudes que ainda permanecem latentes em nossa intimidade. Deveremos sempre recordar que dependemos da bondade e misericórdia do nosso Criador, o qual nos sustenta na caminhada da via. Foi comovente a história de um idoso italiano, vítima do coronavírus quando, após a alta hospitalar, foi-lhe cobrado um valor alto pelo uso de oxigênio. Chorou efusivamente e exclamou: “Sou um ingrato, tenho isso dias e dias, anos e anos, gratuitamente e não percebia. Deus nunca me pediu nada em troca.” A gratidão será o sentimento que nos inundará a alma de bênçãos divinas, doce quietude e suave luz. Aqueles que a têm adormecida, é preciso despertá-la. É necessário cultivá-la e manifestá-la. Por se tratar de uma virtude cristã, os pastores devem lembrar sempre a sua importância e praticá-la. Digamos como o salmista: “Dai graças ao Senhor, pois Ele é bom. Sua bondade é infinita, incomensurável a sua misericórdia” (Sl 118/117, 1).

domingo, 6 de outubro de 2024

Às vésperas das eleições Padre João Medeiros Filho Em breve, as eleições municipais. O descrédito de muitos brasileiros pelos seus políticos é impactante, principalmente quando se trata de partidos e convicções ideológicas. Eles não servem ao povo, servem-se dele. Revelam-se incapazes de construir o bem comum. Engajar-se pela dignidade do ser humano é o único caminho para superar o menoscabo e a rejeição pelos que cuidam da “res publica”. Não se recupera a credibilidade com a simples presença de pessoas probas. É preciso identificar nelas atos benéficos, que estabeleçam elementos determinantes para o bem-estar do povo. Dom Eugênio Sales, no III Simpósio para Pessoas de Poder Decisório, acontecido no Sumaré/RJ, dissera: “Quem se decidir pela vida pública, não pode desprezar a pessoa humana, imagem de Deus.” E arrematou com palavras de São Cipriano de Cartago (210-258), inspiradas no evangelista João: “É mentira chamar Deus de Pai, quando não se tem o sentimento de que o outro é realmente irmão.” A Encíclica “Fratelli Tutti” indica o papel dos autênticos líderes: “Interpretar a vontade do povo para agir em favor dele.” Apenas lideranças qualificadas contribuem para alicerçar um projeto duradouro de bem comum. Por isso, têm a incumbência de admitir a prioridade do ser humano, para o qual existe a sociedade. No exercício da autêntica política exige-se o inegociável propósito de discussões honestas, buscando verdadeiramente defender causas legítimas e justas. Os homens públicos devem orientar-se pelos direitos e necessidades da população, outorgante e mandatária legítima de seus poderes. Importa nessa perspectiva que os interesses partidaristas sejam relativizados. É imprescindível que os atores políticos estejam sempre imbuídos de honestidade material e intelectual, colocando em plano secundário as preferências meramente ideológicas. A política é válida, se construir uma comunidade justa, fraterna e solidária. Desvia-se de seus objetivos, quando propostas e atos contemplam prioridades de grupos. Da mesma forma, é deturpada ao se governar apenas para os sequazes. A consequência é o favorecimento de poucos, sobrando à maioria migalhas e sobejos. Não se tem conseguido penalizar aqueles que exploram, amesquinham e perseguem o povo, colocando vidas em risco pela desassistência e submissão a situações vis, análogas à escravidão. Tudo o que fere o bem comum é desumano e anticristão, negando peremptoriamente a natureza da política. Merece atenção especial a desigualdade social no Brasil com seus vergonhosos e degradantes cenários para a cidadania. Gera exclusão e aprisiona os cidadãos com preconceitos e discriminações. O populismo insano é outra ameaça deletéria. Quem o pratica, busca atrair adeptos para massificar o povo. É aviltante, pois coisifica o indivíduo. Atualmente, fala mais alto o projeto pessoal de permanência ou volta ao poder. Esta é a tônica de vários candidatos. É muito grave, quando esse populismo favorece inclinações ignóbeis de grupos e facções. Detestável ainda é tentar submeter instituições e indivíduos ao servilismo. O candidato integro permanece aberto a críticas construtivas e mudanças autênticas, enriquecedoras para o homem. Governantes e legisladores detêm a responsabilidade de oferecer às pessoas meios para sua realização como criaturas humanas. Por isso, é necessário aniquilar os contrastes. Os que estão no poder não estão autorizados a renunciar ao indispensável desafio de ajudar a construir um modelo de sociedade. Esta tem o dever de assegurar a todos o direito ao exercício da cidadania, partindo de suas peculiaridades. Há quem pense que ser líder é calar, manipular, “lacrar” e destruir os outros. Aqueles que se dedicam à vida pública são chamados a novos aprendizados para reconstruir a Pátria. “A política bem exercida é a forma mais alta da caridade”, afirmava Pio XI, seguido pelos últimos papas. Quem a exerce terá de se imbuir dos ensinamentos bíblicos: “Ninguém busque seu próprio interesse, mas o do outro” (1Cor 10, 24). Os municípios estão nas mãos dos eleitores. Às igrejas cabe unir e não dividir. Aos pastores a tarefa de respeitar, iluminar e nunca aliciar. Neste final de campanha eleitoral, mister se faz que os cristãos reflitam muito e supliquem a Deus pelos futuros eleitos, responsáveis pelos destinos de nossa gente. É preciso que saibam “conduzir o povo com justiça e equidade” (Is 32, 1), “pois quando os justos são maioria e governam, o povo se alegra” (Pr 29, 2).

