quinta-feira, 2 de maio de 2024

Jair Eloi de Souza 30 de abril às 12:26 · ASSIM ESCREVI: SOBRE OS CABRAS MATADORES DE ONÇA NO SERTÃO, DESTAQUE PARA O CAPITÃO CAZUZA SÁTIRO*. O Ciclo do Gado nos sertões do Nordeste Brasileiro, foi o lapso temporal mais reflexivo e importante da história da ocupação dos grotões do cinzento. Ressalte-se que neste contexto épico, se nutriram heróis anônimos, ícones das populações rurícolas, ribeirinhas, nos mais distantes e pobres grotões do semi-árido brasileiro, dentre os quais se revelaram os bons vaqueiros catingueiros, alguns brancos, outros, a maioria, negros, cafuzos, pardos ou sararás, saídos dos quilombos ou dos caburés., Gente de pouca pabulagem e de muito agir. Cangaceiros, cantadores, e os famosos, renomados cabras onceiros, valentes, audazes, destemidos, homens de referência na proteção do rebanho bovino, usando o clavinote com pequenas adaptações e a zagaia, ajudados por cachorros comuns, “viralatas”, porém, adestrados no trato da caçada à onça entocada, quando adentravam nas furnas penhascosas. Nesse assunto, não precisei de folhetos cordelistas, histórias de repentistas ou de cegos cantadores nas feiras livres. O velho matuto Eloi Gonçalves de Souza, gente do clã dos Gonçalves da Ribeira meã do Piranhas, confins do Seridó, com suas narrativas da lavra sertaneja, sendo comboieiro, afeito aos caminhos agrestes do sertão, que nas grandes secas se fazia tangerino “oficial” do coronel Marinheiro Saldanha, quando era responsável pelas “retiradas”, para salvar parte do gado, especialmente quando tomava o rumo das serras paraibanas e cearenses, sempre foi minha grande fonte de informação, quanto à vida de cantadores, dos vaqueiros catingueiros e pegas de barbatões, amansadores de poldros, cangaceiros e dos caçadores de onça, tanto nos sertões potiguares, quanto no cinzento paraibano. Na verdade dois agentes predadores sempre fustigaram os rebanhos: em princípio, o índio entocado e faminto, nos últimos redutos, em sovacos de serras, nos épicos anos setecentista e primeira metade dos anos oitocentistas. E por último, com recrudescimento de ataques aos rebanhos bovinos, por toda a segunda meação do século dezenove e as primeiras décadas do século vinte, pela onça preta ou pintada, a suçuarana, parda ou vermelha. Segundo o velho Eloi de Souza, matuto por ofício, que conhecia as travessias e os penhascos carrasquenhos, os peadores e os pontos de arranchação mais seguros dos sertões do Seridó, quando vinha para o Curimataú da terra de Zé Américo e nos sertões paraibanos e cearenses, quando buscava rapadura e farinha no Carirí do “Padim Cíço” Romão, a introdução ou mesmo a substituição do “gado peduro”: orelha curta e arredondada, manteúdo, de pouco leite, dócil e de bom traquejo, pelo mestiço de “indu-brasil”, este de orelha estirada na vertical, malabá, tetas grandes e grossas, os rebentos nasciam moleirões, bezerros graúdos, as vezes e não era raro, não conseguiam mamar. A mãe, após a limpeza do rebento, recolhendo os resíduos da bolsa placentária, “pelejava” o dia inteiro, protegendo o filhote, sem comer nem beber, porém dado momento e ao entardecer, tinha que se ausentar para se alimentar e beber no choradouro mais próximo. Era nessa hora que a onça preta ou pintada, suçuarana ou parda, atacava a cria desnutrida, primeiro sagrava e com o chegar da noite fosca, carregava no lombo para os seus covis, não raro, utilizando de suas garras alongadas, atravessava quando existentes, cercas de pedras. Aí, dizia o velho confidente e prosador, é quando entram em cena os cabras onceiros. Nos sertões potiguares, destaque para Miguelão das Marrecas, na Serra do Doutor, morador de Joaquim Teles, coisas dos confins da Borborema Potiguar, cujo ofício era atender aos fazendeiros do Seridó nascente, e com maior desenvoltura para José Sátiro de Souza, o afamado Capitão Cazuza Sátiro, legenda máxima naquele ofício, nos confins do Seridó oeste e nas serras paraibanas, adjacências das terras potiguares, sendo um habitante da Ribeira do velho Espinharas, na Fazenda tronco, no pé da serra do mesmo nome, dista cinco léguas da cidade de Serra