Estado brasileiro laico e religiosidade
Padre João Medeiros Filho
Talvez por desconhecimento jurídico, histórico e cultural, pessoas, grupos e instituições voltam-se contra manifestações e símbolos religiosos – mormente cristãos – presentes em órgãos ou espaços públicos. São objeto de contestação, críticas, ataques e polêmicas. O assunto é recorrente em discussões acadêmicas, legislativas e jurídicas. O advento da República trouxe a ruptura da Concordata entre a Santa Sé e o Brasil (vigente desde os tempos coloniais), ocasionando o fim do padroado e do catolicismo como religião oficial. Proclamou-se o estado laico, ou seja, separado institucionalmente da Igreja. O uso do termo laicidade, de forma inexata semântica, canônica e juridicamente, tem sido um dos argumentos contumazes em discussões e debates. Absurdo é considerar laicidade como oposição a tudo o que diz respeito à religião. Por princípio constitucional, o Estado brasileiro é laico e não laicista. São realidades distintas. A laicidade é a neutralidade ou independência do ente estatal no tocante à religião, jamais aversão ou exclusão da fé do seu povo. Isto chama-se laicismo, postura radical que nega o sentimento religioso. Laicismo inexiste em nosso texto constitucional. Assim, inaceitável é a visão excludente da religiosidade. Esta não se configura como antagônica ao Estado. Ao contrário, ela poderá contribuir para avaliar a concepção e os projetos de sociedade. Ontológica e culturalmente, a religiosidade cristã é inerente à nossa formação antropológica como nação. Integra os elementos formadores de nossa identidade nacional, ao lado de tradições e raízes indígenas ou africanas. Por mais que queira, ninguém conseguirá apagar ou modificar o passado. É indelével. Hoje, órgãos de Estado empenham-se em preservar traços e aspectos transmitidos por nossos ancestrais. Há leis específicas de proteção a elementos oriundos da afro-descendência e ameríndia. Paradoxalmente, tenta-se negar ou soterrar a presença cristã na genética de nosso povo. Ignorar esse fato é uma postura preconceituosa histórica e culturalmente. Há uma marca religiosa nas entranhas do Brasil. Incontestável é a religiosidade de sua gente. Esta precede o ente estatal, o qual tem por dever edificar e manter uma sociedade equânime, justa e solidária. O povo é a razão de ser da instituição sócio-política, na qual está inserido. O Estado tem por objetivo o bem comum da nação, preservar seus legados culturais e respeitar os princípios de justiça, verdade, harmonia e paz. Portanto, não é correto – filosófica, jurídica e ideologicamente – considerar como opostos e inconciliáveis: Estado e Religião. A distinção é necessária e benéfica para não incorrer em ambiguidades indevidas, injustiças ou concessão de privilégios a determinado credo. Nos parlamentos, se os membros representam legalmente a população, detêm igualmente a obrigação de defender a religiosidade de quem os escolheu. O ônus abrange proteger a legitimidade e competência da religião, bem como momentos e contextos, locais e modos de expressar suas convicções. “Est modus in rebus”, escreveu o poeta latino Horácio em suas “Sátiras”, ou seja, há medida certa para cada coisa. De um lado, seria contraditório pensar o Estado como instância prestadora de serviço para o bem-estar da nação; de outro, discriminando a religiosidade, dimensão intrínseca e ontológica da brasilidade. Nenhuma entidade social ou partidária pode arrogar-se o direito de ser dona do Estado, a ponto de querer impor sua própria concepção ideológica ou religiosa. Tampouco, religião alguma deverá fazer o mesmo. São seres diferentes, apesar de vinculados à vida nacional. Deste modo, não se pode extirpar de nossa pátria elementos constituintes e intrínsecos, dentre eles, a religiosidade. Negam-se nossas origens, quando se parte de uma noção inexata e equivocada de laicidade. O Estado não deve ser confessional. Porém, não é ético, justo e intelectualmente honesto, excluir culturalmente o cristianismo do DNA do país. Se assim pretendem defensores dessa teoria, deverão repensar e abolir outros componentes que também constituem a identidade brasileira, protegidos por diplomas legais. É uma questão de dignidade, coerência e lógica. A religiosidade do ser humano não é maléfica. Dizia o teólogo Angelus de Silesius: “Como viver sem Ti, ó Senhor? Pouco importa teu nome: Clemência, Pai, Ternura ou Amor. És nossa luz, alegria, esperança, refúgio e paz!” Importa citar o salmista: “Feliz a nação, cujo Deus é o Senhor” (Sl 33/32, 12).
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