postado por O Santo Ofício maio 4, 2012
Por Marcelo Alves Dias de Souza
Edgar Allan Poe, nascido em Boston em 1809 e falecido em Baltimore em 1849, foi editor, crítico literário, grande poeta (vide “O Corvo” e “Annabel Lee” que, curiosamente, foram vertidos para o português por Fernando Pessoa) e contista ainda melhor. Seus contos macabros são fascinantes e têm influenciado a literatura, o cinema, o teatro e mesmo a ciência (em ramos, como a criptografia e a cosmologia) em todo o mundo. Ele é ainda considerado, ao lado do inglês Wilkie Collins (1824-1889) e do francês Émile Gaboriau (1832-1873), um dos fundadores da ficção policial que hoje conhecemos, com títulos como “The Murders in the Rue Morgue”, “The Mystery of Marie Roget” e “The Purloined Letter” e com o seu detetive Auguste Dupin (nesse ponto, aliás, já seria fácil fazer a ligação de Poe com o Direito). Poe deixou marcas nas obras de grandes ficcionistas ingleses, como Arthur Conan Doyle (1859-1930) e Agatha Christie (1890-1976), que expressamente reconheceram a sua influência.
Falecido precocemente, Poe é, acima de tudo, um “cult”, seja lá o que isso signifique. Talvez por essa razão tenha sido recentemente lançado, em sua homenagem, o filme “O Corvo” (“The Raven”, 2012, direção de James McTeigue). Não confundir, alerto logo, com a versão cinematográfica do poema “O Corvo”, de 1963, com Vicente Price e Peter Lorre. “O Corvo” (o filme de 2012) tenta “reconstruir” os últimos dias do grande escritor. Na Baltimore do século XIX, uma série de crimes são praticados tendo como inspiração as estórias de Poe. O escritor (interpretado por John Cusack que, não podemos negar, é um grande ator), é um homem dominado pelo álcool, apaixonado e correspondido pela belíssima Emily (papel de Alice Eve). Ele é convocado pelo detetive Emmett Fields (papel de Luke Evans) para caçar o criminoso. Ao final, após algumas mortes bizarras, com era de se esperar, ele desvenda a charada e salva a bela Emily. Mas…(não vou contar o finzinho, claro).
O filme é bobinho, acho. Mas não se fiem na minha opinião. E nem na de nenhum crítico profissional. Por aqui em Londres, por exemplo, li coisas tão díspares como “The Raven” deverá “ser um dos mais intrigantes filmes de 2012” (na revista Short List) e que ele é confusamente escrito, “interpretado e dirigido com não mais que uma competência básica” (no jornal Evening Standard).
Em quem acreditar? Em você mesmo, caro leitor. E dou aqui duas boas razões para você ir ver “O Corvo” que, pelo que sei, já chegou aos cinemas brasileiros.
Primeiramente, há a tragédia e o mistério que cercam a vida e, sobretudo, a morte de Poe. Para esta, o filme dá uma versão, certamente fantasiosa. Conheço outra. Segundo um documentário que vi na BBC Four (maravilhoso canal de TV, com uma programação inteligentíssima, diga-se de passagem), “Edgar Allan Poe: Love, Death and Women”, o escritor teve a morte como sua constante companheira. Ficou órfão de pai e mãe aos 2 anos de idade. Casou com uma prima, Virginia Clemm, que, tuberculosa, faleceu muito jovem (e isso é referido no filme). O próprio Poe, obrigado a constantes mudanças, após haver sido encontrado indigente e desorientado nas ruas de Baltimore, faleceu em um hospital dessa cidade com apenas 40 anos. A “causa mortis”, segundo o documentário da BBC, foi a ingestão exagerada de álcool. Mas outras drogas, doenças como a cólera ou a tuberculose, problemas no coração ou mesmo uma tentativa de suicídio não podem ser descartadas. A morte de Poe, como diz Peter Ackroyd na deliciosa biografia “Poe: A Life Cut Short” (2008, Chatto & Windus) é apenas a cena final de “uma curta vida cheia de drama e tragédia (álcool e miséria) combinados com extraordinária genialidade”.
Em segundo lugar – e talvez mais importante –, vale a pena ver “O Corvo” pelas muitas alusões que ele faz aos poemas e contos de Poe. Certamente, será um incentivo para se conhecer ou revisitar a obra daquele que foi descrito por Lord Tennyson (1809-1892) como “o gênio mais original que a América produziu”. De minha parte, achei uma grande sacada as alusões a “The Raven”, o sombrio poema narrativa que dá título ao filme (talvez a obra-prima de Poe), com corvos constantemente aparecendo em cena. Assim como adorei o belíssimo poema “Annabel Lee”, que explora o tema da morte da mulher amada, declamado em homenagem a não menos bela Emily do filme (interpretada por Alice Eve).
Mas, sobretudo, identifiquei e adorei as muitas alusões aos contos de Poe. De logo, aparece “The Murders in the Rue Morgue”, por muitos considerado a primeira estória de detetives escrita. Nela, nos é apresentado Auguste Dupin, o detetive que alegadamente serviu de modelo para Sherlock Holmes e Hercule Poirot. O primeiro crime praticado no filme reproduz o “impossível” duplo assassinato de mãe e filha em um quarto trancado por dentro. Também facilmente identifiquei “The Pit and the Pendulum”, conto em que Poe macabramente (com a angustiante ajuda de um pêndulo que aos poucos vai cortando ao meio a vítima) descreve, na narração do próprio torturado, os terrores da inquisição espanhola. No filme, não coincidentemente, o torturado é um crítico literário (não acho que eles mereçam tanto). “The Masque of the Red Death”, que pode ser interpretada como uma alegoria sobre a inevitabilidade da morte, é outro conto referido no filme. Assim como o é “The Premature Burial”, que lida com a claustrofóbica temática de ser enterrado vivo, o que, no filme, para meu desespero, se dá com a lindinha Emily. E por aí vai.
Bom, a vida e a morte de Poe é, sem dúvida, marcada por “histórias” e “estórias” que o filme tenta misturar umas com as outras. Com bons profissionais do Direito, caro leitor, que tal investigarmos e desvendarmos o que há de verdade nesse “caso”? Após o filme, sugiro que comecemos (re)lendo o próprio Poe.
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Marcelo Alves Dias de Souza é Procurador Regional da República, Mestre em Direito pela PUC/SP e Doutorando em Direito pelo King’s College London – KCL
Marcelo Alves Dias de Souza é Procurador Regional da República, Mestre em Direito pela PUC/SP e Doutorando em Direito pelo King’s College London – KCL
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