Negra, já no Município de Pombal, (PB). Sobre esse dois ícones da população sertaneja, afamados matadores de onça, Frederico Pernambucano de Melo, na sua obra Guerreiros do sol, em notas e referências, fls. 335 a 336, citando o velho seridoense Juvenal Lamartine, em sua obra “Velhos Costumes do meu Sertão, traz os versos: “O Miguelão das Marrecas Vei`da serra do Doutor Chamado por Joaquim Teles Para ser seu morador, Porque perseguia onça Como um herói lutador E quanto ao capitão Cazuza Sátiro, morto em l911 já pegando os 83 anos de idade, este sentido preito sertanejo: Em novecentos e quatro Cazuxa tinha encostado As armas de matar onça Estava velho e cansado Findou doente de asma Pelo serviço pesado Morreu o Cazuza Sátiro O nosso herói do sertão Grande matador de fera, Limpo na sua missão, Merecia uma estátua Com a zagaia na mão”. Dois aspectos merecem destaque, para justificar a presença nos sertões nordestinos dos matadores de felinos. Primeiro, a pecuária era extensiva, criação em campos abertos, isentos de cercas demarcatórias, o gado era “passado” pelos seus donos, nas festas de apartação nos fins das águas, ou criado nas grandes “mangas”, mata fechada e com a presença de penhascos e serras cheias de furnas naturais ou covis, mas, onde havia a presença de ramas ricas em proteína, como o camará, o mororó, a caatingueira e a jurema. E nas terras de baixios, aluvião e áreas ribeirinhas, destaque para a presença das canafístulas, ingazeiras, juazeiros, e finalmente nos ante-planos, as gramíneas como a milhã, o pé-de-galinha e o velho panasco, de degustação palatável pelo rebanho, quando da estação chuvosa. Sem prejuízo da presença dos “choradouros” ou “Olhos d´água, onde a manada bebia. O segundo aspecto, conseqüência do primeiro, é que não havia o manejo diário ou semanal das manadas do gado vacum, em razão de que, sempre surgiam “barbatões”, animais rebeldes, outros se tornavam touros guias, e passavam a comandar e proteger o rebanho ou parte deste, ganhando os grotões quase inacessíveis. Saliente-se que eram sensíveis às incursões dos felinos, quando sentiam ou ouviam os esturros ameaçadores destes, ocasião em que arrebanhavam a manada em vigilância circular, em que pesem a existência de desavenças por liderança, nessas horas, davam prioridade a integridade do rebanho. Porém, algumas reses desavisadas, e não raro acontecia, caiam nas garras dos felinos, com isso, esses carnívoros dotados de uma esperteza e mobilidade aguçadas, passaram a acompanhar os rebanhos e atacá-los de forma devastadora, com preferência por ocasião das grandes secas, com prejuízo para os fazendeiros da época. Em sendo assim, os criadores sertanejos, além da necessidade da presença do vaqueiro, para a faina diária no traquejo dos animais, passaram a contar com a presença dos valentes caçadores de onça, alguns com exclusividade, na proteção dos seus rebanhos, e a cada felino morto crescia o fetiche das populações rurícolas pelos heróis das zagaias, o prestígio e a fama destes, eram cantadas e decantadas em folhetos nas feiras livres das freguesias, pelos emboladores de cocos e cegos rabequistas. Poucos escribas em suas crônicas da cena sertaneja, evidenciaram na forma amiudada, como transcorreu a gesta dos cabras onceiros, é bem verdade que estes deixaram rastro de feitos heróicos, façanhas para poucos destemidos, mas é preciso que se entenda epicamente a razão da existência desses heróis anônimos e a forma como se dava a atuação desses, na agresteza dos rincões mais distantes nas terras ínvias do semi-árido nordestino. A faina do traquejo do gado, era tarefa para os vaqueiros, tangerinos, rastreadores, tratadores sedentários, mas, nenhum desses tipos, tinham aptidão, para enfrentar as feras famélicas, nos anos de secas, em seus covis nas entranhas dos penhascos, como faziam os cabras onceiros. Geralmente agiam aqueles em grupos, encourados com gibão, perneiras, peitoris, montados a cavalo ou em burros mulos. Já estes, eram heróis solitários, ganhavam os boqueirões, desfiladeiros e abas de serras, penhascos íngremes, quase inacessíveis. Entre os poucos dos que oficiavam na caça à onça