terça-feira, 15 de maio de 2012


.CRIMES E ROMANCES
postado por O Santo Ofício maio 11, 2012
Por Marcelo Alves Dias de Souza
Semana passada, conversamos aqui sobre Edgar Allan Poe (1809-1849) e o recém-lançado filme “O Corvo” (“The Raven”, 2012, direção de James McTeigue). “O Corvo” tenta “reconstruir” os últimos dias de Poe na Baltimore do século XIX, tendo como pano de fundo uma série de crimes praticados com inspiração nas estórias desse grande escritor americano. Sob esse aspecto, podemos definir o “O Corvo” como uma espécie de arte (ficção) sobre “a vida imitando a arte”.

Coincidentemente, por esses dias, dei de cara com uma reportagem da revista Short List (que é distribuída gratuitamente nas ruas de Londres e sobre a qual já falei por aqui), tratando basicamente do inverso: a arte, mais precisamente a ficção policial, imitando a vida. Como sugestão para futura leitura, a revista teve o trabalho de listar, sob pomposo título, alguns “crimes reais que inspiraram a ficção”. A relação inclui clássicos, como “Assassinato no Expresso do Oriente” (1934) de Agatha Christie, assim como títulos já do século XXI, como “Os Homens que Não Amavam as Mulheres” (2008), de Stieg Larsson.

Não conhecia – e certamente não li – todos os romances policiais relacionados. Mas, para algumas dessas histórias/estórias, posso dar a minha chancela (não que valha muita coisa) e alguns pitacos.

Por exemplo, na relação, merecidademente, está “O Poderoso Chefão” (1969, “The Godfather”). Segundo a Short List, Mario Puzo, para escrever o romance que mais tarde daria ensejo aos maravilhosos filmes de Francis Ford Coppola (que, certamente, não preciso recomendar), teve como inspiração as “lendas” sobre as “cinco famílias” mafiosas de Nova York. O livro contém muitas alusões a pessoas de carne e osso. O cantor Jonny Fontane, diz-se, é baseado em Frank Sinatra; o mafioso Moe Greene, em Bugsy Siegel. E, curiosamente, Don Corleone é baseado na própria mãe de Puzo. Essa senhora, que Deus a tenha, devia “dar medo em menino”.

Outro romance listado que “põe” a mãe no meio, mas de um modo bastante mórbido (a meu ver), é “A Dália Negra” (“The Black Dahlia”, 1987), de James Elroy. Ele é baseado no assassinato da garçonete Elizabeth Short, que teve seu corpo, completamente mutilado, encontrado em um estacionamento na Hollywood da década de 1940. O romance conta a estória dos detetives que investigaram a morte daquela que foi, por só se vestir de preto, para sempre apelidada e estigmatizada pela imprensa sensacionalista da época. Dizem que Elroy tornou-se obcecado pelo caso da “Dália Negra” porque sua própria mãe foi também assassinada, um crime até hoje não solucionado. Bizarro, no mínimo.

A Short List também arrola o caso parecido e mais recente de “Os Homens que Não Amavam as Mulheres” (2008, “Män som hatar kvinnor” no original sueco e “The Girl with the Dragon Tattoo” em inglês), de Stieg Larsson. Em 1984, na Suécia, parte do corpo mutilado da prostituta Catrine da Costa foi encontrado abandonado em uma sacola. Algumas semanas após, outras partes do corpo são encontradas numa área próxima. O crime chamou a atenção de Larsson, jornalista engajado em denunciar a violência contra as mulheres.

Outro caso, cujos fatos reais são ainda mais recentes, é “Precisamos Falar sobre o Kevin” (2003, “We Need to Talk About Kevin”), de Lionel Shriver. A estória do garoto Kevin é baseada no assassinato de 12 estudandes e um professor na Columbine High Schoool, em Colorado-EUA. Acho que muitos de vocês se lembram dessa tragédia, cujos autores foram dois outros estudantes da mesma escola que, em seguida, cometeram suicídio.

Mas o meu preferido da lista (não falos dos crimes, que fique claro), como não poderia deixar de ser, é “Assassinato no Expresso do Oriente” (1934, “Murder on the Orient Express”). O clássico da minha amiga Agatha Christie tem como pano de fundo o sequestro e assassinato da uma garotinha, nos EUA, pelo fugitivo Ratchett/Cassetti, que é assassinado no Expresso do Oriente. Essa estória teve como inspiração o sequestro e assassinato real, em 1932, da filha do famoso aviador Charles Lindbergh. Até o caso da babá, suspeita de participação (mas inocente), que comete suicídio, é repetido no romance. E sobre “Assassinato no Expresso do Oriente”, falarei mais detalhadamente na semana que vem. Já tenho tudo arranjadinho, eu juro.

Quanto à questão dos “crimes reais que inspiraram a ficção”, confesso que achei tudo uma grande sacada. Tanto o rol da Short List para fins de futura leitura, como a ideia de a arte imitar a vida para fins de ficção policial. E é algo certamente inofensivo se comparado com o contrário, isto é, a vida imitar a arte (do crime).

Mas por aí, na terrinha, alguém topa escrever um romance policial com inspiração na vida real? Quem sabe um romance com cenas de tribunal? Crime é o que não falta.
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.Marcelo Alves Dias de Souza é Procurador Regional da República, Mestre em Direito pela PUC/SP e Doutorando em Direito pelo King’s College London – KCL



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