terça-feira, 16 de dezembro de 2025

 

Férias que te quero férias ...

Padre João Medeiros Filho

O final do ano se aproxima e com ele o veraneio e as férias escolares, determinadas pelo calendário das instituições de ensino, assim como o ritmo de vida de uma parcela considerável da população. A palavra férias origina-se do latim e significa ausência de compromisso e trabalho (de onde deriva o termo feriado) e daí, tempo de descanso para recuperação das forças físicas e mentais. Outro termo latino, “vacatio”, com significado análogo está correlacionado ao sentido dos étimos de outros idiomas: vacaciones (espanhol), vacances (francês), vacanza (italiano), vacation (inglês), vakantie (neerlandês) etc. Mas, o período que deveria servir de repouso, vem se tornando um frenético ir e vir, com agências de viagens, rodoviárias, portos e aeroportos cheios, hotéis lotados, praias repletas e as noites invadidas pelos famosos paredões de som.

A cultura da curtição, badalação e do prazer material imediato, na qual estamos mergulhados, mudou nossa capacidade de descansar e relaxar. Hoje, ao estresse do trabalho (em que a concorrência é cada vez maior e até desleal), à fadiga do ano letivo e laboral, somam-se a síndrome e a preocupação das férias. Criou-se o hábito de fazer programas intensos nessa temporada, viagens exaustivas e dispendiosas a lugares longínquos ou exóticos. Pode-se ver nos terminais de viagens pais impacientes, crianças entediadas, assediando sem parar seus genitores a fim de comprar, gastar o dinheiro que podem ou não dispender, adquirindo aparelhos eletrônicos de última geração, objetos da moda ou de marcas, que logo mais serão descartados, por conta da publicidade que leva compulsivamente ao consumo desnecessário e deletério. Hoje, para muitas famílias essa época torna-se sinal de status e exibição.

Muita gente corre para as praias e lugares de clima ameno, causando inquietação e medo de adoecer aos mais idosos e doentes. Outro dia, numa clínica cardiológica, uma senhora, proveniente do interior, falava que iria suplicar a Deus o término rápido dessa temporada. No ano passado, perdera a mãe com uma crise pulmonar. Não havia conseguido chegar a Natal a tempo para ela ser socorrida, por conta do congestionamento do trânsito nas estradas. Tal senhora dizia com tristeza que também não havia encontrado um sacerdote para as exéquias, pois muitos padres estavam veraneando. E, num tom de desabafo, acrescentou: “Todos têm direito a férias, mas deveria haver melhor planejamento para atender o público.”

Isto leva-nos a lembrar algumas situações. No passado, um bispo potiguar costumava recomendar rodízio entre os padres para tirar uns dias de repouso, pois muitos passavam anos sem o descanso merecido. Durante os meses de verão, os bispos das dioceses catarinenses estabelecem uma escala para os sacerdotes permanecerem no Balneário Camboriú, não em férias, mas para atender os numerosos turistas brasileiros e estrangeiros, que ali acorrem. O senador Marco Maciel, quando Ministro da Educação, atendendo às reclamações, publicou uma portaria determinando que apenas vinte por cento dos servidores do MEC, lotados no Rio de Janeiro, entrassem de férias, nos meses de janeiro e fevereiro, para não prejudicar o atendimento ao público usuário. “O tempora, o mores!”

Não raro, de retorno ao lar e à rotina, quantos não sentem o sabor amargo de desencanto, desânimo e tristeza diante do alto investimento em um programa que, afinal, não valeu tanto a pena, como se pensava. A sensação de encontrar-se talvez mais exaurido na volta – e com o cartão de crédito estourado – deixará no ar uma pergunta incômoda, mas inevitável: por que não se consegue mais descansar nas férias? A sociedade hodierna, de forma engenhosa, invadiu o nosso lazer. É exatamente isso que se deveria levar em conta, quando se pensa em férias e viagens. A máquina do consumo quer nos envolver, custe o que custar. E, paulatinamente, vamos sendo reduzidos a meros consumidores. Férias são uma pausa para voltar ao trabalho renovados daquilo que o cotidiano nos tem imposto com sua implacável exigência e estonteante ritmo. É importante ter consciência de que não somos máquinas de produzir e consumir. “Sois homens e não máquinas”, dizia Charles Chaplin. E afirma a Sagrada Escritura: “Somos criaturas feitas à imagem e semelhança de Deus” (Gn 1, 26).

