quarta-feira, 7 de junho de 2023

 

A solenidade de “Corpus Christi”

Padre João Medeiros Filho

É uma festa móvel, celebrada numa quinta-feira, após o Domingo da Santíssima Trindade. A Eucaristia é um gesto sublime do amor de Cristo. Nela, repete-se o mistério da Encarnação, de forma intensa e profunda. Jesus transforma elementos materiais na sua pessoa. Consagra assim o universo, através dos três elementos que o representam: o trigo (pão), a uva (vinho) e a água. Seres inanimados tornam-se suporte da divindade, ali presente, abscôndita aos olhos materiais, mas patente à visão da fé. Na beleza da presença silenciosa, Ele deixa sua palavra repercutir no íntimo daqueles que dele se achegam para mitigar a sede e fome.

No sacramento do altar, a humildade assumida pelo Verbo na Encarnação é levada ao ápice. Por isso, entende-se o motivo pelo qual os judeus, ao ouvirem o Senhor anunciar que deveriam “comer a sua carne e tomar o seu sangue” (Jo 6, 51-52), consideraram tais palavras demasiadamente duras. E não podendo ou querendo aceitá-las, foram se retirando. Diante dessa reação, Cristo desafiou os apóstolos: “Vós também quereis ir embora?” (Jo 6, 67). Pedro respondeu-lhe: “A quem iremos, Senhor? Tu tens palavras de vida eterna” (Jo 6, 68). Teologicamente, sua resposta converte-se em profissão de fé.

A Eucaristia perpetua os ensinamentos do Senhor, máxime no que tange ao serviço e à humildade. “Com efeito, o que entre vós for o menor, esse é o maior” (Lc 9, 48). Nela, o Filho de Deus continua o seu ensinamento do amor fraterno: “Este é o meu mandamento: que vos ameis uns aos outros, assim como eu vos amei” (Jo 15,12). No Pão Eucarístico, Ele se oferece como alimento igual para todos: pobres e ricos, eruditos e iletrados, santos e pecadores. E nesse augusto sacramento, faz-nos compreender o seu gesto de perdão, doando-se indistintamente a todos. Perdoar é difícil, pois ultrapassa por vezes nossos temperamentos e limitações. Naquele alimento sagrado, Jesus ensina como deve ser o homem: despojado, disponível e de braços estendidos. Assim aceitou a Cruz, gesto este precedido do grande mistério de amor, perpetuado na missa. Nesta, continua milagres de vida. Durante sua permanência neste mundo, curou doentes e ressuscitou mortos. Hoje, pela Eucaristia reanima os desfalecidos pela dor, tibieza na fé ou ausência de Deus. 

Cristo é nossa fortaleza. Quanto mais dele nos aproximamos, mais necessidade sentimos. É uma lenta caminhada até a realização definitiva no banquete celestial. Ao receber Jesus eucaristicamente, já não somos nós que existimos, mas é Ele em nós. “Eu vivo, mas não eu; é Cristo que vive em mim” (Gl 2, 20), expressou o apóstolo Paulo. A Eucaristia é o plantão permanente da eterna solidariedade divina; meiguice de um Pai que envia seu Filho Unigênito para dialogar com os irmãos. Ali, Ele nos diz: “Quem vem a mim, jamais terá fome” (Jo 6, 35). A Eucaristia é a espera de Deus por nós, o abraço celestial que nos é reservado. Beijo carinhoso de um Pai cheio de bondade, que no silêncio da Hóstia nos revela amor e perdão. Eis o sublime sacramento, continuidade da presença transcendental a partir da Encarnação do Verbo. Este quis se unir à humanidade, mostrando-nos que ela tem valor infinito, não importando suas fraquezas. Deus nos perfilhou por ato de sua inefável misericórdia e generosidade.

A Eucaristia antecipa a eternidade, na qual alcançaremos a plenitude de nossa história. “Sem ela, o homem é pequeno demais para o Céu. Com ela, demasiadamente grande para a terra”, afirmou Cônego Luiz Gonzaga Monte. Ela é Deus – em seu Filho –abrandando em nós as saudades do Eterno. É impossível não ficar extasiados diante de tão admirável mistério! Interrogações e inquietudes poderão surgir no coração de alguns. Entretanto, encontrarão a paz na intimidade com o Mestre, presente no altar, de forma sacramental. Sustentados pela fé e sua luz, que ilumina nossos passos na noite de dúvidas e dificuldades, poderemos proclamar, como o saudoso Monsenhor Paulo Herôncio de Melo, no Congresso Eucarístico de Currais Novos (RN), em 1937: “Glória a Ti, ó Mistério querido, Ó Milagre sublime de amor! Glória a Ti, ó Jesus escondido, Cristo Rei e dos povos, Senhor!”

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