Recordando a minha vida de rapaz (Paulo Lira)
(texto de PAULO LIRA, Transcrito do jornal “A República”, edição de 17 de setembro de 1974.)
Numa noite de insônia e cansaço (não cansaço por trabalho, porque esse negócio é relativamente pequeno para mim aqui no Rio [...]) eu passei a rememorar dias da minha juventude de rapaz em Natal. Recordei amigos ótimos, namoros, passeios e farras inúmeras. Que noites maravilhosas.
Companheiros de brincadeiras no centro Náutico Potengi, de passeios extravagantes de bicicletas, do circo de “seu” Stringhini, onde Noel Miranda fez um discurso oferecendo um ramalhete de rosas de mungubeiras, tinhorões e outras flores “raras” ao dono do circo e cujo discurso tinha por tema principal recitar um soneto que começava assim: “Sei que sou um sapo, sinto que crio rabo [...]” e “seu” Stringhini protestava “não apoiado!”.
Noutro circo que fomos na Rua do Cajueiro, entramos também no Picadeiro para desafiar o palhaço e criticar os acrobatas.
O final foi meio ruim: fomos cercados pelos artistas armados de pau e ia se dando uma confusão danada [...] felizmente saímos sãos e salvos.
Sobre passeio na Rua Tamarineira onde João Sizenando encontrou uma senhora debaixo da pitombeira e assombrou-se pensando que era uma alma [...]
De outra feita, saímos a bater nas portas alheias. Um sujeito na Rua da Conceição saiu de revólver em punho para amedrontar a turma. Corremos em louca disparada. Numa construção na mesma rua, Alberto Nesi ficou com o paletó encalhado nos andaimes e gritou “me solta! não fui eu!”.
Daquele grupo fazia parte (denuncio agora): João Sizenando Filho, Ângelo Pessoa, Alberto Nesi, Olavo Gluck, Eider Gomes Ribeiro, Carlos Bahia, João Bahia, Arthur Veiga, Luiz Lira, Arnaldo Lira e eu. Talvez uns dois mais cujos nomes não recordo. Essa era a turma que todas as noites tinha um extravagante programa de canalhismo a realizar. Hoje seria a juventude transviada [...]
Todos nós trajávamos impecavelmente calça de flanela bege ou branca, paletó de casimira azul, camisa de palha seda, sapato branco ou de duas cores, muitas vezes encomendado sob medida no Recife. O João Sizenando Filho caprichava nesse particular. Éramos os amigos mais unidos de todos os tempos.
Ah! Os bailes e festas na casa de Jerônimo Moura! Os bailes de seu Ananias, onde ele obrigava as suas filhas a dançar com a gente. Os furtos de cordões da bandeira da Maçonaria “21 de Março”, para nas noites de escuro (sempre faltava luz em Natal), amarrarmos na altura de uns 30 centímetros ligando um muro à parede da venda de Zé da Luz, a fim de que o vendedor de coalhada tropeçasse ao passar com o tabuleiro cheio de copos.
E os jogos de futebol às 4 horas da manhã pelas ruas de Natal, a caminho do Centro Náutico, todos nós em disparada louca atrás da bola [...]
As missas aos domingos na igreja do Bom Jesus com legião de namoradas acompanhando de longe as meninas da Escola Doméstica. O cinema de seu Leal (Royal) com as cadeiras mais duras do mundo onde eu era pianista. Ali o canalhismo era o maior do mundo, sendo comandado por Zé Herôncio, jogando bombas “tranavalianas” na tela!
Assim foi a minha vida de rapaz, tocando piano e me divertindo em inocentes farras!
Mas, tudo passou, hoje todos estão casados, com filhos e netos (eu só tenho nove até aqui) o resto anda por aí ainda vivo, relembrando como eu, nas noites de insônia e as delícias da nossa vida maravilhosa de rapaz.
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