terça-feira, 8 de outubro de 2024
A gratidão, virtude esquecida
Padre João Medeiros Filho
A gratidão é uma das grandes virtudes humanas. Santa Teresa de Calcutá a definia como “delicadeza da alma.” Esopo a chamou de “virtude das almas nobres”. Jesus tratou do assunto com os apóstolos. Lamentou a ingratidão. Pode-se ler no evangelho de Lucas o relato da cura dos dez leprosos por Cristo (Lc 17, 11-19). Foram agraciados, após a súplica: “Mestre, tem compaixão de nós” (Lc 17, 13). Um deles, ao perceber que havia sido curado, voltou glorificando a Deus. Prostrando-se aos pés do Senhor, agradeceu-Lhe. Então lhe foi perguntado: “Por acaso, não foram dez os curados? E os outros nove, onde estão?” (Lc 17, 17). Jesus ressaltou que apenas o samaritano voltou para render graças pela cura. Mostra-nos que a sensibilidade humana não é determinada pela raça, religião, cultura, nível de instrução ou condição social. É fruto de cultivo da personalidade e ajuda da graça divina. Ser grato transforma nosso coração, ilumina e amplia a nossa visão. Permite-nos entender a vida de modo diferente. Quem dá, participa do mistério do Pai Celestial, que concede tantos bens e graças a seus filhos. Agradecer é a consciência dessa gratuidade. “Senhor, deste-me tanto em minha vida. Dá-me uma coisa a mais: um coração agradecido”, rezava o poeta galês George Herbert.
Saber agradecer faz crescer no coração do homem o sabor pela bondade. Ajuda-nos a eliminar sentimentos que obscurecem a mente, fecundando o desejo de ser generoso. Dissipa aquilo que enfraquece a compaixão ou aumenta a indiferença. Ajuda a vencer a soberba e a inveja, bem como tantos vícios e erros de uma sociedade que adota dinâmicas desastrosas de disputa, mentira, injustiça e ódio. São Francisco de Assis escreveu que “a gratidão é uma das moedas mais difíceis de ofertar na vida.” Por isso, preocupava-se sempre em ser grato a tudo e a todos. Agradecia ao irmão sol por aquecê-lo e proporcionar vida à terra. Ao irmão vento, por acariciá-lo e à natureza nos dias de calor. À irmã lua por brilhar e enfeitar as noites. Ao irmão sofrimento, que lhe permitia aprendizados sobre o viver humano. O exemplo do “Poverello” remete-nos a profundas reflexões neste tempo em que predominam insensibilidade, utilitarismo, desrespeito e desprezo pelo outro. Na desenfreada busca por sobrevivência e sucesso, vivemos encastelados, envoltos em problemas e desafios. Nesse tumulto de compromissos e dificuldades, não paramos para perceber tudo aquilo que Deus nos regala e, egoisticamente, esquecemo-nos do agradecimento.
Os amores dos filhos e netos que, aconchegados em nossos braços, parecem amainar as dores da alma, quem no-los ofertou? A possibilidade do progresso profissional e amadurecimento humano, as chances de desenvolvimento do intelecto, a paz interior, o bem-estar do espírito, quem nos concede? O corpo que é nosso instrumento de expressão, trabalho, convivência, emoções, quem no-lo presenteou? E nós, mal nos damos conta da grande bênção da saúde, quando nossa corporeidade, apesar das deficiências ou limitações, oferece-nos oportunidades riquíssimas.
Temos o costume de ser gratos a Deus e à vida pelas nossas conquistas e alegrias? E por que não sermos também agradecidos ao Pai pelo mal que não nos atingiu, pelas dores que não precisamos suportar? E mesmo que os dias difíceis nos cheguem à jornada terrestre, agradeçamos a dor, que lapida a alma imperfeita, fazendo brotar virtudes que ainda permanecem latentes em nossa intimidade. Deveremos sempre recordar que dependemos da bondade e misericórdia do nosso Criador, o qual nos sustenta na caminhada da via. Foi comovente a história de um idoso italiano, vítima do coronavírus quando, após a alta hospitalar, foi-lhe cobrado um valor alto pelo uso de oxigênio. Chorou efusivamente e exclamou: “Sou um ingrato, tenho isso dias e dias, anos e anos, gratuitamente e não percebia. Deus nunca me pediu nada em troca.” A gratidão será o sentimento que nos inundará a alma de bênçãos divinas, doce quietude e suave luz. Aqueles que a têm adormecida, é preciso despertá-la. É necessário cultivá-la e manifestá-la. Por se tratar de uma virtude cristã, os pastores devem lembrar sempre a sua importância e praticá-la. Digamos como o salmista: “Dai graças ao Senhor, pois Ele é bom. Sua bondade é infinita, incomensurável a sua misericórdia” (Sl 118/117, 1).
