quarta-feira, 11 de janeiro de 2012

Tombamento do Patrimônio Público
Por Carlos Roberto de Miranda Gomes*

“...um país que respeita e preserva os seus valores deixa de ser apenas uma nação, passando a ser “a nação”, àquela em que se tem orgulho de pertencer.” (Fernanda Schimitt - Baclarela em Direito pela UFSM)

A propósito de recente noticiário jornalístico, de que o Estado ingressará com ação contra o tombamento do Estádio Juvenal Lamartine, feito pelo Município de Natal, resolvi tentar esclarecer o assunto, em seus aspectos legais e éticos.
O assunto está regulado no Direito pátrio através da Constituição Federal (art. 216 e incisos), Decreto nº 25, de 30/11/1937 e Lei nº 3.924, de 20/07/61.
A nossa Carta Política de 1988, dispõe sobre o assunto nos termos seguintes:
Art. 216. Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem;
I- as formas de expressão;
II- os modos de criar, fazer e viver;
III- as criações científicas, artísticas e tecnológicas;
IV- as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados às manifestações artístico-culturais;
V- os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico.
No campo infra-constitucional, o vetusto Decreto 25, de 1937, já dispunha da mesma forma consagrada na Lei Maior, apenas traçando a formalística. Ainda ele aponta o conceito do instituto ao dispor:
“Constitui o patrimônio histórico e artístico nacional o conjunto dos bens móveis e imóveis existentes no País e cuja conservação seja do interesse público, quer por sua vinculação a fatos memoráveis da história do Brasil, quer por seu excepcional valor arqueológico ou etnográfico, bibliográfico ou artístico."
Desta forma, consoante o primeiro parágrafo da disposição constitucional antes transcrita, a competência da iniciativa se impõe ao Poder Público, com a colaboração da comunidade, que promoverá e protegerá o patrimônio cultural brasileiro, por meio de inventários, registros, vigilância, tombamento e desapropriação, e de outras formas de acautelamento e preservação.
Ao dispor dessa maneira, quer nos parecer que a expressão “Poder Público” é genérica e, se o titular do domínio se omite em tomar a iniciativa, outro órgão representativo da vontade do povo poderá agir no sentido da preservação do patrimônio público, seja histórico, cultural ou estético.
Qualquer Ente Público, por conseguinte, de forma extraordinária pode intervir na propriedade de bens (coisas ou locais), regulando a sua utilização ou não, sejam eles particulares ou públicos, levando em consideração a supremacia do interesse público, na preservação desses bens ou locais, considerados inestimáveis para a história ou a cultura nacional, regional ou local. A literatura doutrinária registra que pela existência de interesse local a competência pode ser atribuída ao município.
Mesmo assim compreendendo, não descarto que o procedimento administrativo deveria ter sido precedido por audiências públicas, audiência do Conselho de Cultura (se é que não o foi), inclusive com o chamamento do titular do domínio do Estádio Juvenal Lamartine.
Se tais cautelas aconteceram, acho difícil se conseguir a anulação do tombamento, pois a Constituição da República proclama, no inciso III do seu art. 23, que ‘é competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, proteger os documentos, as obras e outros bens de valor histórico, artístico e cultural, os monumentos, as paisagens naturais notáveis e os sítios arqueológicos. Caso contrário, o Estado terá direito de ação para justificar que o bem tombado do seu patrimônio não se enquadra nas prescrições legais.
Na condição de procedimento administrativo, que se desenvolve em uma sequência de atos preparatórios e onde é permitida a competência concorrente, há de ser tomar todas as cautelas para evitar a invalidade do ato de tombamento.
Vamos acompanhar a batalha e verificar o que deve triunfar – a simples questão da defesa de um patrimônio ou a atitude ética de preservação da memória.
*Carlos Roberto de Miranda Gomes é escritor e advogado
__________
Postado por Sávio Hackradt (Calangotanto 05.01.2012)

Nenhum comentário:

Postar um comentário