“Aproveita, enquanto Brás é tesoureiro”
Padre João Medeiros Filho
Segundo vários pesquisadores, a expressão é antiga e oriunda de Portugal. No Brasil, ganhou ressonância com a música carnavalesca de Efson e Nei Lopes, intitulada “Firme e Forte”, interpretada por Beth Carvalho. Diz a letra: “Aproveita hoje, porque a vida é uma só. Deixa correr frouxo, esquentar não é legal. Se o Brás é tesoureiro, a gente acerta no final.
Deus é brasileiro e a vida, um grande carnaval.” O ditado denota complacência com o descontrole financeiro, ético e político. Emprega-se em contexto de malversação de dinheiro ou bens, mormente públicos e aplica-se a muitos campos e assuntos da vida nacional.
Apregoa estímulo à desobediência de normas vigentes ou sua lassidão. Qual a origem? Destacam-se duas versões. A mais difundida remonta aos tempos de Portugal concordatário, “ex-vi” do padroado.
Em razão da união entre Estado e Igreja, vigente outrora na Coroa – bem como no Brasil colonial e imperial – o catolicismo gozava do status de religião oficial. Em decorrência desse acordo, os eclesiásticos eram funcionários de Estado, percebendo côngruas e espórtulas.
O poder público financiava os templos e irmandades. Com o advento da República, o Brasil tornou-se constitucionalmente um ente laico.
No passado, os párocos e capelães eram concursados e detinham vitaliciedade no cargo. Até alguns anos, usava-se o termo vigário colado, em razão da colação do título de efetividade. No regime concordatário luso-brasileiro, após a aprovação em concurso, além da estabilidade como servidor público, o clérigo adquiria inamovibilidade. Bispos, párocos e capelães eram nomeados pelo rei, imperador ou quem suas vezes fizesse.
É singular e merece aprofundamento a Questão Religiosa brasileira, em virtude da qual os prelados de Olinda e Belém do Pará foram presos por desobedecerem a ordens do Imperador, seu superior hierárquico, no campo administrativo.
Durante o padroado, nas paróquias ou capelanias lusitanas e brasileiras, havia a figura do fabriqueiro, termo usado para designar o tesoureiro. Em Póvoa de Varzim, os sobrinhos e afilhados do pároco da freguesia eram inescrupulosos e pródigos. Levavam o tio ou padrinho a aceitar o esbanjamento e despesas desnecessárias.
O velho cura (ou prior, como se dizia por lá) devia convencer o tesoureiro Antônio Brás a pagar os gastos. Este usava de uma química contábil na prestação de contas aos órgãos estatais. Os parentes do eclesiástico insistiam junto ao tio: “Aproveita, enquanto Brás é tesoureiro.”
A semelhança com personagens da atualidade é mera coincidência. Eça de Queiroz, nascido naquele município português, conhecia e usava a expressão aqui analisada, a qual sublinhava o seu anticlericalismo. Assim corrobora o renomado pesquisador alagoano Théo Brandão, situando o ditado na primeira metade do século XVIII.
Um parlamentar gaúcho, diante de situações análogas, chegou a exclamar: “Ou se aproveita a ocasião e se desvendam os esquemas pelos quais tanto dinheiro desaparece, de forma inaceitável, ou então se fará um pacto com a impunidade, nomeando-se um Brás como tesoureiro oficial.” Muitos esquecem o ensinamento do apóstolo Paulo: “Por se entregarem com volúpia ao dinheiro, alguns se desviaram da fé” (1Tm 6, 10).
Uma variante do ditado, de menor repercussão, identifica Brás com o fundador do bairro que leva esse nome na capital paulista. Há historiadores que afirmam ser as origens do dito popular ligadas à figura do português José Brás. Este era proprietário de uma chácara na região, tendo construído a Igreja do Bom Jesus de Matosinhos.
Tal senhor foi designado o responsável pela arrecadação e guarda dos impostos e taxas devidos ao erário. Familiares seus eram perdulários e ambiciosos, repetindo entre eles: “Aproveita, enquanto Brás é tesoureiro.”
Consoante certas fontes, o bairro se desenvolveu bastante, graças ao desvio dos recursos, tornando-se hoje um dos influentes polos da moda.
Acredita-se que a versão anterior seja digna de mais credibilidade, posto que a fundação do bairro paulistano data da segunda metade do século XIX. Deve-se acrescentar ainda que Brás nada tem a ver com o personagem do romance de Machado de Assis. O profeta Isaías já se insurgia contra o esbanjamento: “Por que gastais o dinheiro naquilo que não traz pão e vida?” (Is 55, 2).
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