quinta-feira, 26 de setembro de 2024

Solidão, presença indesejável Padre João Medeiros Filho A solidão, ausência de companhia e interlocução, marcada pelo isolamento, é algo doloroso. Existe o risco de levar alguém à depressão e morte. Faz-nos pensar na música de Vinícius de Moraes e Toquinho “Um homem chamado Alfredo”. Este contava tão somente com a companhia de um papagaio e um gato de estimação. Desistiu de viver, inalando gás de cozinha. Dizia-se cansado da vida, por não ter ninguém com quem falar, alguém para amar, uma mão para apertar. Entediou-se com sua invisibilidade e existência que não atraía ninguém. A solidão é um dos grandes males testemunhados nos dias de hoje. Pode acontecer em um pequeno quarto ou sentida em meio às multidões que passam e não veem, escutam e nem se dão conta de que ali há um semelhante com sentimentos, sonhos e desejos. “É solitário andar por entre a gente”, desabafava Camões num soneto. Os seres humanos são relacionais, necessitando da presença e interação de outrem para viver. O isolamento acaba destruindo uma pessoa, prematura ou repentinamente. O governo britânico criou o Ministério da Solidão, ao constatar que o Reino Unido invertia a corrida mundial pela longevidade, apresentando índices de mortalidade precoce em seus cidadãos. Tornou-se para os ingleses problema de saúde e política pública. Carecia de um órgão para cuidar dessa nova situação humana. Suas maiores vítimas são os idosos. Há cidadãos que já não contam mais no mapa da produtividade, contribuição social e beleza. Têm suas atividades físicas limitadas. Segundo os versos de Vinicius, “andam com os olhos no chão, pedindo perdão por existir e incomodar.” São impotentes, não tendo a quem pedir socorro, quando se aproximam do abismo da depressão. Esse grupo avolumase nas aglomerações modernas. A longevidade aumenta e não se morre mais no apogeu da existência ou na flor da idade. Nestes casos, a partida era sentida e pranteada. Na velhice, o óbito poderá deixar um alívio para alguns. Os solitários de hoje são majoritariamente os idosos, órfãos de filhos vivos, esquecidos pela família. Não raro, os descendentes e familiares moram longe, acarretando dificuldade financeira e de deslocamento para visitá-los. Ou, porque atrapalham a ânsia de lazer e consumo que predomina na nas gerações atuais. Quem vai querer um velho incomodando um fim de semana de festas, comemorações e programas? E o idoso fica em casa, geralmente pequena e sem muitos recursos. Onde estão os amigos do ancião? Muitos, doentes; vários já partiram. E os recursos para passeios e diversão? As aposentadorias são parcas, mal dão para comprar comida e remédios. Os filhos ajudam? Provavelmente. Nem sempre com o suficiente. Há outras prioridades, como levar as crianças a Disney, esquiar na Europa, divertir-se em casas de campo ou de praia, bem como frequentar restaurantes badalados. E assim, o final de muitos idosos é marcado de Alzheimer, confinamento em algum asilo, tristeza com a presença domiciliar de um cuidador impaciente ou improvisado. A solidão cresce com a diminuição das energias, o desaparecimento dos círculos de amizade. Em muitas cidades brasileiras há ainda o agravante da violência e insegurança, impedindo o hábito de um contato assíduo. Os vizinhos cuidam cada um de sua casa, vida, família etc. Alguns solitários se apegam a animais. Alfredo tinha um louro e um bichano que estimava. Quando morre o companheiro de bico ou quatro patas, a dor é equivalente à perda de um parente. O idoso sente-se descartado por uma sociedade, que não previu um lugar para ele, por uma família que progressivamente o abandona e esquece. É necessário tornar-se mais humano, aprendendo a povoar a vida do semelhante. Cristo prometeu aos apóstolos: “Não vos deixarei sozinhos” (Jo 14, 15). E acrescentou: “Estarei convosco todos os dias” (Mt 28, 20). O cristianismo é comunhão, pois é trinitário. Solitários não, e sim solidários somos chamados a ser! Isso implica em estar atento ao outro, à sua tristeza e dor, a seus anseios e alegrias. Na solidão, o ser humano mergulha dentro de si mesmo numa autodefesa contra o isolamento a seu redor. Toma consciência de sua pouca importância no mundo externo. Mas, Deus assegura-nos sua permanência a nosso lado: “Não temas, porque eu estou contigo” (Is 41,10).