domingo, 6 de outubro de 2024
Às vésperas das eleições
Padre João Medeiros Filho
Em breve, as eleições municipais. O descrédito de muitos brasileiros pelos seus políticos é impactante, principalmente quando se trata de partidos e convicções ideológicas. Eles não servem ao povo, servem-se dele. Revelam-se incapazes de construir o bem comum. Engajar-se pela dignidade do ser humano é o único caminho para superar o menoscabo e a rejeição pelos que cuidam da “res publica”. Não se recupera a credibilidade com a simples presença de pessoas probas. É preciso identificar nelas atos benéficos, que estabeleçam elementos determinantes para o bem-estar do povo. Dom Eugênio Sales, no III Simpósio para Pessoas de Poder Decisório, acontecido no Sumaré/RJ, dissera: “Quem se decidir pela vida pública, não pode desprezar a pessoa humana, imagem de Deus.” E arrematou com palavras de São Cipriano de Cartago (210-258), inspiradas no evangelista João: “É mentira chamar Deus de Pai, quando não se tem o sentimento de que o outro é realmente irmão.”
A Encíclica “Fratelli Tutti” indica o papel dos autênticos líderes: “Interpretar a vontade do povo para agir em favor dele.” Apenas lideranças qualificadas contribuem para alicerçar um projeto duradouro de bem comum. Por isso, têm a incumbência de admitir a prioridade do ser humano, para o qual existe a sociedade. No exercício da autêntica política exige-se o inegociável propósito de discussões honestas, buscando verdadeiramente defender causas legítimas e justas. Os homens públicos devem orientar-se pelos direitos e necessidades da população, outorgante e mandatária legítima de seus poderes.
Importa nessa perspectiva que os interesses partidaristas sejam relativizados. É imprescindível que os atores políticos estejam sempre imbuídos de honestidade material e intelectual, colocando em plano secundário as preferências meramente ideológicas. A política é válida, se construir uma comunidade justa, fraterna e solidária. Desvia-se de seus objetivos, quando propostas e atos contemplam prioridades de grupos. Da mesma forma, é deturpada ao se governar apenas para os sequazes. A consequência é o favorecimento de poucos, sobrando à maioria migalhas e sobejos. Não se tem conseguido penalizar aqueles que exploram, amesquinham e perseguem o povo, colocando vidas em risco pela desassistência e submissão a situações vis, análogas à escravidão.
Tudo o que fere o bem comum é desumano e anticristão, negando peremptoriamente a natureza da política. Merece atenção especial a desigualdade social no Brasil com seus vergonhosos e degradantes cenários para a cidadania. Gera exclusão e aprisiona os cidadãos com preconceitos e discriminações. O populismo insano é outra ameaça deletéria. Quem o pratica, busca atrair adeptos para massificar o povo. É aviltante, pois coisifica o indivíduo. Atualmente, fala mais alto o projeto pessoal de permanência ou volta ao poder. Esta é a tônica de vários candidatos. É muito grave, quando esse populismo favorece inclinações ignóbeis de grupos e facções. Detestável ainda é tentar submeter instituições e indivíduos ao servilismo. O candidato integro permanece aberto a críticas construtivas e mudanças autênticas, enriquecedoras para o homem.
Governantes e legisladores detêm a responsabilidade de oferecer às pessoas meios para sua realização como criaturas humanas. Por isso, é necessário aniquilar os contrastes. Os que estão no poder não estão autorizados a renunciar ao indispensável desafio de ajudar a construir um modelo de sociedade. Esta tem o dever de assegurar a todos o direito ao exercício da cidadania, partindo de suas peculiaridades. Há quem pense que ser líder é calar, manipular, “lacrar” e destruir os outros. Aqueles que se dedicam à vida pública são chamados a novos aprendizados para reconstruir a Pátria. “A política bem exercida é a forma mais alta da caridade”, afirmava Pio XI, seguido pelos últimos papas. Quem a exerce terá de se imbuir dos ensinamentos bíblicos: “Ninguém busque seu próprio interesse, mas o do outro” (1Cor 10, 24). Os municípios estão nas mãos dos eleitores. Às igrejas cabe unir e não dividir. Aos pastores a tarefa de respeitar, iluminar e nunca aliciar. Neste final de campanha eleitoral, mister se faz que os cristãos reflitam muito e supliquem a Deus pelos futuros eleitos, responsáveis pelos destinos de nossa gente. É preciso que saibam “conduzir o povo com justiça e equidade” (Is 32, 1), “pois quando os justos são maioria e governam, o povo se alegra” (Pr 29, 2).
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