Para viver a Semana Santa
Padre João
Medeiros Filho
No domingo passado, teve início a celebração da Semana
Santa. Nela, acompanhamos a Paixão de Cristo, presente no calvário de tantos
irmãos nossos. Talvez aflorem à mente dos cristãos apenas sentimentos de
tristeza, dissabor e provação. Entretanto, não deve ser esquecido algo
fundamental: Cristo derrotou a morte. Ao vencedor as palmas da vitória! Eis o
prenúncio dos ramos, aclamando o Filho de Deus, como Rei e Senhor da História.
Mas, “o meu Reino não é deste mundo” (Jo 18, 36), preconizava o Mestre. Muitos
de seu tempo (como vários cristãos atuais) não compreenderam os motivos de sua
condenação. Jesus abalou com sua doutrina e pregação as estruturas da sociedade
onde Ele vivia. Representava uma ameaça aos que oprimiam o povo. E isto se
repete até os dias de hoje, maquiado e latente em disputas políticas e ideológicas,
no radicalismo em detrimento do bem comum. Cristo veio anunciar novos tempos
(Ap 21, 5). “Mas, os seus não compreenderam” (Jo 1, 11). O Verbo de Deus quis
habitar entre nós para proclamar o Reino da Justiça e da Paz. O Brasil caminha
na contramão dessa realidade.
O Apóstolo Paulo pregou: “É preciso completar em nosso
corpo aquilo que faltou à Cruz de Cristo” (2Cor 4, 10). “Ela representa a
expressão da prepotência, má vontade e intolerância”, afirmara o Cardeal
Cardijn. Deste modo, a Semana Santa não é somente a comemoração da Paixão do
Senhor, como evento histórico. É também a reflexão sobre nossas angústias,
dores, aflições e dificuldades. A população brasileira está sendo cada vez mais
atingida pela ineficiência da saúde, educação, segurança e falta de emprego.
Padece sob o peso do terror apregoado, da sombra da morte avizinhada. Isso
dá-nos uma ideia do que vivemos na Semana Santa, ou seja, a via sacra cotidiana
de nosso povo, assumida por Cristo numa demonstração de misericórdia e
compaixão. Não esqueçamos sua advertência: “o discípulo não é maior do que o
Mestre” (Mt 10, 24). Deste modo, poderemos percorrer o mesmo caminho. Somos o
seu Corpo Místico, por isso atualizamos em nossas vidas o que acontecera, há
mais de vinte séculos.
Mas, não só de tragédias e fracassos é feita a
existência humana. A Ressurreição de Cristo é a vitória sobre a maldade.
Celebra-se no Domingo de Páscoa o triunfo sobre o pecado, isto é, o resgate
humano concretizado. Cristo ressuscitou e já não morre mais! É imortal, por ser
Filho de Deus, pelos seus ensinamentos perenes, sendo “Caminho, Verdade e Vida”
(Jo 14, 6). Nesta Semana Santa sepultemos o egocentrismo, as polarizações, a
polêmica deletéria entre os dignitários, os interesses sub-reptícios, enfim,
nossos erros. É necessário haver uma Sexta-Feira Santa para cada um de nós,
mormente no Brasil hodierno, buscando enterrar os descompassos individuais e
coletivos a fim de preparar a Páscoa. A Paixão e a Ressurreição não são atos
isolados, mas precedidos pela Quinta-feira Santa: celebração da fraternidade e
da união. Existirá Páscoa, se houver comunhão, harmonia, diálogo e consenso.
Este é um convite ao Brasil. Haverá Ressurreição, quando o amor se fizer
presente.
No mistério da Semana Santa vivencia-se a resposta
suprema de Cristo ao desafio permanente do Mal, que divide e separa, levando à
fragmentação e destruição. Na Cruz se vislumbra a manifestação da ternura
infinita de Jesus por nós. Na Semana Santa deste ano, vamos meditar também
sobre a agonia de Cristo na realidade de tantas vítimas de uma pátria
dilacerada pelo ódio e pela intransigência, rejeitando a fraternidade,
conquistada pelo sangue de Cristo. Neste ano de 2023, Jesus revive a sua Paixão
na insegurança, na penúria da saúde pública e na ausência de uma educação de
qualidade, na tristeza dos relegados aos improvisos e desatenções de
administradores e governantes. O Filho de Deus agoniza nos irmãos vítimas da
corrupção, do descaso e conceito sofismado de vida, como se fora algo abstrato
e irreal. Que haja Páscoa para todos, passagem do desalento para a esperança,
da tristeza para a alegria, do fracasso para a glória! “Confiança, eu venci o
mundo” (Jo 16, 33), assevera-nos Cristo, o vitorioso e Ressuscitado.
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