O NOVO CÓDIGO PENAL Valério Mesquita* Mesquita.valerio@gmail.com Por mais que o governo estadual distribua carros pelas Delegacias de Polícia dos municípios do Rio Grande do Norte, o índice de assaltos e assassinatos não cairá. Por mais que a União adquira armas e munições para as delegacias de polícias, não diminuirá a frequência de estupros e furtos de veículos nesse Estado. Por mais que a governadora aumente o efetivo da gloriosa Polícia Militar, botando nas ruas novos soldados, cabos e sargentos, não estancará a violência das ruas contra taxistas, motoristas de aplicativos, turistas, crianças, mulheres e adolescentes. Por mais que as autoridades da Justiça e da Segurança ampliem ou construam novas penitenciárias, promovam debates e falem em cidadania, não baixará a escalada dos furtos a bancos, agências de correio e residências. Mas, apenas um gesto, uma ideia, uma lei pode conter em muito, isso tudo. Um novo Código Penal, conciso, limpo, pragmático parecido com o modelo norte-americano. O criminoso tem medo da pena e não da polícia. Mas, aí se dirá: e nos EEUU isso deu certo? Deu. A repressão e o castigo são implacáveis. Por uma simples acusação de assédio sexual o ex-presidente Clinton passou pelo constrangimento num tribunal de ficar cara a cara com a acusadora. Acabar com a criminalidade por total é impossível. Ela pode ser atenuada. Todavia no Brasil, existem os fatores de terceiro mundo que são fundamentais: a miséria, as drogas, a corrupção política, o desemprego, o ensino público deficiente, a “cultura dos nossos colonizadores” e os Direitos Humanos torcendo mais pelo marginal do que pela polícia. Gangs de jovens matam e assaltam sob o manto protetor do inimputável e frágil Estatuto da Criança e do Adolescente. Agora, o Congresso quer resolver a irresponsabilidade do trânsito que mata mais no Brasil do que as doenças do coração. Depois de anos de equívocos acumulados, de equiparem carros com sirenes e bafômetros, de modernizarem semáforos e erguerem lombadas, refletiram sensatamente que o problema estava na fraca legislação. O criminoso do trânsito estava fora do Código, fazendo “cavalo de pau!”. E nos ilícitos penais contra a vida e o patrimônio? E o estupro, o seqüestro, por que o novo Código Penal que o Congresso Nacional deve ao povo brasileiro não contempla uma punição rigorosa contra esses animais? Passamos por essa provação de impunidade, de reincidências por que a cultura jurídica brasileira foi toda chantada na lei Fleury, aquela na qual você mata e vai pra casa lavar o rosto e defecar o crime, que desce no primeiro aperto do botão da descarga. Ela constitui um capítulo anunciado na carta de Pero Vaz Caminha. Vivemos um tempo de espanto. De horror. Custódia é uma meretriz sedenta por impunidade nas salas de audiência. Ante o espanto de um deputado empobrecido e de alma dilacerada preciso recuperar minha autoestima. Deduzo que a burguesia não fede. Abomináveis são as rugas da sua infinita vaidade e grave é a insensibilidade estampada no horário eleitoral. Enquanto isso, nós, eleitores enganados pelas emendas parlamentares, continuaremos vendo o desperdício do dinheiro público. Para encerrar, após um chatérrimo fim de semana de longa travessia do horário eleitoral, lembrei-me que até agora as autoridades da saúde, nada fizeram para enfrentar a crise do hospital Walfredo Gurgel. Enquanto isso, no fundo eleitoral tem dinheiro pra tudo! Essa vida é mesmo um ziguezague de contradições. Os pobres continuam gemendo nas filas de cirurgia sob o peso da matéria maldosa do escárnio, do desprezo e da desfaçatez. (*) Escritor.
