quarta-feira, 24 de janeiro de 2024

 

Madalena, “apóstola dos apóstolos”

Padre João Medeiros Filho

Assim é designada Maria de Mágdala em textos bíblicos apócrifos e na tradição de várias igrejas cristãs. Eça de Queiroz, um anticlerical confesso, escreveu em A Relíquia: “Madalena mudou o curso da história, ao gritar pelas ruas de Jerusalém: Ele ressuscitou!” As palavras do escritor lusitano caminham na direção do relato do Quarto Evangelho (Jo 20, 11-23). A admiração de Maria pelo Nazareno e seu encontro com o Ressuscitado marcaram os primórdios da Igreja.

A desolação reinava entre os seguidores de Cristo. Este fora crucificado, morto e sepultado, deixando uma lacuna impossível de preencher e um clima de tristeza, abandono e desesperança. Eis que surge uma discípula do Mestre transmitindo a boa nova, ouvida de um anjo: “Por que procurais entre os mortos quem está vivo?” (Lc 24, 5). Ou ainda: “Eu vi o Senhor” (Jo 28, 18). Inicialmente, os apóstolos não acreditaram naquelas palavras. Resolveram ir até o sepulcro. E lá chegando, não encontraram o corpo de Jesus. Verifica-se uma ausência daquele que deveria ser reconhecido, a partir de então, de outra forma. A melancolia foi dissipada pela esperança renascida com as manifestações do Ressurgido. Este confirma o testemunho da “mulher pecadora”, extasiada pela graça sobrenatural (cf. Jo 20, 15).

Antes da experiência que transformaria sua vida e a de muitos, a mulher de Mágdala experimentou um profundo desalento. De manhã cedo, dirigiu-se ao túmulo do Senhor, apressada e com o coração batendo disparado. Desejava homenagear quem perdoou seus pecados e ungir com aromas o corpo de Jesus. Porém, dentro do jazigo no qual O colocaram, não havia nada, a não ser o silêncio. A sepultura vazia atordoava e doía mais que a visão do cadáver que poderia encontrar. E Maria chorou desconsoladamente. Ao “jardineiro” que lhe perguntou a razão do pranto, explicou que haviam tirado o seu Mestre e não sabia onde O puseram (cf. 20, 14). E suplicou-lhe: “Se foste tu que o levaste, diz-me onde está que irei buscá-lo” (Jo 20, 15). Nestas palavras transborda a força do reconhecimento e da gratidão de quem foi perdoada. Não há coisas insuperáveis para quem crê. Aquele que acredita transporta Deus e para Ele nada é impossível (cf. Lc 1, 37).

Ao longo da vida, veem-se mães curando filhos desenganados por médicos. Existem esposas trazendo de volta à vida os companheiros mergulhados em vícios. Há mulheres capazes de atravessar mares, estepes nevadas, desertos escaldantes à procura de quem seu coração deseja. Não havia obstáculos para Maria. Ela iria até os confins do mundo para encontrar o Salvador. Bateria em todas as portas, enfrentaria qualquer autoridade, civil ou religiosa. Nenhuma intempérie seria empecilho para seu coração, sequioso do Mestre. Nele descobriu o afeto e a misericórdia de Deus. O Ressuscitado veio a seu encontro e pronunciou seu nome: “Maria”. Ela respondeu: “Mestre!” (Jo 20, 16). Como não gritar pelas ruas de Jerusalém e não proclamar aos quatro ventos que Ele ressurgiu? Como não anunciar que a esperança renasceu e a alegria voltou a reinar? Não se deve buscar entre os mortos aquele que vive. Assim é a trajetória da “apóstola dos apóstolos.” Segundo o relato dos evangelistas, foi a primeira testemunha da Ressurreição. Inaugura assim um novo tempo na caminhada da Igreja primitiva. Talvez isto explique o interesse da longa pesquisa de Augusto Carlos Viveiros por esse personagem do Evangelho.

Numa sociedade patriarcal em que as mulheres não podiam testemunhar, pois seu depoimento era nulo, Maria de Mágdala falou sobre o que viu e ouviu. Convenceu os seguidores de Cristo a respeito da Ressurreição. Difundiram o anúncio de Madalena, transformando-se em arautos do Ressuscitado. Nestes tempos tão tenebrosos, em que tudo parece sombrio e quando os horizontes se atrofiam sobre nossas cabeças, não se pode ignorar o poder da fé e do amor. Estes guardam um potencial transformador e terapêutico. Na fé de Pedro, Cristo fundou a Igreja. No amor de Madalena, a Igreja sente a Vida. A morte não tem sobre ela a última palavra. A vitória definitiva é a da Vida, outro nome de Deus. “Onde está, ó morte, a tua vitória?” (1Cor 15, 55).

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