faminta, parte era composta de agregados de médios e grandes criadores, viviam na miséria, recebendo pouco pela faina perigosa, embora fossem sempre ovacionados e decantados pelas populações sertanejas. Mas, quando chegavam à ante-sala da velhice, baixavam as armas, às vezes seqüelados, passavam a viver de favores da família. O velho Eloi de Souza, que se iniciara muito cedo na vida de comboieiro como matuto almocreve, conhecendo os caminhos entrecortados pelas serras paraibanas e cearenses, peadores e pontos de arranchação, quando das idas ao Cariri, e especialmente nas grandes secas de quinze e dezenove, e cá já nas eras de trinta, exercendo o ofício de tangerino, responsável pelas “retiradas” do Cel. Plínio Dantas Saldanha, o velho Marinheiro, para a Ribeira do Espinharas a começar das goelas do Teixeira. Conviveu com muitos que conheceram o Capitão Cazuza Sátiro, exímio matador de onça, que dava persiga às reses naqueles sertões bravios. Era um dos poucos aquinhoados, a exemplo dos Pereira Valões, nos sertões de Pernambuco. Pois, possuía uma bela semente de gado, pastando nas encostas da Serra do tronco onde tinha fazenda de mesmo nome. Portanto de entender-se que tinha no ofício de matar onça, a áurea de um guerreiro valente à moda sertaneja, que desdenhava dos riscos sempre presente. Por outro lado, não havia em si, uma matança indiscriminada, a ação exterminadora era direcionada ao felino faminto e agressivo ao rebanho. Ouviu o Velho matuto seridoense da ribanceira do Rio de Piranhas, muitos histórias da gesta do renomado caçador de onça naqueles rincões. Contara que certa vez, tendo sido aquele convocado a “dar cabo” de onça-parda, que dizimava o rebanho na aba de uma das serras do Catolé do Rocha, trecho que não lhe era familiar, mas tinha o adjutório de positivo rastreador da região, depois de vários dias de levantamento dos covis, de trabalho rastreador ao felino marcado para morrer, sem sucesso na empreitada, chega finalmente ao quinto dia e ao penhasco onde estava o animal enfurnado. Sentindo sua presença, a fera dava esturro de intimidação ao estranho que ameaçava seu território, não sabia aquela que estava diante do seu maior e mais temível inimigo, o velho experiente, Capitão Cazuza Sátiro. Apesar dos esturros ameaçadores, não dava sinais de sair da furna pedregosa. Isso preocupava o velho onceiro, que de logo tratou de acomodar seus cães, e fazer rápida incursão para desvendar o mistério. Pela fresta de rochedo à carga, próximo a gruta, percebeu tratar-se de fêmea parida, com dois filhotes a amamentá-los. A alma sertaneja valente, do velho e audacioso Cazuza partira-se. É que nunca deixara de ter respeito por mulher prenha ou dando leite a “menino de colo”. Relutante em princípio, era a primeira vez que se encontrava com uma fera e não fazia o “trabalho”, apesar de exposta. Logo tomara a decisão mais travosa de sua vida, justamente ele que sempre teve alma de aço e de luta. Era um colecionador de carcaças dos felinos abatidos, agia quase sozinho na hora “H”, embora tivesse um ajudante de sua confiança e seus cães adestrados, fustigadores de felinos. “Batera em retirada”, a caminho de volta para casa do fazendeiro solicitante. E ao chegar, antes de ser provocado, indagara daquele: Se lhe confiava em venda dois carneiros “iguaiados”, e se podia abatê-los ali mesmo, precisava alimentar uma mãe com filhos pequenos. O contratante não se opôs, mas indagou-lhe, deu cabo da fera? Respondeu o velho onceiro: "Minha alma é valente e destemida, mas sepultar crianças, é uma tarefa penosa, venho nos “fins das águas” e faço o serviço, não lhe custa nada". Ao ouvir o relato desse meu ancestral de “quatro costado”, o velho Eloi Gonçalves de Souza, a minha grande universidade da vida, quanto aos informes dos sertões bravios, como jovem escriba, entendi porque a gesta sertaneja dos cabras onceiros, é magnânima. ."É que tem suas tipicidades valorativas na saga única de um povo com bravura diferente". Professor JAIR ELOI DE SOUZA UFRN - CURSO DE DIREITO

quarta-feira, 1 de maio de 2024

