O CELULAR
Valério Mesquita
Não há faca de dois gumes mais cortante e afiada que o aparelho celular. As estatísticas aí estão para comprovar o que afirmo. Favorece a escuta, acidentes quando utilizado na direção de veículos e em penitenciárias nas mãos dos marginais, sem esquecer outros usos e abusos tão conhecidos de todos. Sei perfeitamente de sua serventia em outras tantas situações. Mas, desejo chegar a dois episódios, até certo ponto cômicos, onde o aparelho, respectivamente, vale mais do que o doente no hospital e do que o homem comum diante da autoridade.
O primeiro se refere ao uso rotineiro do celular por alguns médicos na sala de cirurgia dos hospitais. Enquanto os procedimentos operatórios são executados, com as vísceras do paciente expostas, o fone do cirurgião ou anestesista fica ali, sobre a mesa, ora recebendo, ora emitindo ligações e recados do whatsapp. O doente parece assumir um segundo plano e fica à mercê, automaticamente, por conta das manipulações contínuas, da temida infecção hospitalar. Hoje, ela é o fantasma oculto dos nossos hospitais. Por outro lado, a preocupação com o aparelho induz a distração, a leniência e a dispersão da equipe, com a prevalência da máquina mortífera sobre a vida do enfermo.
Tais reflexões me fazem lembrar um episódio, que ainda não contei, ocorrido comigo e um secretário de Estado, José Maria Melo, durante o governo de Garibaldi Alves Filho. Àquela época, eu exercia o mandato de deputado estadual e pedira-lhe, via celular, uma audiência, ao lado de dois inefáveis vereadores macaibenses. Após os cumprimentos de praxe, iniciei a narrativa dos assuntos, sendo interrompido três vezes pelo celular colocado sobre o birô. Sem que pudesse concluir a conversa administrativa na íntegra, apelei para um procedimento insólito. Lembrando-me que o seu número ainda estava gravado na memória do telefone, liguei-lhe no instante em que pedia água e café: “Alô, é o doutor Zé Maria?”. “É, sim. Quem fala?”. “É Valério, Zé Maria. Vamos concluir a nossa audiência pelo celular mesmo, ok?”. Não desligamos e fomos até o fim da conversa sem sermos perturbados. Conclusão: O celular é bicho incômodo e desatencioso. Desculpas à parte, juntos aprendemos a lição. Principalmente ele, sob os olhares atônitos dos dois edis conterrâneos: Ismar Fernandes Duarte e Francisco Pereira dos Santos.
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