Saber e sabor
Padre João Medeiros Filho
Em latim as duas palavras têm origem no mesmo
verbo: “sapere” (saber). Dele derivam-se os termos “saporis” (sabor) e
“sapientia” (sabedoria). Os portugueses usam-no com dois sentidos: gosto e
ciência. Exemplo: “Este prato me soube muito bem. Fulano sabe das coisas.”
Segundo etimólogos, saber, enquanto conhecimento, é extensão figurada de sabor.
Na vida monacal, comida e entendimento estão intimamente ligados. Os mosteiros
medievais eram o berço de excelentes cervejas, vinhos, licores e deliciosos
pratos, como também de escolas de alto nível. As grandes abadias europeias
ainda são famosas por suas adegas e bibliotecas. Pode parecer estranha a
conexão entre paladar e intelecto. Entretanto, é lógica a extensão do
significado, ligando o saber à sensação de gosto e prazer. Ter um paladar
apurado significa possuir afinidade com o conhecimento ou o discernimento das
coisas.
Em vários dicionários, o adjetivo
“sapiens” (sábio) tem a mesma acepção e diz respeito tanto ao paladar, quanto
ao conhecimento humano. No caso do verbete “sapientia”, o nexo torna-se ainda
mais claro. Assim, saber ao mesmo tempo em que é gosto apurado dos alimentos,
consiste também em técnicas, habilidades e ciência. Em nossos dias, comer,
beber e gastronomia ganharam uma relevância justa e merecida. A culinária, além
de arte, adquiriu o status científico. A refeição para os de minha idade dizia
respeito a um convívio ao redor da mesa, seja com a família ou os amigos. Hoje,
passou também a ser objeto de estudos, refinamento de combinações dos vários
elementos, criação de novidades e inusitadas surpresas. A gastronomia está se
constituindo em carreira promissora e uma área fértil para pesquisas e estudos.
Isso demonstra mais uma vez a conexão indissolúvel entre o sabor e a ciência, o
sagrado e o profano. Louvo e exalto a UniCatólica de Mossoró por unir teologia
e gastronomia, que cuidam da alma e do corpo.
Pergunta-se: o que entra pela boca
passa também pela cabeça? Sem dúvida. Os excessos de alimentos redundam
inevitavelmente em efeitos desastrosos na mente. É o caso do alcoolismo, que
afeta tantos; da obesidade, que se transformou em epidemia; da bulimia,
anorexia e outras doenças da beleza e estética ligadas à alimentação, reflexo
de uma sociedade desordenada e desarmônica. Por isso, o paladar e os demais
sentidos da corporeidade humana devem ser educados, da mesma forma que o
espírito. Um curso de gastronomia faz sentido ao lado de graduações em
nutrição, fisioterapia, psicologia, teologia e outras áreas do conhecimento.
Nos dias atuais, assiste-se infelizmente a um distanciamento dessa unidade
indispensável à vida. Além disso, os agrotóxicos estão poluindo as mesas. Por
vezes, ingerem-se alimentos para saciar a fome, desconhecendo-se a ingestão
simultânea de doenças e comidas nocivas.
O ato de tomar o alimento e
degustá-lo em família vai paulatinamente desaparecendo. O advento da televisão,
do celular e outras tecnologias vem impedindo as pessoas de estar à mesa,
comendo e exercitando o sabor dos alimentos e o saber nas conversas e trocas do
coração. Hoje, a família raramente se reúne em torno da mesa. Em geral, cada um
tem um horário de refeição. A comida requentada no micro-ondas é engolida às
pressas, sem degustação, comumente em frente à televisão, ao computador ou
celular. Rompeu-se o elo entre o sabor e o saber. Nos mosteiros, conventos e
alguns seminários, as refeições costumam ser feitas em silêncio, ouvindo-se
leituras edificantes. Desta forma, unem-se as duas realidades.
Disse
o Senhor Jesus: “O Reino dos Céus é semelhante a um banquete” (Mt 22,1). Nesta
sugestiva metáfora, encontra-se um convite à reflexão sobre a importância da
gastronomia para dar um sentido profundo à existência humana. À mesa,
celebra-se a vida em suas dimensões. Aquilo que parece ser apenas algo para
satisfazer uma necessidade biológica, transforma-se em ritual de louvação do
nosso existir. Na comida saboreada à mesa, Cristo comparou a beleza desse ato
com o Reino de Deus. Donde se infere a grandeza dos gastrólogos, diáconos nessa
alegoria sagrada. Entende-se porque Cristo nos legou a Eucaristia numa
refeição. “Eu sou o Pão da Vida” (Jo 6, 35). “Tomai e comei todos vós” (Mt 26,
26).
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