Relíquias de Santa Teresinha Padre João Medeiros Filho As relíquias de Santa Teresinha do Menino Jesus estarão expostas à visitação, de um a cinco de maio próximo, na Arquidiocese de Natal (RN), mormente no Carmelo de Emaús (Parnamirim). Guardamos com carinho lembranças materiais inestimáveis de nossos pais e pessoas queridas. Assim age a Igreja com os restos mortais dos santos e beatos, bem como objetos por eles usados. São sinais indicativos para a veneração dos fiéis. De Leão XIII a Francisco, os pontífices manifestaram encantamento com o testemunho cristão da Santa de Lisieux. Esta entrou para a vida religiosa, aos quinze anos de idade, com o beneplácito de Leão XIII. “É a maior santa dos tempos modernos”, declarou Pio X, exaltando a profunda espiritualidade da jovem carmelita. Um dos últimos atos desse Pontífice foi abrir o processo de beatificação da jovem religiosa. Bento XV introduziu a expressão teológica “infância espiritual”, referindo-se à vivência mística de Thérèse Martin. Ela seguiu o ensinamento do Mestre: “Se não vos converterdes como crianças, não entrareis no Reino dos Céus” (Mt 18, 3). A infância espiritual consiste na confiança em Deus e no entregar-se nas mãos do Pai. Pio XI chamava Teresa de Lisieux “Estrela do meu pontificado.” Mesmo antes de ocupar o trono de Pedro, devotava-lhe profunda reverência. Elevou-a à honra dos altares, aos 17 de maio de 1925, constituindo-a padroeira das missões, em 14/12/1927. Desde cedo, o culto àquela eleita de Deus se fez presente no RN. Nosso terceiro bispo diocesano, Dom José Pereira Alves e o primeiro arcebispo metropolitano, Dom Marcolino de Souza Dantas, dedicavam-lhe especial devoção. O primeiro educandário feminino de Caicó, construído em 1925 pelo Cônego Celso Cicco recebeu, por sugestão de Dom José Pereira, o nome de Santa Teresinha. Em 1930, Dom Marcolino inaugurou o Santuário do Tirol, elevando-o posteriormente à condição de paróquia. Apôs o nome da santa carmelitana como copadroeira. Ela marcou tanto a piedade dos fiéis, a ponto de denominarem até hoje Igreja de Santa Teresinha, geralmente omitindo Nossa Senhora das Graças, também co-patrona. Pio XII manteve correspondência assídua com o Carmelo de Lisieux. Enquanto cardeal, ali esteve diversas vezes a fim de presidir solenidades. Em 1934, foi designado legado papal “a latere” no Congresso Eucarístico Internacional de Buenos Aires. Levou consigo uma relíquia de Teresa à qual confiara a sua missão. Durante o tempo em que viveu no Vaticano, mantinha contato com as carmelitas Pauline (Madre Agnes) e Celine (Ir. Geneviève), irmãs biológicas de Teresinha. “Esta discípula do Menino Jesus nos conduz ao porto seguro”, assim se expressou João XXIII. Na audiência geral de 16 de outubro de 1960, proclamou: “Ela foi grande por ter sabido, na humildade, simplicidade e constante abnegação, colaborar para o bem de inúmeros fiéis.” Paulo VI chegou a afirmar: “Nasci para a Igreja no dia em que Teresinha partiu para o céu.” Reconheceu que a humildade é o espaço do amor. A intimidade com Deus inspira a transcendente caridade. João Paulo I, quando Patriarca de Veneza, fez uma conferência por ocasião do centenário do nascimento de Teresa, escrevendo-lhe uma carta em seu livro “Illustrissimi”. Confessa ter lido “História de uma alma”, aos dezessete anos. Em 1977, ao proclamá-la Doutora da Igreja, João Paulo II efetivou o sentimento de seus predecessores. Na audiência geral de 6/4/2011, Bento XVI pronunciou significativa alocução sobre Teresinha. Antes de morrer, rezou como ela, olhando para o crucifixo: “Meu Deus, amo-Te.” O ato de amor, expresso no último suspiro, traduzia o incessante balbuciar de preces de Teresa e Joseph Ratzinger. Em 2023, por ocasião do sesquicentenário de nascimento da Santa de Lisieux, Francisco dedicou-lhe a Exortação Apostólica “C’est la confiance”. Assim escreve: “Em nossa existência, onde muitas vezes, nos dominam medos, desejo de segurança humana, necessidade de ter tudo sob controle, a entrega a Deus liberta-nos de cálculos obsessivos, preocupação constante com o futuro e medos que nos tiram a paz.” “Teresa do Menino Jesus é um mimo de Deus para nós, suas crianças”, pregou Dom Nivaldo Monte, por ocasião do centenário natalício (1973) da filha dos Santos Luiz e Zélia Martin. “Sede, portanto, perfeitos como vosso Pai celestial é perfeito” (Mt 5, 48), recomendou Cristo aos discípulos