Setembro, o mês da Bíblia Padre João Medeiros Filho No Brasil, é tradição da Igreja católica dedicar setembro à Sagrada Escritura, em homenagem a São Jerônimo (347-420 d.C), cuja festa litúrgica é celebrada no dia trinta desse mês. Ele foi o primeiro a traduzir a Bíblia dos textos originais (hebraico, aramaico e grego) para a língua latina (predominante nas comunidades cristãs ocidentais da época e idioma oficial da liturgia). A tradução passou a ser denominada Vulgata. O mês temático tem um papel catequético e pedagógico: incentivar os católicos à leitura e meditação dos textos sagrados: Pão da Palavra, na expressão de exegetas e hermeneutas. Na história do catolicismo, a Bíblia nem sempre pôde estar nas mãos dos fiéis. Após o Concílio de Trento (1545-1563) – a fim de evitar interpretações inidôneas ou inexatas – era necessário obter autorização da autoridade diocesana para ler os Livros Sagrados. Isso não ocorreu sem consequências. Assim, o conhecimento e o estudo da Bíblia não se tornaram um hábito comum entre católicos. Hoje, essa realidade vem mudando, graças a iniciativas, tais como os círculos bíblicos, a leitura orante dos Livros Inspirados, a liturgia da Palavra na Eucaristia e administração dos sacramentos. Há todo um trabalho para fortalecer a consciência de que a Sagrada Escritura “é lâmpada para os [...] pés e luz para as [...] veredas” (Sl 119/118,105). No Livro de Ezequiel, Deus ordena ao profeta: “Come o que tens diante de ti! Come este rolo [pergaminho] e vai falar à casa de Israel... Eu o comi, e era doce como mel em minha boca” (Ez 3,1.3). O episódio descrito faz parte do contexto da vocação profética daquele hagiógrafo. O relato mostra-nos o poder de alimento da Palavra Divina. Em várias passagens do Antigo Testamento há uma exortação expressa para que se medite, dia e noite, a Lei do Senhor, como verdadeira orientação para uma vida digna diante do Criador. O evangelho de Mateus (Mt 4, 4) relata Jesus citando o Deuteronômio: “não só de pão vive o homem, mas de tudo o que sai da boca do Senhor” (cf. 8, 3). É muito simbólica a postura de Ezequiel, ao comer o Texto da Lei (Torá). Explicita bem a importância de se nutrir daquilo que Deus transmitiu e daí pautar nosso viver e agir. Os escritos sagrados revelam-nos um infinito de experiências ricas do ponto de vista espiritual, místico e cultural. A diversidade de gêneros e estilos literários, linguagens e perspectivas teológicas faz desse Livro uma biblioteca. Alimentar-se de tais escritos é enriquecer-se não só espiritual, mas também culturalmente. O conhecimento da Bíblia leva os fiéis a mergulhar num universo tão vasto e precioso, sendo impossível não se apaixonar por ela. O Concílio Vaticano II mostrou a importância da Igreja da Palavra, que igualmente é Igreja da Eucaristia. Ambas são sacrários de Cristo. Não se pode esquecer que, durante séculos, o Povo de Deus se nutria fundamentalmente da Palavra. Não havia sacramentos. Ainda hoje, várias comunidades (sem ministros ordenados) não dispõem dos gestos sacramentais. O grande alimento é a Sagrada Escritura. Afinal, somos também a Igreja da Palavra. É salutar celebrá-la em nossas residências meditando-a e permitindo que ela transforme todos, tornando-os cada vez mais semelhantes a Cristo, Verbo de Deus que se “fez carne e habitou entre nós” (Jo 1, 14). Jesus é o Salvador, consequentemente sua Palavra é Salvação. O domingo e mês da Bíblia são uma excelente oportunidade para a mudança de algumas práticas religiosas. É preciso crer plenamente que fortalecidos também pela Palavra do Senhor somos edificados como Igreja. Portanto, celebrá-la tem um valor inestimável. Por ela somos providos pelo Deus da Vida. “Ah, se hoje ouvísseis a sua voz”, anseia o salmista (Sl 95/94, 8). Convém dedicar igualmente tempo para beber das fontes divinas na liturgia cotidiana da igreja doméstica. Celebrar a Palavra em casa, sobretudo no Dia do Senhor, com os familiares, é ter a certeza de que se fará a experiência do Cristo Ressuscitado. Diante de tanta riqueza espiritual, a resposta de Pedro – quando instado pelo Mestre se iria abandoná-Lo – foi contundente: “A quem iremos, Senhor, só Tu tens palavras de vida eterna” (Jo 6, 68).

