terça-feira, 12 de setembro de 2023

 

AS CORES DO JARDIM DE NOSSA CASA
Valério Mesquita
mesquita.valerio@gmail.com
Não há melhor maneira de visualizar a eternidade que de uma janelinha aberta sobre a imensidão dos campos. Mas, pra mim bastaria o simples repouso contemplativo sobre o jardim ou as árvores do quintal de minha antiga casa em Macaíba. Elas têm a força do resgate das estações. Quantos fatos idos e vividos não presenciaram? Quantos olhares perdidos no tempo não posso recolher do velho jardim, impregnados nas folhas, nas rosas, nas pétalas dos “dedais de ouro” ou no jasmim debruçado há mais de 60 anos sobre o muro da calçada, cansado de dá boa noite?
A estátua da Deusa Minerva, de louça portuguesa, chantada no centro do jardim e chegada com a casa há mais de 100 anos passados, ainda guarda ciumenta e sobranceira a beleza e o perfume das rosas. A maior e a mais antiga das rosas não está no jardim. Ela o fez. D. Nair, do alto dos quase 100 anos, ainda o cultivava, associando-o a sua vida através do doce mistério da contemplação nas manhãs de ressurreição. Câmara Cascudo imerso nas brumas dos 80 anos dizia que “era uma saudade em vida agarrada ao sonho de continuar a viver”. Não há força mais dramática na passagem do ser humano pela vida do que a do senso trágico da sua própria brevidade. Partilhei, com a minha mãe, todas as emoções de sua velhice. Os seus repentes, as suas fragilidades e, acima de tudo, o patrimônio indescartável de suas lembranças. “Meu filho, a velhice é um fracasso”, queixava-se sob o peso de suas deficiências. Ao me ver cercado de amigos, conversando política, ariscava um prognóstico incontestável: “O Partido Social Democrático (PSD) nunca perdeu uma eleição. Eu e Mesquita demos aqui em Macaíba brilhantes vitórias. E como está esse ano?”. Era a heroína política anônima, ainda crédula na grandeza do último milagre do velho PSD de 1950, revivendo e reinventando as emoções limpas e as ilusões que um dia viajou com ela.
Quanto fascínio não exerce sobre todos nós o vasto jardim da rua Francisco da Cruz, nº 39, Macaíba. E os momentos de desilusão, sofrimento, melancolia, próprios dos lideres políticos em tantos olhares dispersos de Alfredo Mesquita, não se perderam pelos canteiros, e eles, somente eles, ainda guardam hoje mágoas secretas e lágrimas furtivas de profundidade vital?
Lembro-me que certa vez, meu pai criou no jardim uma asa branca. Era fã das músicas de Luiz Gonzaga. Permanecia longo tempo com a ave entre os dedos após chamá-la. Conversava com ela. Era a sua paz cósmica satisfeita. Trágico e negro foi o dia em que encontrou em pedaços pelo jardim a asa branca de sua ternura. Adoeceu. O filho médico Carlos Mesquita veio vê-lo urgentemente. O jardim que se tornara berço, também se transformara em túmulo de sua franciscana devoção. A partir daí, no jardim, foi decretado estado de sítio que puniu todos os cães e felinos vadios de perto e da distância.
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