 VIDA É COLEÇÃO

 

Valério Mesquita*

Mesquita.valerio@gmail.com

 

Acho que todo aquele que vem ao mundo, mesmo para ser apenas estatística, é um colecionador. Quem não o é nessa vida? Câmara Cascudo, por exemplo, colecionava saber, erudição, cultura popular, e, até crepúsculos. O mestre Mussolini Fernandes era infalível filatelista. Há, ainda os que armazenam em estantes superpostas amarguras, decepções, ingratidões e liseus intermináveis. É a pior de todas as coleções. Conheço na praça centenas de colecionadores de antigas “promissórias”, “papagaios” e “pré-datados”. Na política existem compiladores eméritos de vitórias e, principalmente, em maior número - de derrotas. Muito embora, haja aqueles que colecionam dinheiro: real, dólar, euro, libra, etc, etc. No Brasil quem comanda uma das mais seletas coletâneas é o político Paulo Salim Maluf, entre muitos outros, tanto aqui quanto alhures. Não precisa nem falar sobre muitos que colecionam objetos e mulheres como troféus emocionais.

Mas, a coleção mais esquisita e estranha é aquela ligada às transformações da vida. Certa vez, aconteceu na Câmara Municipal de Natal uma merecida homenagem ao ex-prefeito Djalma Maranhão, cassado, perseguido e preso pelo Exército em 1964. O legislativo natalense reabilitou a sua memória e homenageou igualmente vários auxiliares e correligionários de Djalma, também, à época, penalizados como ele. E adivinhe qual a banda musical que prestigiou o evento, executando acordes musicais como pano de fundo: a do Exército. Quem diria que um dia, tudo isso e outras coisas mais, aconteceria de uma forma que não pode fugir do registro. Vale dizer que o homem, também, coleciona impossibilidades, imprevisibilidades e o inimaginável.

Uma coleção bizarra, macabra, repressiva dos governos totalitários diz respeito aos órgãos de informação e inteligência. Reúnem nos seus arquivos dossiês sobre pessoas, fatos e projetos. Recentemente, descobriram nos arquivos do FBI e da Marinha Norte-Americana que em 1908 o então Presidente Theodore Roosevelt, emérito caçador e ecologista, frequentador assíduo da selva amazônica, permitiu que se elaborasse um projeto de invasão ao Brasil, a começar pelo Rio de Janeiro (capital do País) em defesa, segundo os ianques, da desejada Amazônia. Até o super Djalma Maranhão figurava em 1947, nas prateleiras do FBI, disse-me o notável pesquisador potiguar Leonardo Barata.

Gerardo Melo Mourão, cearense, ex-integralista, ex-deputado federal, foi preso durante a 2ª Guerra Mundial, acusado de espião das nações do eixo. Passou seis anos na cadeia, durante o regime do “estado novo”. Saiu da prisão no alvorecer da redemocratização em 1947, alforriado por decisão do Supremo Tribunal Federal. Eleito deputado federal por Alagoas, foi cassado em 1964 e se exilou no Chile. Colecionou como muitos outros, prisões e banimentos. Através da TV Senado, de viva voz, narrou um episódio que demonstra cabalmente que o homem também coleciona ódios. Ele e mais três companheiros, denunciados e perseguidos tenazmente por David Nasser da Revista “O Cruzeiro”, armaram uma emboscada para sequestrar o famoso jornalista. Contou detalhadamente, Gerardo Mourão que Nasser, sob a mira de quatro revólveres, foi obrigado a comer, sentado à mesa, um prato cheio de excrementos. “Se não comer morre”, diziam. “Dê-me guardanapos”, pediu o jornalista. “Sem guardanapos”, respondeu um dos inquisidores. Concluída a abominável refeição, um dos odientos exclamou: “Mesmo assim vai morrer”. Contido pelos demais, liberaram David, que teria talvez, preferido enfrentar de novo o Golias. Afirmam as más línguas que o repórter colecionou, ao longo da vida jornalística, impiedosos inimigos. Vida é coleção.

No primeiro governo, entraram na mansão do ex-presidente Trump na busca de papéis secretos da Casa Branca. E para ratificar a assertiva de que a vida é coleção, não são poucas as residências de políticos e empresários brasileiros visitadas pelos federais na cata de papéis e outras coleções.


(*) Escritor