quinta-feira, 19 de setembro de 2024

A 5ª DIMENSÃO DO ESTRESSE Valério Mesquita mesquita.valerio@gmail.com Tudo incomoda o vivente. O sobrevivente. Provar a sensação amarga da guerra perdida. Contemplar do alto do edifício urbano as maiorias fúteis impondo iniquidades sobre Natal. O ter que habituar-se com a visão torta e vesga dos poderosos de plantão que impõem suas regras pela mídia. Natal sem becos, sem esquinas boêmias, sem praças, sem preces, povoadas de vultos inexpressivos que não serão falados amanhã. Extraviaram a noção de história. Os anos inaugurais do século XXI, não têm o glamour dos fatos e das figuras do século passado. O homem coisificou-se. Perdeu a densidade, a identidade, a musculatura dos gestos e dos passos que fazem história. Na política, não temos mais líderes como antigamente: os neófitos já significam os náufragos que irão morrer amanhã. A paisagem é deserta. As instituições se burocratizaram em blocos de ferro e cimento armado. Não têm mais lume nem leme. “Igrejinhas” tão somente. Não sei se há esperança. Não sei se há salvação. A única ameaça à ordem constituída continua a ser o câncer de próstata. Muitos acreditam que é o maior desafio ainda não enfrentado pelo Ministério Público. Por outro lado, Natal a cada dia, fica mais insuportável com a quantidade de veículos. De motos. Principalmente aquelas que cortam o seu carro pela direita. Mas, assim caminham as capitais, as metrópoles para o futuro enganoso oferecido pelas imobiliárias. O ensino público e privado mercadejou-se tanto quanto o turismo sexual. Perdeu a qualidade. E viva a quantidade. Fortunas repentinas arremetem-se para o alto iguais ao crescimento vertical da cidade. Não há explicação. Não há investigação. Tudo é volátil e volante. Expresso em arcos voltaicos celebrados na crônica social. É aí que se deduz que toda celebridade quando não é célere, é celerada. Ou fazem de cômicas todas as autoridades. Saio de mim para penetrar na imponderabilidade do oceano que assiste, lá fora, a decomposição humana. A visão misteriosa do oceano pacífica e beatifica o pecador solerte, já dizia o décimo terceiro apóstolo de Cristo, perdido no tempo e no espaço, ainda acreditando na grandeza do último milagre. Mas, estresse é coisa séria. Pode ser trágico, para não dizer cômico. Não há como escapar de suas ilações, reações adversas e efeitos colaterais. Mas, que Natal está chata e irreconhecível, infelizmente é verdade. Tenho ultimamente pensado muito em Lucrécia. As duas. A Bórgia e a do Oeste. São pontos de fuga. Estações de tratamento para os dias. Os mesmos dias. (*) Escritor.

quarta-feira, 11 de setembro de 2024

Solidão, presença indesejável Padre João Medeiros Filho A solidão, ausência de companhia e interlocução, marcada pelo isolamento, é algo doloroso. Existe o risco de levar alguém à depressão e morte. Faz-nos pensar na música de Vinícius de Moraes e Toquinho “Um homem chamado Alfredo”. Este contava tão somente com a companhia de um papagaio e um gato de estimação. Desistiu de viver, inalando gás de cozinha. Dizia-se cansado da vida, por não ter ninguém com quem falar, alguém para amar, uma mão para apertar. Entediou-se com sua invisibilidade e existência que não atraía ninguém. A solidão é um dos grandes males testemunhados nos dias de hoje. Pode acontecer em um pequeno quarto ou sentida em meio às multidões que passam e não veem, escutam e nem se dão conta de que ali há um semelhante com sentimentos, sonhos e desejos. “É solitário andar por entre a gente”, desabafava Camões num soneto. Os seres humanos são relacionais, necessitando da presença e interação de outrem para viver. O isolamento acaba destruindo uma pessoa, prematura ou repentinamente. O governo britânico criou o Ministério da Solidão, ao constatar que o Reino Unido invertia a corrida mundial pela longevidade, apresentando índices de mortalidade precoce em seus cidadãos. Tornou-se para os ingleses problema de saúde e política pública. Carecia de um órgão para cuidar dessa nova situação humana. Suas maiores vítimas são os idosos. Há cidadãos que já não contam mais no mapa da produtividade, contribuição social e beleza. Têm suas atividades físicas limitadas. Segundo os versos de Vinicius, “andam com os olhos no chão, pedindo perdão por existir e incomodar.” São impotentes, não tendo a quem pedir socorro, quando se aproximam do abismo da depressão. Esse grupo avolumase nas aglomerações modernas. A longevidade aumenta e não se morre mais no apogeu da existência ou na flor da idade. Nestes casos, a partida era sentida e pranteada. Na velhice, o óbito poderá deixar um alívio para alguns. Os solitários de hoje são majoritariamente os idosos, órfãos de filhos vivos, esquecidos pela família. Não raro, os descendentes e familiares moram longe, acarretando dificuldade financeira e de deslocamento para visitá-los. Ou, porque