É PRECISO DESARMAR OS RESSENTIMENTOS Valério Mesquita mesquita.valerio@gmail.com O conhecimento e as razões dos fatos da vida pública nós já temos. Mas, qualquer pessoa que procure entender é suspeito de estar contra eles. Não temos nenhuma idéia preconcebida sobre as pessoas e as coisas que nos rodeiam. Não serão as versões de terceiros que irão impedir que tenhamos nossa própria opinião. O orçamento estadual para 2021, por exemplo, foi tão convulsivo que não impediu que fosse desligado o redutor de ansiedades. Mas é isso mesmo, em estado depressivo foram criadas sinfonias, poemas comoventes e pinturas imortais. Da maneira como o legislativo concebeu e aprovou desembocou em questionamentos. Virou para o executivo potiguar um monólogo shakespeariano: ser e não ter. Passamos a compreender que orçamento público é metamorfose. São constituídos de números cheios de contradições. Não vamos exagerar a impressão de parecer medíocre, trivial, para ser popular. Quem absolve o político não é o povo, é a confissão. Na complicada arte de governar ser natural é a mais difícil das poses. Nenhum político e/ou empresário são suficientementes ricos para comprarem o seu passado. Quantos não podem dizer “nada anseio, nada temo – sou livre”. Por isso, é que definem dinheiro como adubo: só serve quando espalhado. O escritor Oscar Wilde colocou na boca de um rico, a seguinte frase: “não quero ir para o céu. Nenhum dos meus amigos está lá”. Ora, como no Jardim do Éden, Franz Kafka disse que “a mediação da serpente foi necessária. O mal pode seduzir o homem, mas não pode se transformar em homem”. Delírio kafkeano, delírio, apenasmente... O homem social hoje virou ambiguidade ficcional. Previna-se o leitor: não confundir amizade social com solidariedade humana. São manifestações caracterológicas do vivente completamente heterogêneas. O egoísmo, a acomodação, modificados pelo tom da luz reinante destruíram o sentimento cristão do mundo. O homem cresce, vive e morre numa jaula, limitado às imposições de sua vida miúda, repleta de frustrações e às circunstâncias. Há pessoas que pensam que não vão morrer nunca. Principalmente os que são ricos ou que, pelo menos, pensam. Assim imaginam muitos empresários, políticos, socialites, médicos, usineiros, juristas e outros nomes, renomes e pronomes suspeitos. Às vezes, diante do infortúnio alheio, ancoram suas amarras no mais profundo silêncio e na mais abominável indiferença. A postura ante o mundo é de desamparo e desalento. Não há lógica própria nessa conduta centrada unicamente na anormalidade do desvio comportamental porque a amizade virou interesse, esbulho, vantagem, lucro. E eu pensava nesse turbilhão do tempo, dos modismos, que o exercício da amizade fosse contínuo, mas é tão “imortal” quanto a hipocrisia de acreditar nos homens que integram as instituições públicas e privadas (culturais, políticas, empresariais etc). Daí deduzir que toda celebridade no Rio Grande do Norte quando não é célere é celerada. A corrosão cotidiana da busca pelo dinheiro e pelo poder enferruja com rapidez as “glórias e grandezas” de alguns profissionais que se julgam donos do mundo, quando pensávamos justos e coerentes. As mutações históricas dos valores da personalidade humana, ao que me parece, foram provocadas pela “revolução” dos costumes sociais, principalmente o comodismo, a apatia pelo semelhante, o medo de morrer, as fobias e a falta de religiosidade. Aí, instaura-se um jogo de buscas. O coração desumanizado do selvagem habitante da cidade, que segrega o próximo jamais conhecerá qualquer modalidade de amor, principalmente na noite sem face e derradeira do ataúde, porque em vida foi ausente, insensível, reduzido à condição de bicho. Esse será o calvário do insensato, do que utiliza a política como negócio, como moeda de troca. Vai vagar como Caim na noite gelada do tempo sem jamais achar abrigo. Isso tudo porque desamou os frutos e deixou prevalecer os rancores. (*) Escritor