(Recebido de Ivan Maciel)
SOBRE A FELICIDADE
Quando se fala sobre felicidade, me lembro logo do que dizia um pensador que viveu no século XVIII e que foi um dos grandes ideólogos da revolução francesa de 1789 (a revolução que conduziu a burguesia ao poder e estabeleceu os princípios democráticos e liberais consagrados pelo capitalismo): Jean-Jacques Rousseau (1712-1778). Ele raciocinava como se tivesse existido um “estado de natureza”, anterior à constituição da sociedade, em que todos eram livres e viviam felizes (o “bom selvagem”). Depois se tornou necessária a celebração de um contrato social e a partir daí começou a infelicidade humana (sobretudo quando alguém cercou uma determinada área e disse: “isso me pertence”). Outro filósofo, Voltaire (1694-1778), escreveu uma carta a Rousseau em que dizia, a certa altura: “A gente tem vontade de andar de quatro (“marcher à quatre pattes”), quando lê sua obra”. Essas ideias serviram de base à luta contra o regime monárquico, pois o contrato social seria a fonte de todos os direitos. Hoje podem ser contrapostos às ameaças ditatoriais.
Mas em que consiste mesmo a felicidade? O nirvana de Buda (Siddhartha Gautama, 563 a.C.-483 a.C.) importa na superação dos sentidos e de tudo o que é material, ausência do desejo, da dor e da emoção, o “ápice da meditação”: “o espírito se liberta do corpo temporariamente”. Bem diferente do hedonismo, que via na busca do prazer (com serenidade e equilíbrio) o único caminho para a felicidade. Mas Santa Teresa de Ávila (1515-1582) encontrava a felicidade na clausura, no silêncio, na pobreza e nas atividades intelectuais. Em 1970, Paulo VI concedeu-lhe o título de “Doutora da Igreja, Mestra da espiritualidade”. Foi grande escritora e poeta. Muitos veem em seus poemas um arrebatado transbordamento misticossensual. Exemplo: “Eu estou com Aquele que me habita”.
Jorge Luis Borges se sentia feliz na companhia dos livros, para lê-los amorosamente. Tanto que imaginava o paraíso como uma enorme biblioteca em que se podia ler qualquer livro nas línguas mais diferentes. No entanto, ficou cego. E se satisfazia em acariciar os livros. Contratava intelectuais iniciantes para ler em voz alta os livros que ele não podia mais ler. Porém, reconhecia que essa experiência era frustrante: nada é comparável à leitura feita por nós mesmos. Meu pai, que lia em francês, italiano e inglês e tinha uma excelente biblioteca passou por idêntica provação: perdeu a visão por completo. Eu lia para ele jornais e revistas. Livros, tentei ler, mas ele achava que não valia a pena. Não conseguia concentrar-se na leitura feita por outra pessoa. Dizia que sua percepção era visual e não auditiva. Eu, então, percebia o quanto a doença o infelicitara: foi quando mais senti a absurda e abissal fragilidade da condição humana.
Valter Hugo Mãe simplifica dizendo que não existe propriamente a felicidade -- EXISTEM MOMENTOS DE FELICIDADE.
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