terça-feira, 2 de agosto de 2011


LUIZ DA CÂMARA CASCUDO

Aos 20 anos, em 1918, fez sua estréia nas páginas de A Imprensa, o jornal do seu pai. Foi o repórter que acompanhou Joca do Pará numa reportagem sobre as rondas da polícia montada vigiando a noite da cidade. Aos 21,fez sua estréia como escritor ao lançar seu primeiro livro - Alma Patrícia, há noventa anos. E há 25 anos fechou seus olhos para sempre, aos oitenta e seis anos e mais de uma centena de livros. Genial e humilde. Pobre e feliz.

Filho único de Francisco Justino de Oliveira Cascudo e Ana Maria da Câmara Cascudo, ele comerciante e coronel da Guarda Nacional, ela dos afazeres domésticos, nasceu Luís da Câmara Cascudo em Natal, a 30 de dezembro de 1898, onde viveu 88 anos até seu coração parar na tarde do dia 30 de julho de 1986.

Na água do primeiro banho, a mãe despejou um cálice de vinho do Porto para ter saúde e o pai temperou com um patacão do Império, para ganhar fortuna. O padre João Maria, o santo da cidade, batizou-lhe na Igreja do Bom Jesus Dores, na Ribeira, ali onde nasceu, anunciando seu nome em latim: Ludovicus! E a poetisa Auta de Souza, amiga de sua mãe, embalou nos braços tépidos, o choro forte do menino-homem.

Como o sobrevivente de quatro irmãos, teve a infância guardada entre cuidados com ama de companhia, professora particular e proibido do encanto das ruas. No verão, vivia os dias de calor na beira do mar, entre barcos e pescadores, e o inverno passava no sertão, ouvindo o aboio dos vaqueiros e o desafio de cantado. E assim sedimentou, entre espumas e espinhos, a sua cultura descobridora do homem brasileiro.

Desejou ser um nobre médico de província e chegou a cursar os primeiros anos Faculdade de Medicina da Bahia e no Rio de Janeiro. Mas terminou cumprindo destino de ser bacharel em Direito, na velha Faculdade de Direito do Recife onde ainda ouviu o eco dos discursos de Joaquim Nabuco e Tobias Monteiro versos de Castro Alves horrorizados com a escravidão.
Sonhou ser jornalista, e foi. Seu pai, nessa época ainda um homem rico, instalou o jornal A Imprensa para o filho. Nas suas páginas, o estudante que lia até a madrugada, passou a exercitar o gosto de escrever, mantendo a coluna Bric-à-Brac, na qual treinou seu olhar perscrutador observando costumes, hábitos e tradições de seu povo. Um repórter a registrar os quadrantes da vida comum.

O primeiro livro, Alma Patrícia, um olhar pioneiro sobre os poetas e prosadores de sua cidade, sai dos prelos em 1921. Na véspera da Semana de Arte Moderna de 1922 que aconteceria, meses depois, em São Paulo. O movimento estético encontrou no jovem escritor natalense um dos precursores no Nordeste. O professor de História que se revelara com as biografias do Marquês de Olinda e do Conde d'Eu, publicadas na Coleção Brasiliana, foi além dos feitos históricos. Voltou seu olhar para o Brasil para ser um dos grandes fundadores do homem brasileiro, ao lado de Gilberto Freyre e Sérgio Buarque de Holanda

Leitor dos clássicos e das vanguardas dos anos vinte, não demorou a entrar sintonia com os modernistas. Colaborou nas suas revistas, recebeu Mário de Andrade em Natal, e começou a sua construção da cultura popular do seu povo. Ergueu as bases da etnologia, psicologia, antropologia e sociologia do homem brasileiro, vendo e ouvindo, anotando e estudando. Crenças e costumes, hábitos e tradições, cantos e danças, jogos e técnicas, no lazer e no trabalho, na vida e na morte - tudo para conhecê-lo na sua riqueza, singularidade, mutações e permanências.

No final dos anos trinta, lança Vaqueiros e Cantadores e fixa seu nome como legenda nos estudos folclóricos que chamaria de Ciência do Povo. Funda a Sociedade Brasileira de Folclore; propõe uma teoria em tomo do conceito de Cultura Popular; ergue com erudição o corpus conceitual da Literatura Oral no Brasil e sistematiza sua classificação; e faz a sua longa viagem de estudos ao continente africano, como um grande viajante do Século XX, para beber nas fontes ancestrais o vinho arcaico do passado e escrever Made in África, restauração da arqueologia cultural brasileira, cartografia indispensável à compreensão das nossas raízes que pareciam perdidas há cinco séculos. .

Autor de verdadeiros clássicos da cultura brasileira, como o Dicionário do Folclore, Cultura e Civilização, História da Alimentação e História dos Nossos Gestos; ensaísta insuperável da Jangada e da Rede de Dormir; etnólogo dos costumes e superstições; tradutor de Montaigne e Henry Koster; estudioso das lendas, da novelística popular, dos contos infantis, e observador dos medos e assombrações, a obra de Câmara Cascudo é um vasto continente a contracenar com um arquipélago de ilhas temáticas nascidas de todos os seus olhares e saberes específicos articulados entre si.

Com mais de uma centena de títulos. entre livros, traduções, opúsculos, e alguns milhares de artigos publicados no Brasil e em vários países, traduzido na França, Itália, Espanha e Japão, viveu como um descobrir, vendo e ouvindo, lendo e perguntando, anotando e escrevendo, sem nunca pensar em deixar a sua terra Natal, entre o rio, o mar e os morros, traços de sua própria fisionomia. Ainda nos anos trinta, o seu pai ficou pobre e o menino virou arrimo de família com a rica fortuna de um destino que faria de sua obra uma marca vitoriosa na história intelectual do Brasil.

Uma vez, em 1960, foi convidado para reitor da Universidade Nacional de Brasília pelo próprio presidente Juscelino Kubitschek que veio a Natal visitá-lo. Não aceitou. Convidado para ensinar em várias universidades da América Latina, Europa e Estados Unidos, nunca aceitou. Quando se negou a lançar a sua candidatura à Academia Brasileira e Letras, Afrânio Peixoto, seu amigo, in¬conformado em não vê-lo imortal, biografou numa frase perfeita o traço mais determinante de sua personalidade de espírito e de gênio: Câmara Cascudo é um provinciano incurável.

Luis da Câmara Cascudo viveu e morreu na sua aldeia Genial e humilde. Pobre e feliz.

Vicente Serejo 31/07/2011
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Fonte: Blog Genealogia e História - Ormuz Barbalho Simonetti

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