AO AMIGO E MESTRE BEM AVENTURADO
(*) Gutenberg Costa
Conheci Deífilo Gurgel, quando este trabalhava na Fundação José Augusto, final dos anos oitenta do século passado. Fomos apresentado pelo também amigo folclorista Severino Vicente que já conhecia o meu gosto pela cultura popular. Logo eu era por este convidado para ingressar na Comissão de Folclore do RN e de membro passei a tesoureiro desta Instituição. Entidade ‘sofrida’ sem recursos e apoio que eu vi ao logo deste tempo presidida pelo saudoso amigo e mestre Veríssimo de Melo, depois porDeífilo Gurgel,IaperyAraújo e atualmente por Severino Vicente e eu na sua vice-presidência. Órgão não governamental independente e respeitado Brasil a fora, cujo primeiro abrigo e criação fora no abençoado lar de Câmara Cascudo.
Ao lado de Deífilo e Severino tive a felicidade de viajar por diversas cidades e vi sua maneira, antes de tudo, humana de pesquisar, contrariando o princípio da frieza de alguns pesquisadores que nos ensinam a não se misturar muito com os pesquisados e seus problemas pessoais. Aprendi com Deífilo a olhar a panela do portador de folclore antes de entregar-lhes os diplomas e honrarias que ficam emoldurados nas paredes dos casebres, enquanto estes passam fome e desprestigio cultural... Um dia Deífilo telefonou lá pra casa para dar a notícia da morte de Faísca, do velho Pastoril e quando lhe perguntei a causa mortis, este com sua voz rouca e inconfundível disparou revoltado com a situação do falecido: “Gutenberg, Faísca morreu mesmo foi de ‘ostracismo cultural’”. Eu que costumava assinar o ponto todos os dias mesmo sem ser funcionário da Fundação José Augusto, vi um dia o mamulengueiro Zé Relampo levantar as mãos para o alto e agradecer a presença de Deífilo Gurgel, mesmo ultrapassando o horário do expediente: “ Graças a Deus doutor Déifilo está aqui, pois sei que agora este me dará um dinheirinho para meu almoço, pois nem café puro tomei hoje!”. Aprendemos, eu e Severino com Deífilo, a logo meter a mão no bolso e socorrer o artista popular, antes de procurar os meios para dar entrada em um infernal processo burocrático.
Certa feita estando na casa de mestre Severino Guedes, do Bambêlo Asa Branca, o entrevistando, este disse-me sem reservas: “Moço eu hoje não passo fome, por que doutor Deífilo lutou por mim e conseguiu uma aposentaria especial junto ao governador!”. Mestre Guedes, na própria pele corajosamente reafirmava a máxima euclidiana e só livrava os couros de três amigos mecenas da cultura popular: Câmara Cascudo, Djalma Maranhão e Deífilo Gurgel. Quem um dia ousar contar a história dos nossos mestres e brincantes do folclore, haverá de tirar muita gente do pedestal que pousou ou teima em pousar de meros entregadores de honrarias e diplomas... Não adentraram como os burocratas, os terreiros de taipas dos mestres e brincantes, talvez para não verem as panelas vazias...
Quanto ao lado humorístico de Deífilo, teria muita coisa para contar aqui neste pouco espaço... certa vez mandou o motorista parar o carro bruscamente, desceu e ficou um tempo contemplando um curral de gado e ao voltar para o automóvel justificou-se solenemente: “Fui sentir o cheiro bom de bosta nova de vaca e boi”. Diziá-nos ser um exemplo único no mundo entre os folcloristas: “Nunca gostei de cachaça!”. Também contavá-nos sorrindo que ao voltar depois de um certo tempo a casa de uma sua romanceira pesquisada, esta muito admirada teria lhe dito na cara: “ E o senhor ainda tá vivo, pois eu pensava que o senhor tinha morrido há muito tempo! “. E por falar em morte lembro-me da praga profética tão boa dita por um intelectual papa jerimum:- “Esta raça de folclorista só morre de velhice”. A dama da foice não nos deixa ganhar dinheiro, nem fama, mas deixa-nos viver muito. E é pensando nisto, que a cada dia matamos um leão em defesa do folclore ...vamos enfrentando os fantasmas quixotescos pela frente, ora sorrindo com as alegrias dos artistas populares, ora sofrendo feito sovaco de aleijado antigamente, com suas agruras... aqui e acolá, entra governo e sai governo, entra prefeito e sai prefeito e os mestres e brincantes nos trazendo felicidade e objetivo de vida... a máxima dos folcloristas é regida pelo dito popular destes mestres de grupos folclóricos: “Doutor, não pense que dinheiro compra tudo na vida!”
Não posso esquecer jamais, era o dia 8 de agosto de 1993, dia de meu aniversário, mês do folclore, anoite recebo a maior homenagem em vida, através de um parabéns de meu amigo e mestre na ciência folclorística’, quando me diz ao telefone: Amigo, ousa agora o meu presente e a minha homenagem ao seu aniversário. É um poema que fiz inspirado em sua pesquisa sobre os tipos populares do Bairro da Ribeira. Acabei de escrever e lhe dediquei entre os poucos que fiz aos amigos. E começou me levando ás lágrimas: “Ribeira Velha de Guerra...”. Neste poema o bem aventurado amigo mistura poeticamente com sua autoridade: Ferreira Itajubá, Cascudo, Exupéry, Perrepistas, Liberais, Fumaça, Raimundo Cego, Luís Romão, Cancão, Roberto Freire, Luís de Barros, Luís Tavares, Zé Areia, Zé Alexandre Garcia, Newton Navarro e Albimar Marinho”. Em um trecho do citado poema, o autor, o poeta de Areia Branca e Natal, o amigo de conselhos e confidências culturais deixa uma verdade:
“...Morre o povo, corre o povo, que todos somos mortais...”.
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(*) folclorista e vice presidente da Comissão Norte Rio Grandense de Folclore.
http://www.saraspace.com.br/
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NOTA: Aproveitando este espaço, informamos que o baile "Antigos Carnavais" acontecerá, novamente, atendendo a muitos pedidos, no da 14-04-2012, no Cube de Engenharia, a partir das 17 horas.
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Gutenberg Costa - 3232 4562 / 9427 3363
(Créditos da foto superior - Gibson Barbosa)
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