OBITUÁRIO DE OMISSÕES
Valério Mesquita*
É no que Macaíba está se transformando. Sinto-me como prisioneiro de mãos atadas, apenas conduzindo lembranças. A linguagem que eu falo é somente de epílogos. Estive lá semana passada e não vi mais as esquinas, as ruas estreitas do centro repletas de segredos, sentimentos, vultos amigos, antigos, furtivos, que as curvas do tempo encobriram. Ninguém vê mais a lâmina d’água do rio Jundiaí no qual navegou Severo, Auta, Alberto e os Castriciano na lancha de mestre Antônio quando residiam em Macaíba. Uma espessa floresta cobre o leito – e de luto morrem as recordações dos antepassados. A ponte antiga nunca mais viu uma embarcação, cansada de ser todo dia atropelada. Ali, no antigo cais do porto, nunca mais surgiu enorme, carregada de mistérios, a lua cheia que nascia e planava em cima do Solar do Ferreiro Torto.
A cidade de Macaíba hoje é uma fotografia ampliada dez vezes, cuja memória social, política, cultural, virou destroço. Um profundo baú de ossos. Somente a retina e o amor telúrico, sensitivo, de alguns macaibenses conseguem reconstruir, aqui e acolá, a passarela da sua história. Vista do alto, comprova-se que a chaminé das constantes migrações aumentou a população, os veículos, o barulho, a droga, o homicídio, acabou a paz pastoral dos verdadeiros habitantes. Macaíba se abre fácil para os que chegam de perto e da distância. Até motivo de pesquisa e estatística de uma televisão ela e Parnamirim foram notícias. O fato serve de alerta para que a juventude nativa não deixe que apaguem as luzes. As luzes e as vozes dos que construíram, no passado, o seu futuro e o seu espírito. Que não deixe que padeça nem desapareça o sentimento de macaibanidade. Evitem o obituário de esquecimentos!!
É preciso plantar esperanças onde seja possível colher. A geração nova de macaibenses deve exigir oportunidades de trabalho, educação, saúde e segurança, sem olvidar o patrimônio cultural de sua terra que já integra a história do Rio Grande do Norte. Que os migrantes e neomacaibenses no exercício constante de ir e vir não recusem o gesto de amor à cidade. Que venham e que cheguem como quem ama uma flor recém-descoberta. Que não entendam Macaíba como prolongamento de Natal devorada pelo capitalismo econômico. Imponham os limites: dunas brancas, o rio, mesmo sem a lâmina límpida de suas águas, a própria história de Macaíba, única e indivisível. A geografia dos limites entre as cidades não pode ser indecisa. Cada uma tem a sua dor e a sua canção.
O esquecimento deliberado do poder público estadual em restaurar o Empório dos Guarapes é o maior crime perpetrado contra a história do comércio do Rio Grande do Norte. Nas décadas de 1860 a 1880, em termos de comércio de importação e exportação, Macaíba foi o maior do Estado. Essa época de apogeu está sendo apagada da história porque o projeto de restauração dorme em algum birô do Centro Administrativo. A área foi desapropriada pelo governo, paga, tombada por decreto oficial, o projeto técnico concluído, prometida a execução, mas o recurso permanece no obituário da omissão. Na matriz de Nossa Senhora da Conceição, foi celebrada missa de 30 anos de esquecimento. Fabrício Gomes Pedroza estava presente. Se Lampião tivesse subido o monte dos Guarapes, numa chuva de balas, talvez o Guarapes já tivesse sido restaurado.
“Vem, vem nos ajudar”, grito dentro de mim esperando. Senador, governador, deputado, prefeito, vereador, o escambau... Saibam que os moradores dos Guarapes, com a restauração, às suas residências terão valor imobiliário triplicado. O museu histórico do comércio do Rio Grande do Norte atrairá oportunidades diretas e indiretas de emprego. O calçamento já está chegando beneficiando o acesso. Por Lei Municipal Mangabeira e os Guarapes hoje, constituem uma área urbana ou um bairro de Macaíba. E para essa região promissora que a cidade vem crescendo, pois não existe outro com mais razão telúrica e força histórica, a começar com o Ferreiro Torto sempre margeando o rio Jundiaí!!
Nenhum comentário:
Postar um comentário