atrapalham a ânsia de lazer e consumo que predomina na nas gerações atuais. Quem vai querer um velho incomodando um fim de semana de festas, comemorações e programas? E o idoso fica em casa, geralmente pequena e sem muitos recursos. Onde estão os amigos do ancião? Muitos, doentes; vários já partiram. E os recursos para passeios e diversão? As aposentadorias são parcas, mal dão para comprar comida e remédios. Os filhos ajudam? Provavelmente. Nem sempre com o suficiente. Há outras prioridades, como levar as crianças a Disney, esquiar na Europa, divertir-se em casas de campo ou de praia, bem como frequentar restaurantes badalados. E assim, o final de muitos idosos é marcado de Alzheimer, confinamento em algum asilo, tristeza com a presença domiciliar de um cuidador impaciente ou improvisado. A solidão cresce com a diminuição das energias, o desaparecimento dos círculos de amizade. Em muitas cidades brasileiras há ainda o agravante da violência e insegurança, impedindo o hábito de um contato assíduo. Os vizinhos cuidam cada um de sua casa, vida, família etc. Alguns solitários se apegam a animais. Alfredo tinha um louro e um bichano que estimava. Quando morre o companheiro de bico ou quatro patas, a dor é equivalente à perda de um parente. O idoso sente-se descartado por uma sociedade, que não previu um lugar para ele, por uma família que progressivamente o abandona e esquece. É necessário tornar-se mais humano, aprendendo a povoar a vida do semelhante. Cristo prometeu aos apóstolos: “Não vos deixarei sozinhos” (Jo 14, 15). E acrescentou: “Estarei convosco todos os dias” (Mt 28, 20). O cristianismo é comunhão, pois é trinitário. Solitários não, e sim solidários somos chamados a ser! Isso implica em estar atento ao outro, à sua tristeza e dor, a seus anseios e alegrias. Na solidão, o ser humano mergulha dentro de si mesmo numa autodefesa contra o isolamento a seu redor. Toma consciência de sua pouca importância no mundo externo. Mas, Deus assegura-nos sua permanência a nosso lado: “Não temas, porque eu estou contigo” (Is 41,10).

sábado, 7 de setembro de 2024

INDEPENDÊNCIA OU MORTE
PROFISSÃO DE FÉ Valério Mesquita* mesquita.valerio@gmail.com Sempre gostei de repetir a definição do ex-senador Dinarte Mariz que: "Política, meu filho, é uns empurrando os outros". Não tfoi fácil para mim percorrer com sucesso, os caminhos da vida pública, sendo descendente de um político que empobreceu no exercício dessa atividade e que deixou materialmente para os filhos o que recebeu dos seus pais: uma casa na rua da Cruz e uma propriedade, já vendida, para custear campanhas eleitorais. Aqui e ali, surgem as estocadas dos invejosos de plantão. O meu mandato parlamentar pertenceu ao povo. Tenho, até com certo orgulho, uma larga folha de serviços prestados a Macaíba, Natal, Extremoz, São Gonçalo, Parnamirim, São Pedro, entre vários outros municípios. Quando me candidatei a deputado estadual em 1986, preparei-me, primeiramente, dezesseis anos. Ingressei na política em 1970, mas antes adquiri experiência como líder político e prefeito de minha terra para me lançar candidato. Não fiz de minha atividade política uma aventura inconsequente. Entendo que, quem chega deve respeitar os que já estão e se puder fazer melhor que lute por isso. Na política, ao longo de minha trajetória, sempre vivi as minhas horas mais completas. Um antigo amigo, certa vez, aconselhou-me: "Não fale nada dos outros e menos de ti". Mas, vivi episódios que falaram por si mesmos. Macaíba, Natal e São Gonçalo são a mesma geografia, a mesma história, a mesma vida em comum, uma corrente de afinidades e compreensão. Os nomes são diferentes mas a terra, o ar, as pessoas, tudo é tão parecido que as fronteiras se tornam flexíveis. Nessas paragens há passagens esparsas de minha vida por toda parte. Deixei o rastro no chão e a alma também, que no dizer do poeta Fernando Pessoa "é vasta e a obra imperfeita". Sou de Macaíba, o filho, o irmão, o cidadão, o íntimo, com uma presença evocativa de amor e respeito. Tanto aqui quanto ali, pisei o mesmo chão, respirei o mesmo ar, participei da mesma natureza. Na minha infância, eu já conhecia o mapa e os homens de bem da minha terra. Sem ilusões, não moro nas alturas e não tenho em minhas mãos o que não é meu. Atravessei as noites escuras do tempo, as dificuldades de reeleições difíceis em 1990, 1994 e 2000. Em 2002, cheguei ao Tribunal de Contas e fiquei por por 11 anos. Entendendo que ainda não soou a minha hora de silêncio e porisso não me calo. O que importa é ter a coragem de viver e sustentar a alma que não se rende. Serei para todos macaibenses sempre devedor de suas generosas votações. Os dias que me restam na política serão poucos para agradecer. Só posso fazer e dizer, finalmente, na emoção, igual ao do poeta nordestino: "Que sempre beijarei a terra que me dá a benção da maternidade".

