DE UMA VEZ POR TODAS
Por Franklin Jorge
Perseguido pela ditadura militar, curtiu o exílio no Chile e noutros países, como a Alemanha, fazendo-se querido e admirado por onde passou, pois os deuses o bafejaram com esse misterioso dom de fazer amizade e de doar-se aos amigos, em ação e gentileza, como aproximar pessoas que ele crê estejam em sintonia ou tenham algo em comum. Para Thiago, viver é estar entre os outros, solidariamente, como nos tem ensinado Ana Arendt, lição que ele tomou como preceito e filosofia de vida.
Assim, quando nos conhecemos, cuidou logo de apresentar-me a alguns amigos seus cujos nomes são evocados, juntamente com o meu, nessa sua penúltima obra publicada que tenho debaixo da vista; digo “penúltima”, porque Thiago é desses intelectuais que não se deixam dominar pela fadiga ou o marasmo. Está sempre escrevendo, criando e inovando, como faz agora, em “De uma vez por todas” que, apesar do que há de peremptório e afirmativo nesse título, como algo feito e acabado, não pode ser tomado ao pé da letra. Em resumo, para Thiago, nada finaliza…
Acabei de adquirir o livro que leva a sua voz ardente, graças a noticia que dele me deu ao jantar em minha casa, noites atrás, o professor Antenor Laurentino Ramos, e nele encontrei nas páginas 247-50, prosificado, o longo poema que ele escreveu e marcou, como presente de aniversário, em 1992, os meus quarenta anos, transcorridos em Rio Branco, onde, por um breve tempo, caminhando ao seu lado sob um pálio de nuvens estreladas, pudemos pressupor o sentido de ser no tempo, isto é, da eternidade.
“Um rio cheio de pássaros e estrelas”, eis o titulo do poema que ele conserva em sua cálida e fluente prosa. Nesse texto, o reencontro com uma fração de minha vida: as visitas que fizemos juntos aos escritores Hélio Melo e Mário Diogo; aos ex-governadores Geraldo Mesquita e José Rêgo [este, nascido em Pau dos Ferros, o segundo dos dois governadores doados pelo Rio Grande do Norte ao Estado do Acre]; o churrasco de peixe na casa deste último, um domingo, preparado por esse grande chef boliviano, Salazar Ruela; o pato no tucupi que nos reuniu, uma noite, em torno da mesa de Dona Bela, nossos queridos amigos, Dr. Albérico Batista da Silva, Lídia e Braz, que agora também fazem parte do universo poético e sentimental do “Caboclo Thiago”, aposto que ele usa na terceira pessoa, na intimidade, ao referir-se a si próprio…
Semeador de amizades que perduram em seus versos, Thiago é cheio de surpresas, como a poesia em que se decanta, agora e a cada instante do seu viver intenso, enamorado de tudo e da própria vida, como quem sabe cantar e repartir o canto que o habita.
Thiago tem raízes enterradas no Ceará-Mirim, onde nasci, um pouco antes dele pisar o seu solo, em decorrência de convite feito por Odilon Ribeiro Coutinho, que acabara de adquirir, ali, o Engenho Ilhabela. Havia pouco, Thiago publicara o seu segundo livro, “Narciso Cego” [Editora José Olympio, 1952], enquanto eu mal saíra dos cueiros…
Veio o poeta amazônida acompanhado de um dos grandes escritores brasileiros de sua geração, o paraibano universal José Lins do Rego, a quem ele chamava de Zé Lins, Zé do Rego, ou tão somente Zé, segundo a circunstância; o que não mudava era a amizade viril e a camaradagem que se estabelecera entre o jovem poeta e aquele colosso humano vinte anos mais velho, como se repetiria entre nós há pouco mais de duas décadas, ou bem antes disso, quando comecei a ler os seus poemas, a partir da publicação de “Faz escuro mas eu canto”, de 1965, atualmente em 14ª edição, através do qual ele passou a fazer parte, efetivamente, de minha vida.
Mas, voltemos ao Ceará-Mirim e à vivência de Thiago no Ceará-Mirim, assunto por demais importante para ser ignorado por aqueles que fazem ou fingem fazer cultura entre nós. Minha sugestão é simples: que essas crônicas, escritas quando da passagem do poeta pelo Ceará-Mirim, há quase sessenta anos, sejam reunidas em livro. Não um livrinho qualquer, uma edição bem cuidada e talvez, até, “de luxo”, ilustrada por um desses jovens talentos de minha terra.
Eis minha sugestão.
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postado por O Santo Ofício
dezembro 11, 2011
Transcrito do NOVO JORNAL [Natal, 11 de Dezembro de 2011]
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