ORIGENS E SÍMBOLOS DO NATAL
Padre João Medeiros Filho
I HISTÓRIA
Segundo a maioria dos historiadores, a celebração do Natal de Cristo remonta ao ano 440, quando o Papa Leão I (São Leão Magno) instituiu a missa In Nativitate Domini. Não há registro cronológico da data exata do nascimento de Jesus. O dia 25 de dezembro é a sacralização ou cristianização de algumas festas pagãs que aconteciam junto aos povos ocidentais e orientais, especialmente romanos, gregos e egípcios, mormente nos países banhados pelo mar Mediterrâneo. Dentre elas destacaremos as seguintes:
1 Saturnaliae
Em Roma, eram famosas as Saturnaliae (ou Saturnais) em homenagem ao deus Saturno – versão romana do deus Cronos. De acordo com as lendas e a mitologia, Saturno era uma divindade romana. Uma vez destronado por Júpiter, fugiu para a Ausônia (Itália). Segundo a crença pagã, reinou durante a Idade de Ouro do Império Romano. E em memória desse reinado benéfico, realizavam-se no início do inverno as festividades Saturnais. Nessa oportunidade, ficavam suspensos os serviços públicos, declarações de guerra e execuções de criminosos. Os amigos trocavam presentes e os escravos adquiriam liberdade momentânea. As árvores eram enfeitadas para que brilhassem durante a noite. Tocava-se e cantava-se em agradecimento a Saturno, o deus da simetria, fartura e vida. No seu reinado, havia paz e harmonia, concórdia e fraternidade. Assim expressa-se o poeta latino Virgílio: Iam redit et Virgo, redeunt Saturna regna: (Eis que a Justiça está de volta, retorna o reino de Saturno). As Saturnais eram uma forma de lembrar o estado paradisíaco e obter graças e proteção de Saturno sobre os campos e a vida.
Por ocasião das Saturnais, acontecia um banquete onde todos se sentavam à mesa, servidos pelos senhores. A ceia tinha por intenção mostrar que, perante a natureza, todos os homens são iguais e que no reinado de Saturno os bens da terra pertencem a todos.
Podemos verificar que nas Saturnais havia vários aspectos que inspiraram a realidade da festa do Natal cristão. A Igreja nos ensina e a fé nos confirma que Cristo, o novo Adão de que fala São Paulo, veio instaurar um reino de amor, justiça e paz. O Filho de Deus se encarnou e nasceu para proclamar a nossa fraternidade e fazer com que todos se sentem à mesma mesa (Eucaristia) para um banquete servido pelo próprio Deus. Para os cristãos Cristo é o maior dom de Deus, presente divino para o mundo e em memória dessa doação celestial, somos animados a trocar presentes. Recebestes de graça, dai de graça (Mt 10, 8). Eis a sacralização ou cristianização de uma tradicional festa pagã. Com a vinda de Cristo, os romanos foram convidados a se reunirem não mais para celebrar um deus frágil, mas o Deus Eterno, do Amor e da Vida.
2 Hélios
De acordo com a mitologia grega, Hélios (O Sol) era filho de uma Virgem chamada Téia (do grego: divina). É o deus da luz, conhecedor profundo de todas as mazelas do mundo, capaz de criar e secar, de apontar e cegar. Segundo a lenda, Hélios ganhou de Posídon ou Possêidon (Netuno) a cidade de Corinto, onde era adorado pelos seus habitantes, que propagaram para toda a Grécia a festa do deus Sol. No solstício do inverno (entre 22 e 25 de dezembro no hemisfério norte), os coríntios costumavam celebrar a festa do deus Hélios, onde se cantava e pedia que ele não se afastasse da terra e não reinassem as trevas que encobriam as cidades. Em geral, tais festividades tinham o seu clímax no segundo ou terceiro dia, ou seja, na data ou véspera de 25 de dezembro.
A Igreja, partindo da tradição e realidade pagã, deseja comemorar Aquele que é a Luz do Mundo, o Sol da Justiça e da Paz preconizado pelo profeta Isaías. Segundo a crença helênica, o frio e os rigores do inverno deveriam ser amenizados com a proteção de Hélios. Deste modo, o gelo da insensibilidade ou indiferença, do ódio e da violência deveriam, segundo a concepção cristã, ser destruídos ou amenizados por Aquele que aquece as nossas vidas e corações. Reza-se na sequência da missa de Pentecostes: Sol divino, aquecei as nossas almas. Segundo a mitologia grega, Hélios era considerado o “olho do mundo”, ou seja, aquele que tudo vê. Para os teólogos pelo mistério da Encarnação, Cristo é o olho de Deus no mundo dos homens. É muito mais do que um simples olho. É a presença divina no tempo. Entende-se melhor a representação iconográfica do “olho de Deus” no triângulo encontrado nos santuários de Schoenstatt. Não é sem sentido e simbolismo a lenda que afirma: quando o sol se põe, ele viaja para as entranhas da sagrada noite escura. Na verdade, quando o Cristo se ausenta da face da terra e do coração dos homens, temos trevas. Dizem-nos os relatos da paixão e morte do Filho de Deus que quando Ele expirou a terra se cobriu de trevas (Mt 27, 45). Cristo apresenta-se como sendo a Luz. Assim se expressou com bastante precisão: Quem me segue, não anda nas trevas (Jo 8, 12). Jung procurou descrever a trajetória de Hélios e o seu simbolismo: o herói se identifica com o sol, que nasce cada dia, isto é, imortal. Cristo é o Imortal, o Deus vivo e verdadeiro. Para o psicanalista suíço, a representação mítica é importante, pois Hélios retrata a força suprema do espírito e da alma, a verdade e o amor. Cristo é nossa fortaleza (Tudo posso naquele que me fortalece – Fl 4, 13), é a verdade (Eu sou o caminho, a verdade e a vida – Jo 14, 6) e o Amor (Deus é amor – 1Jo 4, 8).