quinta-feira, 29 de agosto de 2024

BATO OUTRA VEZ Valério Mesquita* mesquita.valerio@gmail.com O rio Jundiaí, no trecho em que atravessa a cidade de Macaíba, perdeu o solo, o curso, o chão, o cheiro, a visão e ameaça o bem-estar dos habitantes. Entre o parque governador José Varela e a praça Antônio de Melo Siqueira deixaram crescer no leito poluído imensos manguezais que enfeiam um dos mais bonitos logradouros urbanos. Essa selva esconde lixo doméstico, carcaças de animais, marginais do tráfico de drogas em todo o seu percurso e os galhos já ultrapassam a altura da ponte e das balaustradas. A Tribuna do Norte publicou, excelente matéria sobre tudo que ameaça e destrói os rios Potengi e Jundiaí. Mas, o foco da minha questão e, creio, dos cidadãos macaibenses, reside exatamente neste aluvião de perguntas: por que o Idema não evita, aparando, podando, somente nesse trajeto o “matagal” entre o antigo cais do porto até a outra lateral da ponte? Por que não licenciam a prefeitura para fazê-lo? Não tem nada a ver com agressão ao meio ambiente? Tem? Tem não. A praça e o parque perderam o charme de antigamente. Ninguém enxerga ninguém, olhando de um lado para o outro. A conscientização ambiental deve ser obedecida até onde não prejudique a funcionalidade urbanística e o senso prático e plástico do mapa citadino. Desde quando, em 1950, se planejou e se construiu a estrutura de pedra e cal das duas margens, o choque do progresso jamais prejudicou a superfície do rio. Nem, tão pouco, o molestaram, a expansão e o desafio do crescimento habitacional. Pelo contrário, as balaustradas de proteção ordenaram a trajetória das águas e defendeu as ruas periféricas contendo os transbordamentos das enchentes. Contemplo, hoje, que os problemas das inundações estão equacionadas com a construção da barragem de Tabatinga. Por que o Idema, tão preocupado com o meio ambiente, não permite, apenas, nesse, pequeníssimo trajeto fluvial o corte da poluição visual da paisagem urbana e memorial de Macaíba? Ali, a vegetação gigantesca e desproporcional encobre um dos pontos históricos do município. Refiro-me ao cais das antigas lanchas que faziam o percurso fluvial entre Macaíba e Natal: a lancha do mestre Antonio, o barco de João Lau, além da lancha “Julita” que transportou tantas vezes Tavares de Lyra, Eloy, Auta e Henrique Castriciano de Souza, Augusto Severo, Alberto Maranhão, João Chaves, Octacílio Alecrim e tantas outras figuras notáveis da vida social, cultural, política e econômica. Todos se destacaram nos planos estadual, nacional e internacional. Ali, o centenário cais, jaz sob os escombros de verdes balizas envergadas e fantasmagóricas. A visão noturna é tétrica e arrepiante. Desfigura e mutila os padrões estéticos do planejamento da urbe que a faz parecer abandonada e suja. Até a lua cheia que nasce lá por trás do Ferreiro Torto foi encoberta. A turma do “Sempre-Macaíba” e da nossa Academia de Letras convidam o pessoal do Idema para uma visita à noite ao tétrico ambiente para assistir um filme de terror. Assim como se deve obedecer a educação ambiental, do mesmo modo, exige-se o tratamento e o corte do matagal por parte dos órgãos públicos responsáveis a fim de evitar o represamento do lixo no leito, exclusivamente urbano. Nas capitais e cidades importantes do Brasil banhadas por rios não se vê tratamento tão displicente e indiferente da parte dos setores responsáveis. Sei que o prefeito de Macaíba, não postulou a solução do assunto, nem uma vez. Ao redimensioná-lo neste texto, cabe aos órgãos prefalados uma reflexão, um reestudo sobre o cenário dantesco do rio Jundiaí na parte descrita. O povo tem o direito de ouvir e a coragem de duvidar que essa selva fantasmagórica que devora e perturba a todos seja explicada e resolvida, sem slogans, clichês, palavras de ordem, lugares comuns, peças de marketing ou princípios dogmáticos. Que venha à lume as boas intenções e que não fique Macaíba submersa na má fama da poluição de manguezais aterradores. Porisso, bato outra vez, tal qual Cartola, com esperança no endurecido coração do Ministério Público. Há mais de dez anos nada mudou: o rio Jundiaí continua punido. (*) Escritor.

