quarta-feira, 28 de fevereiro de 2024
Mossoró volta às origens religiosas?
Padre João Medeiros Filho
A indicação de Dom Francisco de Sales Alencar Batista, um frade carmelita, para bispo de Santa Luzia de Mossoró, reacende os questionamentos a respeito dos primórdios do povoamento e evangelização mossoroense. Padre Sátiro Cavalcanti Dantas incentivava os pesquisadores a aprofundar o tema. Destaca-se o artigo do professor Davi de Medeiros Leite – membro da Academia Mossoroense de Letras e da Academia de Ciências Jurídicas e Sociais de Mossoró – publicado no Jornal De Fato, em sua edição de 17 de fevereiro corrente.
Há anos, conheci no Rio de Janeiro Frei Tito (Bartolomeu) Figueiroa de Medeiros, da Ordem do Carmo. Fora-me apresentado por um amigo comum: o procurador federal Carlos Davis, hoje sacerdote do clero da arquidiocese carioca. Frei Tito estava concluindo o doutorado em Antropologia no Museu Nacional, vinculado à Universidade Federal do Rio de Janeiro. Não raro, o erudito frade discorria sobre assuntos ligados à sua Ordem religiosa, dos quais era exímio conhecedor. Lamentava o desconhecimento de fontes eclesiásticas sobre a caminhada de seus confrades no Nordeste brasileiro. Assim se expressou: “Não se pode ignorar os arquivos da Arquidiocese de Olinda, da Província Carmelitana em Recife e da Casa Geral em Roma.” Porém, são ainda escassas as informações disponíveis sobre a presença dos frades no RN. Um desafio para clérigos e historiadores.
É incontestável a importância dos filhos de Nossa Senhora do Carmo, no que tange à evangelização do Nordeste. Foram assumindo a catequese em diversas localidades, após a expulsão dos jesuítas do Brasil. É relevante a sua influência em algumas regiões potiguares. Padre Miguelinho, um dos líderes da Revolução de 1817, no início de sua vida clerical foi um frade carmelita, depois sacerdote secular, pertencendo ao clero de Olinda. Se o renomado norte-rio-grandense e líder político-religioso optou primeiramente por ingressar na vida carmelitana, trata-se de um indicativo de que os conventos eram atuantes em terras potiguares. Atualmente, há quatros prelados carmelitas, integrantes do Regional Nordeste II da CNBB, compreendendo Alagoas, Pernambuco, Paraíba e Rio Grande do Norte.
Segundo Câmara Cascudo, os filhos da Virgem do Carmo aportaram no RN por volta dos anos de 1701-1702. Foram enviados para cá, a fim de “pregar o Reino de Deus” (Lc 9, 2). À época, era bispo de Olinda Dom Francisco Lima (ou Lemos), membro da Ordem do Carmo, exercendo o ministério naquele bispado, de 1695 a 1704. Este dado relevante não é citado pelos estudiosos. Em 1692, o aludido dignitário foi ordenado bispo para a diocese de São Luís do Maranhão, entretanto não chegou a tomar posse canônica. Durante o seu pontificado na Sé de Olinda, os carmelitas floresceram bastante. Afirma-se ser ele o responsável pela vinda dos confrades para o rincão norte-rio-grandense. Em 1704, dá-se a restauração da Igreja do Carmo, em Olinda, danificada durante o período da ocupação holandesa no Nordeste. O convento de João Pessoa – cujo prédio serve hoje de sede do arcebispado da Paraíba – foi concluído no início do século XVIII, no pontificado de Dom Francisco Lima. Esteve à frente das obras Frei Manuel de Santa Teresa. A interiorização dos carmelitanos no Brasil acontece paulatinamente.
As anotações cascudianas sobre a presença da Ordem no RN constituem um marco para as pesquisas. Narra aquele historiador natalense: “Frei Antônio da Conceição residiu muitos anos na fazenda Carmo. Sua sepultura foi na capela do lugarejo, dedicada à Virgem de Siracusa.” Em geral, eram anexadas aos conventos fazendas doadas ou adquiridas para a manutenção dos religiosos e de suas missões. Receberam da Coroa portuguesa sesmarias, cuja renda ajudaria na catequização indígena. A vinda dos frades do Carmo para o RN ocorreu após a expulsão dos holandeses no final do século XVII e início do século XVIII. Fixaram-se na aldeia de Gramació (Vila Flor) e perto do Rio Upanema, no território da paróquia de Apodi. A opção por essa localidade deve-se às condições favoráveis para o plantio e criação de gado, fundamentais para a manutenção da vida conventual e a catequese indígena. Os frades provinham dos conventos de Goiana e Recife (PE). Viveram a recomendação de Cristo: “Ide pelo mundo inteiro e proclamai o Evangelho a toda criatura” (Mc 16, 15).
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