O DESENCANTO DE JUDAS
Francisco de Assis Câmara
“O
desencanto tomou conta do meu coração”. Em uma representação da Paixão de
Cristo em Nova Jerusalém, Estado de Pernambuco, ouvi essa inquietante
afirmação, as últimas palavras proferidas por Judas Iscariotes antes de cometer
o suicídio.
Essa frase,
por sua intensa dramaticidade, não me saiu da memória. Pesquisei, nos quatro
Evangelhos, sua autenticidade. Nenhum deles a registrou. Concluí, então,
tratar-se de “licença poética”, caso não tenha sido buscada em um dos muitos
Evangelhos apócrifos. Em todo caso, é inegável o mérito do diretor do
espetáculo ao vislumbrar o efeito que ela produziria na monumental plateia,
presente “ao maior teatro do mundo, a céu aberto”.
Culpa,
remorso e desespero. Nesse episódio histórico, instados a perquirir a causa
desse desencanto, vamos identificar a figura de Judas como um dos doze
apóstolos de Jesus de Nazaré. Na condição de judeu, acreditava na vinda de um messias, tal como anunciavam as
Escrituras.
A Palestina
estava submetida ao jugo romano. Essa dominação, sempre contestada,
constituía-se em insuportável violência contra aqueles que se autodenominavam
“povo de Deus”. O exemplo de resistência, em passado próximo, dos Irmãos
Macabeus, sustentava a possibilidade de uma nova reação, uma insurreição, sob uma
firme liderança. Seria esse o papel do messias,
ansiosamente esperado?
O apóstolo Judas
Iscariotes alimentava a esperança de um grande movimento de libertação. E Jesus
de Nazaré, que fazia milagres, ressuscitava mortos e caminhava sobre as águas parecia
incorporar, sem nenhuma dúvida, o perfil desse libertador. Judas estava
encantado. Ecce homo! ─ Eis o homem!
O convívio, porém, trouxe-lhe
decepções: gestos de misericórdia, perdão como prática amorosa ─ Atire a primeira pedra..., elevação dos
humildes, exaltação da caridade, respeito a todos, sem distinções de etnias,
desprezo à hipocrisia, cumprimento dos
deveres de cidadania (─ A César o que é
de César). Tudo isso culminou com a surpreendente e desalentadora afirmação
(para ele, Judas) do Mestre de Nazaré: ─
Meu reino não é deste mundo.
Não! Esse não pode ser o messias, o libertador. A frustração
matou a esperança e, em seu lugar, alojou sentimentos inferiores. É preciso
fazer alguma coisa. Na sequência, trinta moedas e um beijo. Estava em curso sua
predestinação.
O resultado foi desesperador. Judas
não compreendera que o caminho do messias
seria percorrido sob o pesado e simbólico fardo de uma cruz, e que sua
trajetória, em direção ao Gólgota, seria uma via sagrada. Também não se
convencera de que o amor perdoa e salva; basta uma palavra, mesmo não se
considerando digno (Domine, non sum
dignus). Distanciou-se do grupo e nem pôde observar que Pedro, após a
fraqueza da tríplice negação foi perdoado e elevado à condição de “pedra
angular” da Igreja; já não presenciou a promessa feita ao “bom ladrão”, cujo
arrependimento o levaria ao Paraíso.
Ignorando que o amor abre os braços,
em forma de cruz, e o perdão, sem limites, acolhe o arrependimento, Judas,
desesperado, faz seu corpo balançar sob a árvore do destino, pois o desencanto,
na tortura do remorso, penetrara em seu coração. Seus ouvidos já não puderam
escutar o último perdão: ─ Pai, perdoa-lhes; não sabem o que fazem.,
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