terça-feira, 27 de agosto de 2024

Pedra e fé em Cristo Jesus Padre João Medeiros Filho Carlos Drummond de Andrade escreveu em um de seus poemas: “No meio do caminho tinha uma pedra...” Alguém já disse que “a poesia é a menina dos olhos da literatura.” Houve, entre os críticos literários, quem quisesse comparar os versos drummondianos com a poesia primitiva a ser burilada pelo autor. Seria semelhante ao granito, com o qual o escultor faz brotar sua obra de arte. Abgar Renault em “A lápide sob a lua” afirmou: “O poeta é artesão e bruxo das palavras.” A poesia, assim como a escultura, seria um trabalho artesanal do artista paciente e perseverante, evitando a inspiração apressada, fortuita e alienada. Ao contrário, é fruto do empenho “das retinas tão fatigadas”, segundo o vate de Itabira. Diante de tais interpretações, Drummond intervém, afirmando que ali ele tratava mesmo de pedra. João Cabral de Melo Neto era considerado um poeta de estilo contido e seco. Em sua obra “Pedra do Sono” afasta-se da tradição do simbolismo da linguagem, tornando a objetividade da prosa escrita envolta em poesia. Para esta transporta a dura realidade dos canaviais pernambucanos, também retratada nos pedregulhos em “Morte e Vida Severina”. A luta árdua pela vida traduz-se na estética do drama. Pode-se perceber o desafio compreendido por Cristo, quando usa a metáfora pétrea ao designar o primeiro papa. O granito inspira-nos a ser firmes, mas quando transformado em arte, leva-nos à admiração e ao amor. Deste modo, a fé deve ser inspiradora, capaz de suscitar atitudes de entrega, solidariedade e perdão, como o mármore que se presta a vários tipos de escultura. Vale lembrar o romance de Ariano Suassuna “A Pedra do Reino”, ao descrever a vida como uma pedra, “mas doce como uma cajarana madura.” Se ela chega a comover poetas e romancistas, não deixaria de chamar a atenção do autor das Bem-aventuranças. “Olhai as aves do céu... Aprendei dos lírios do campo...” (Mt 6, 26). Quanta beleza nesses textos bíblicos, que amenizam a aridez da existência! Cristo emprega várias expressões e imagens do cotidiano de seu tempo: terreno, rocha, grão, pastor, ovelha, senhor, servo etc. Revelava com alegorias e muita simplicidade o Reino dos Céus, que Ele veio pregar. Como é importante retornar à simplicidade das analogias evangélicas para se compreender o pensamento de Jesus! A realidade da rocha, mantida na retina ou na memória, é um desafio e encanto. Um olhar poético sobre ela a verá com mais profundidade e transcendentalismo. O Filho de Deus a tornou parábola do Príncipe dos Apóstolos, em cuja fé colocou os alicerces de sua Igreja. “Tu és Pedro e sobre esta pedra, edificarei a minha Igreja” (Mt 16, 18). Encontramos a palavra pedra vinte e sete vezes no Novo Testamento e vinte e quatro, o vocábulo rocha. Eis como Cristo é preconizado no Antigo Testamento: “A pedra que os construtores rejeitaram, tornou-se a pedra angular” (Sl 118/117, 22). O próprio Deus é assim lembrado: “E quem é a Rocha, senão o nosso Deus?” (2Sm 22, 32). Há algum tempo, o Sumo Pontífice, dirigindo-se a um grupo de freiras contemplativas, propôs-lhes “uma fé sólida e útil como a rocha”, contrapondo-a a um caminho “demasiadamente espiritualizante, abstrato e místico.” Com o significado da rocha o Salvador do mundo procurou definir a dimensão transcendente do ser humano. Queria mostrar nossa fé, inabalável e profunda, burilada pela graça divina, sem falsa e alienante espiritualidade. A pedra é ícone de nossa existência espiritual, desafiadora e objetiva, que se molda na firmeza da gratuidade sobrenatural. Ela também acolhe, serve de assento, referencial e repouso no cansaço da caminhada. Por isso, Cristo a constituiu símbolo de sua Igreja. Portanto, a condição pétrea de nossa humanidade não serve apenas para a poesia moderna, mesmo não sendo engajada na problemática social, segundo o pensar de alguns teólogos. É indispensável à fé, que deverá ser autêntica e testemunhada, isto é, fundamento da caridade e propulsora da esperança, nutrindo a transcendência do homem, cidadão do Infinito. Convém refletir sobre as palavras do apóstolo Pedro: “De igual modo, também vós, como pedras vivas, formai um edifício espiritual” (1Pd 2,5).