DO PASSADO E SUAS ANTIGUIDADES
Horácio Paiva *
Relendo velhos escritos de meu irmão Daltro, que morreu em 1996, eis que fixo a atenção nesse curioso soneto que escreveu provavelmente no início da década de 1960 e que trata da morte de um gatinho que criávamos em Macau, de nome Ariel. Todos gostávamos desse gatinho amarelo e branco. Tínhamos também outro, inteiramente branco, no qual pusemos o nome do centauro mitológico Quíron... mas esta é outra história...
No soneto em destaque, Daltro intercala versos de Augusto dos Anjos, Camões e Baudelaire, entre os seus próprios, produzindo um bom efeito estético.
O GATO ARIEL
Vinte e dois de setembro. Madrugada.
“Nem uma névoa no estrelado véu...”
Banhei a face despreocupada,
respirei forte, contemplando o céu.
A Morte se apaixona. Enamorada,
vai-nos a vida para o seu vergel.
Safo de Fáon foste desprezada...
Cavalga a morte fúlgido corcel.
“Se lá no assento etéreo se consente,”
“Vive tranquilo, as nobres atitudes
de esfinge a olhar além das solitudes...”
Deixaste a vida prematuramente
para melhor cingir justo laurel,
pobre amigo querido, meu Ariel!
(Daltro de Paiva Oliveira – n. 04/07/1937; m. 29/05/1996)
Sobre a lenda de Fáon, escreveu o professor Jônatas Batista Neto, em seu blog JONATASNETO’S BLOG, edição de 08/10/2011:
“Fáon, Safo e Alceu: três personagens da ilha de Lesbos, envolvidos numa trama meio histórica, meio mitológica. Os antigos diziam que o barqueiro Fáon - um velho pobre e feio - tinha dado, um dia, carona à deusa Afrodite (Vênus) sem lhe cobrar passagem, naturalmente. Agradecida, a divindade presenteou-o com um frasco de unguento mágico: esfregando-o repetidas vezes sobre o corpo, Fáon recuperou a juventude e ainda conseguiu tornar-se o mais belo homem da ilha, a ponto de deixar todas as mulheres caídas por ele. Até a célebre poetisa Safo apaixonou-se pelo barqueiro, só que, por alguma razão, não teve sorte: rejeitada, atirou-se da falésia de Lêucade e encontrou a morte “nas ondas verdes do mar”. Aristóteles diz que foi castigo porque, um pouco antes, ela havia descartado o notável poeta Alceu, que também morava na ilha.”
A propósito de Safo e Alceu, dois grandes poetas da Grécia antiga, recolho esse interessantíssimo e curioso diálogo poético que se encontra na antologia POESIA GREGA E LATINA, organizada e com traduções de Péricles Eugênio da Silva Ramos (Clássicos Cultrix, Editora Cultrix, São Paulo, 1964), na página atribuída a Alceu:
PALAVRAS DE ALCEU A SAFO
Ó cheia de pureza,
ó Safo coroada de violetas
que docemente ris:
eu te diria de bom grado certa coisa,
se não fosse a vergonha que mo impede.
RESPOSTA DE SAFO A ALCEU
Se quisesses tão só o bom e o belo,
se em tua boca más palavras não tramasses,
não haveria essa vergonha nos teus olhos
e poderias exprimir-te francamente.
A antiguidade clássica grega ressurge, aos nossos olhos modernos, no brilho de uma coroa formada por nove musas humanas, nove grandes poetisas, segundo o saber da tradição e citadas no Epigrama 26, do poeta Antípatro da Tessalônica (sécs. I a.C. – I d.C.) - Safo, Corina, Anite, Erina, Telesila, Praxila, Mero, Nóssis e Mírtes -, mas, de sua produção poética, pouco resistiu à corrosão do tempo e das “intempéries” humanas, às vezes movidas pela intolerância, ficando-nos, porém, fragmentos que atestam a sua grandeza. Assim como este, ainda de Safo, na tradução de Péricles Eugênio da Silva Ramos, que é a nossa chave de ouro no fecho desta breve notícia:
“A lua já se pôs,
as Pêiades também:
meia-noite, foge o tempo,
e estou deitada sozinha.”
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(*) Horácio de Paiva Oliveira - Poeta, escritor, advogado, membro do Instituto Histórico e Geográfico do RN, da União Brasileira de Escritores do RN e presidente da Academia Macauense de Letras e Artes – AMLA.
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