3 Shesepuankh
Os egípcios cultuavam uma esfinge com este nome, que era a primeira a receber os raios de Ra-Herakheti, ou seja, o Sol vivo. Essa esfinge passou a ser cultuada por várias comunidades helênicas e da antiga Palestina como a Hieracoesfinge, que é a presença do deus Sol. Menos conhecida que as duas outras divindades e suas festas, o “rito do sol” é de grande importância para os egípcios, pois é o deus da fecundidade, da vida e do renascimento. Esse rito era celebrado no solstício do inverno, como súplica ao deus Sol para que não abandonasse a terra e não permitisse que os homens permanecessem nas trevas. Posteriormente, chamou-se de “festa da luz” como despedida da claridade, pois os dias hibernais são mais curtos do que as noites. A Igreja inspira-se nesses simbolismos incorporando à liturgia católica ideias e imagens, cristianizando a data, a festa e a tradição. Cristo é a luz do mundo (Jo 8, 12), como Ele mesmo se definiu e já profetizava Isaías: Brilhará para vós uma luz (Is 9, 2).
II SÍMBOLOS CLÁSSICOS DO NATAL
Da celebração de tais festas pagãs nascem o sentido do Natal e vários símbolos natalinos presentes na liturgia da Igreja, conhecidos e propagados até o dia de hoje.
a) A árvore de Natal
Nas Saturnais coloriam-se as árvores quase mortas por conta do gelo e do inverno inclemente. A Igreja ensina-nos que Cristo é a verdadeira árvore, símbolo da vida e da fecundidade, manifestando e comunicando a vida em qualquer situação. Assim é Jesus, que afirmou: Vim para que todos tenham Vida (Jo 10, 10).
Nos países tropicais, colocam-se árvores murchas com arranjos secos a nos sugerir uma reflexão indireta. O que está seco, não tem vida. Lembremo-nos da parábola da videira: Eu sou a videira, vós sois os ramos (Jo 15, 5). Portanto, sempre que estivermos longe de Jesus estaremos secos, pois só Ele é a Vida. Olhando os arranjos ressecados, peçamos a vida e condições para viver dignamente como filhos de Deus.
b) A ceia de Natal
A ceia natalina é também inspirada nas Saturnais, que lembravam a fraternidade. É o momento em que a família se reúne com alegria e amor renovados. Na hora da refeição todos estão unidos para dialogar. A ceia de Natal deve nos lembrar que nosso verdadeiro alimento é Jesus, Filho de Deus que estamos festejando. Em Cristo nós nos fortalecemos e temos a vida. A ceia natalina lembra-nos também uma outra, a última ceia de Jesus, onde Ele próprio se deu a nós como alimento para ficar conosco na Eucaristia.
Na ceia do Natal, costumamos colocar no centro da mesa uma vela acesa, para simbolizar Cristo que nos une em volta de si, que é a nossa luz.
c) A estrela
Nas festas pagãs procurava-se também reproduzir nas árvores e nas casas o brilho das estrelas e do sol. Sabe-se que no nascimento de Jesus, de acordo com o relato dos evangelistas, especialmente Lucas, apareceu no céu uma grande estrela. Os magos que vieram do Oriente à procura do Menino foram guiados por esta estrela até Belém. Tinha quatro pontas (lembrando a forma da cruz) e uma calda luminosa. As pontas representam as quatro direções da terra, norte, sul, leste e oeste, para as quais Cristo deve ser luz e de onde devem vir todos homens para adorar a grande Luz, o Filho de Deus. Jesus Cristo é nossa estrela, que aponta o caminho de nossa vida e quanto mais nos aproximamos da sua luz, também seremos luz e estrela, guiando outros ao encontro de Deus. Vós sois a luz do mundo (Mt 5, 14).
d) O presépio
Os historiadores da Igreja relatam que a representação do nascimento de Jesus – seguindo-se os relatos bíblicos – começou por volta dos séculos VII e VIII. Entretanto, a mais famosa delas foi de autoria de São Francisco de Assis, que se celebrizou no mundo inteiro como idealizador do presépio. O Santo dos pobres encontrava-se na cidadezinha de Greccio, na Itália central, no ano de 1223. Estando em uma ermida próxima a um bosque, teve a inspiração de encenar, na noite de Natal, o momento do nascimento de Cristo, que, segundo o Evangelho, é Deus que se fez homem para habitar entre nós e salvar a humanidade.
Assim, os amigos de Francisco levaram animais ao bosque e algumas pessoas interpretaram Nossa Senhora, São José, os pastores e os Reis Magos.
Até hoje, Greccio é conhecida como a “Belém italiana” por ter sido palco do primeiro presépio. Desde então, a representação visual do nascimento de Cristo se tornou, cada vez mais, símbolo do Natal.
Pode-se dizer que o presépio, apesar de sua origem e inspiração bíblica, lembra igualmente a tradição romana onde se realizavam encenações em homenagem ao deus Saturno.
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