Relendo Confissões de Santo Agostinho
Padre João Medeiros Filho
Agostinho Aurélio nasceu em Tagaste (antiga Numídia), aos 13 de novembro de 354, falecendo em Hipona (Argélia), aos 28 de agosto de 430. Foi um dos importantes pensadores dos primórdios do cristianismo, cujos escritos influenciaram sobremaneira o desenvolvimento da fé e o pensamento ocidental. Dentre as publicações católicas, talvez as obras agostinianas, destacando-se Confissões, sejam as mais publicadas, depois da Bíblia e da Imitação de Cristo. Pela densidade poética e originalidade representa um marco na história da literatura religiosa do Ocidente. Elaborou uma nova forma de fazer filosofia e teologia. Não prioriza o ensino calcado em deduções e conceitos abstratos, enfatizando a observação de reações e motivações interiores, do significado dos fatos e gestos cotidianos. Segundo estudiosos, Confissões é uma das primeiras autobiografias de que se tem notícia. Aos olhos de certos terapeutas, pode ser considerada precursora de métodos psicanalíticos. Agostinho despe-se aos olhos dos leitores com a humildade e serenidade de quem se encontrou na estrada da vida. Deixa transparecer a influência do cristianismo em sua caminhada intelectual. Transita pela poesia, psicologia, ética, mística, filosofia e teologia. Relevante é a sua contribuição como teólogo, tendo levado a Igreja a pensar. Em Confissões é possível encontrar o que a psicologia analítica chama “escuta de si mesmo”. O autor já passara dos quarenta anos de idade, quando começou a escrever o seu tão difundido livro, cuja atualidade permanece, passados dezesseis séculos. Desde cedo, o jovem de Tagaste revela sua personalidade e autenticidade, recusando uma proposta de pagar alguém para conseguir vencer um concurso de poesia dramática. A espiritualidade do filho de Santa Mônica é fundamentalmente evangélica, própria de quem se sente “morada divina” (Jo 14, 23). Ele tem consciência da graça de Deus em sua vida: “Senhor, tu não abandonas tuas criaturas como elas esquecem o seu Criador.” E num impulso de manifestação sobrenatural, exclama: “Onde estavas quando te procurava? Tu estavas diante de mim. Mas, eu me afastei até de mim mesmo e não me encontrei, quanto menos a ti! Tarde te amei, ó beleza tão antiga e tão nova! Tarde demais eu te amei! Eis que habitavas dentro de mim e eu te procurava fora!” Desabafo que chega a impressionar até psicanalistas agnósticos. Em abordagem sócio-política, o Santo de Hipona critica os discursos lisonjeadores, demagógicos e oportunistas. Assim, relata: “Como eu era miserável, quando me preparava para fazer o elogio do imperador Valentiniano II, em que haveria de proferir mentiras para ganhar a aprovação dos poderosos.” Sente-se vazio e infeliz, confessando uma certa inveja de um boêmio que cantava e ria pelas ruas de Milão: “Ele era mais feliz do que eu, pois transbordava de alegria, enquanto eu era dilacerado por preocupações. Ele ganhava bebida, desejando felicidade aos outros, e eu buscava a vanglória, mentindo.” A respeito de tais palavras, afirmou Carl Gustav Jung: “Estamos diante de uma humanidade despida.” Em Confissões pode-se encontrar um tocante discurso contra a arrogância, corrupção, deterioração e abuso de poder. Elogia a postura ética de seu amigo Alípio, assessor do Chefe do Tesouro da Itália, de sua época. Assim escreveu: [Era] “um senador poderosíssimo, que a muitos dominava pelos benefícios ou subjugava pelo medo. Valendo-se de seu poder, pretendia que Alípio fizesse algo ilegal e antiético. Prometera-lhe um prêmio, o que foi resolutamente rechaçado. Fizera-lhe ameaças, mas Alípio reagiu com energia incomum, maravilhando a todos por contrariar e não temer como inimigo um homem tão poderoso, reconhecido pela reputação de dispor de inúmeros meios para favorecer ou prejudicar alguém.” Vale a pena meditar sobre as palavras de Santo Agostinho, referindo-se ao Deus Onipotente. Seus textos-orações possuem, além da profundidade teológico-espiritual, uma beleza poética: “NELE brilha para a minha alma uma luz que nenhum espaço contém, onde ressoa uma voz que o tempo não arrebata e exala um perfume que o vento não dissipa, em que se saboreia um alimento que a sofreguidão não diminui e se vivenciaum contato que a saciedade não destrói.” Ao ler tais palavras agostinianas, parece ouvir-se o canto do salmista: “Quão grandiosas são as tuas obras, Senhor, quão profundos os teus pensamentos” (Sl 92/91, 5).
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