CANTOS DO MEU SERTÃO
Velejava noite a dentro, nada de chuvas das festas de fim de ano. Concentrando as oiças quando a brisante se fazia silente, o "papa lagarta"* gorgeia lento, sinistro, mas, dá sinal que retornara às terras do Sertão. Viera pra mais uma estação chuvosa, é dela que precisa pra "criar carne", não só isso...engordar mesmo, na seca está sempre no exílio, onde convive com a fome.
Sibila o vento solto da Serra do Cuité fugido, escaramuçando as palhas dos cocos catolés, onde, na mansidão de suas cachopas, dormem aninhados os sanhaçus na sua terna mudez.
Ganem os viralatas caninos, na esperteza de esconderem o medo, ante às presenças de curiosas raposas, ou dos lobos ribeirinhos, os guaxinins, que são especialistas em esfolarem cururus desavisados nas cacimbas dessa freguesia da baixa do arroz.
Fazem ronda com seu canto chocalhado, os bacuraus pirilampos, que dormem durante o dia nas sombras dos lajedos, e à noite com seus olhos munidos de raios infra-vermelhos, captam minúsculos viventes, como as suicidas mariposas sazonais.
O urutau, a festejada mãe-da-lua, nessas terras de Campinas friorentas, dão o seu concerto de lastimacões melancólicas, com gorgeios chorosos à similaridade de crianças inconsoláveis ante a perda de simples brinquedo ou ainda, chorosa como criança pagã* a pedir rezação de missa pra poder entrar no céu.
É...essas estórias, povoavam o mundo encantado de quando criança, nos ermos do "Sertão de meu deus".
Noticia sua existência a "coã", noite já sendo ensopada pela cruviana madrugadenha, canto sutil, compassado, como a conversar com uma mudez decretada pelos deuses dos "descampados do tempo". Sim, no Sertão, os bichos de pelos e penas, conversam com os seus deuses. Todos se abrigam na abadia da mãe natureza.
No quebrar da barra, o eco seco, estridente, do carão ribeirinho degustando os suculentos aruás.
Esse pernalta transmite sua alegria quando está
se alimentando nas aguadas do açude da Chã da Graúna.
*Papa-lagarta: ave da família cuculidae. Ave migratória. Só aparece no Sertão durante a quadra invernosa. Não se vê essa ave durante a estiagem. Tem costume de acordo com o nome.
J.E.S.
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